Cristina Figueiredo, editora de política
da SIC | Expresso (curto)
Marcelo Rebelo de Sousa não tem
tido agenda pública nos últimos dias; talvez tenha tirado uns dias de férias (em Monte Gordo, segundo
atestam diversas testemunhas e abundantes selfies nas redes sociais).
Mas estar de férias, no caso do Presidente da República, não significa deixar
de trabalhar (“estar adormecido não é o mesmo que estar a dormir”, como diria
Camilo José Cela): desde domingo, enviou felicitações à seleção feminina de
futebol e palavras de solidariedade aos seus homólogos da Grécia e de Itália,
evocou um escritor falecido, promulgou uma lei do Parlamento e três decretos do
Governo e… largou uma mini-bomba sobre a pacatez estival de um país à beira da
Jornada Mundial da Juventude (cinco dias em que “nothing else matters”) ao vetar
o diploma do Governo sobre a progressão na carreira dos educadores de infância
e dos professores dos ensinos básico e secundário. Afirma Marcelo que o texto
até tem “aspetos positivos – alguns dos quais resultantes de aceitação de
sugestões da Presidência da República”, mas o que ele não compreende é que o
articulado feche definitivamente a porta à possibilidade de recuperação dos 6
anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço congelados desde os anos da troika,
ainda para mais criando uma disparidade de tratamento entre os professores do
continente e os das ilhas (onde os Governos Regionais já acordaram em lhes
devolver, progressivamente, a integralidade do tempo de serviço).
“Os professores, tal como os
profissionais de saúde, têm e merecem ter uma importância essencial na nossa
sociedade e em todas as sociedades que apostam na educação, no conhecimento, no
futuro”, argumenta o Presidente, para quem “não foi por acaso que países
exemplos de liderança na educação o foram”: “Escolheram os melhores e
pagaram-lhes aquilo que não pagavam a tantos outros e respeitáveis
trabalhadores do setor público, mesmo de carreiras especiais”. Marcelo insiste
(e com a insistência segue um recado clarinho para o reputado taticista
político que é António Costa): “Apostar na educação é mais do que pensar
no curto prazo, ou em pessoas, situações, instituições, do passado próximo ou
do presente, ou calcular dividendos políticos”. E mais uma vez, não
vá dar-se o caso de os destinatários não terem percebido cabalmente a
mensagem: “Não há nem pode haver comparação entre o estatuto dos
professores, tal como o dos profissionais de saúde, e o de outras carreiras,
mesmo especiais. Governar é escolher prioridades. E saúde e educação são e
deveriam ser prioridades se quisermos ir muito mais longe como sociedade
desenvolvida e justa”.
Da esquerda à direita, a oposição foi unânime em saudar o veto presidencial,
que entende como uma maneira de o Governo (a começar no primeiro-ministro que,
no já longínquo ano de 2019, chegou a ameaçar demitir-se caso a Assembleia da
República aprovasse, como quase aconteceu, o descongelamento total do tempo de
serviço suspenso desde os anos da troika) ter mesmo de voltar atrás e devolver
aos professores a esperança que este diploma, tal como está, lhes tira. Costa,
ao que o Expresso apurou, foi avisado pelo próprio Presidente do
veto quando estava a embarcar, em Timor, de regresso a Lisboa. Até esta hora
não se lhe conhece - nem a ele, nem ao Governo, nem ao PS - qual foi a reação.
Mas é factual que está perante um dilema: ou dá o braço a torcer ou prolonga a luta com os
professores (que marcou, de maneira indelével, o último ano letivo). E, já
agora, é bom que estenda o raciocínio às negociações com os médicos (que
terminam hoje mesmo uma greve de três dias mas que ameaçam voltar à luta na
próxima semana). Marcelo já deixou claro: professores e médicos não são, nem
devem ser olhados como, funcionários públicos iguais aos outros.