Muitas vezes diz-se que António
Guterres, na noite das eleições autárquicas de 16 de Dezembro de 2001, se
demitiu de primeiro-ministro porque o país vivia num pântano criado pelo seu
governo. É uma mentira que o centro-direita e a direita costumam erradamente
repetir. Há que repôr a verdade. Foi isto que António Guterres disse:
"(...) e se olhasse para estas eleições e passasse por elas como
porventura seria integralmente meu direito constitucional, continuando a
exercer as funções de primeiro-ministro, o país cairia inevitavelmente num
pântano político que minaria as relações de confiança entre governantes e
governados, que são indispensáveis para que Portugal possa vencer os desafios
que tem pela frente. Nessas condições, entendo que é meu dever perante Portugal
e perante os portugueses evitar esse pântano político. Por isso mesmo, pedirei
ao senhor Presidente da República que me receba para apresentar o pedido de
demissão das funções de primeiro-ministro (...)"
Como se vê, Guterres saiu para
evitar um pântano e não porque se vivia num pântano criado por si. Mas por
vezes aquilo que dizemos é transfigurado por comentadores pouco preparados e
por rivais políticos para criar uma nova narrativa, mesmo que longe dos factos.
O resto da história é conhecida, Durão Barroso vence as eleições seguintes,
deixa o governo para ser presidente da Comissão Europeia dois anos e meio
depois e é substituído sem ir a votos por Santana Lopes. Agora temos um outro
primeiro-ministro do PS que se demite, mas ao contrário do que aconteceu nas
eleições legislativas de 2002 é muito provável que possamos viver num pântano
após as eleições que teremos no num dos primeiros meses do próximo ano.
Com a excepção do Bloco de
Esquerda e do Chega é provável que todos os partidos tenham mais a perder do
que a ganhar com novas eleições. O PCP vive numa contínua sangria de votos, que
poderá ser acentuada face às incompreensíveis posições sobre política
internacional, nomeadamente sobre a guerra na Ucrânia, e à falta de carisma do
novo líder, o Livre poderá ganhar mais um ou dois deputados, mas que poderão
servir de pouco se não for suficiente para atingir uma maioria de esquerda no
parlamento, o PS sai fragilizado por ver o seu nome mais uma vez envolvido num
caso de corrupção e porque terá um novo líder sem muito tempo para se preparar
para eleições, o PPD não entusiasma ninguém e tem um líder pouco empático, a IL
pode aumentar ligeiramente o número de deputados, mas tem o mesmo problema que
o Livre, ou seja, isso ser inútil.
O Bloco de Esquerda deverá
beneficiar da desilusão com o PS de parte do eleitorado de centro-esquerda, que
votou útil nas últimas eleições, e captará todos aqueles que estão zangados com
as incompreensíveis e extremistas posições do PCP. Já o Chega beneficiará de
todo o populismo do seu líder feito durante esta última legislatura e de uma
narrativa de que o seu partido é puro e que todos os outros são corruptos e
ladrões, aproveitando as razões pelas quais este governo caiu. No final poderemos
ter um Chega com mais de 30 deputados, reforçando a terceira posição na
Assembleia da República.
E isto causa um grave problema.
Dificilmente haverá uma maioria de esquerda, a acreditar pelas sondagens ainda
antes desta crise política, e dificilmente haverá uma maioria de direita sem os
deputados do Chega. Acreditando que Luís Montenegro cumprirá a sua palavra e
não fará qualquer tipo de acordo com o partido de André Ventura, poderemos
estar numa situação que António Guterres quis evitar em 2002: um verdadeiro
pântano político. Ou seja, ou o Chega por sua iniciativa deixa o PPD governar
(com ou sem IL e, quem sabe, com ou sem CDS) ou dificilmente teremos um governo
estável nos próximos anos.
Claro que aqui o PS também tem
uma palavra a dizer, já que poderá tomar uma atitude de permitir que o PPD
governe, com a abstenção na aprovação de orçamentos, por exemplo, não
permitindo que o Chega seja decisivo na existência de um governo de
centro-direita. É verdade que não há vitórias certas e o PS já tem surpreendido
com bons resultados. Nesse caso seria muito mais fácil encontrar entendimentos
à esquerda, criando uma nova geringonça. Mas ao dia de hoje o mais provável é
termos uma situação mais instável e pantanosa do que aquela que temos hoje.
*Presidente do movimento Partido
Democrata Europeu - O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Imagem: A
expansão artística e social de João Abel Manta