segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Angola | Formação Permanente e Poder Local -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Angola tinha câmaras municipais nas maiores cidades, que eram estruturas técnicas, dirigidas por políticos, todos de nomeação. Segundas linhas do colonial-fascismo. As pequenas e médias comunidades tinham postos e administrações que garantiam os serviços básicos: Captação, tratamento e distribuição de água. Rede eléctrica. Postos de saúde. Matadouros com médicos veterinários. Recolha de lixo. Feiras e mercados. Rede viária local. Transportes. Urbanismo. 

Durante a transição, entre o 25 de Abril de 1974 e o dia 11 de Novembro de 1975, essas estruturas ficaram ocas. Vazias.  Sem ninguém. Partiram para Portugal, graças às facilidades das pontes aéreas garantidas pela CIA e Mário Soares, quase todos os quadros superiores. Praticamente todos os quadros técnicos e profissionais de todas as artes e ofícios. Ao contrário do que puseram a circular os propagandistas do estado terrorista mais perigoso do mundo, ninguém mandou os portugueses embora. Foram pelo seu pé. 

Angola ficou sem mão-de-obra especializada, sem profissionais de todos os ofícios, porque o estado terrorista mais perigoso do mundo, apoiado pela clique do General Spínola e o Pai Grande Mário Soares (um bom branco!) liderou uma coligação com o ditador Mobutu e o regime racista de Pretória, mais as grandes potências ocidentais: Reino Unido, França e Alemanha Federal. Guerra aberta desde Cabinda a Namacunde. Do Lobito ao Luau. 

O Governo da República Popular de Angola não podia fazer nada. Ninguém consegue convencer uma família, com filhos menores, a não abandonar Angola, quando nas ruas de Luanda e das principais cidades e vilas angolanas a guerra era total, bairro a bairro, rua a rua, beco a beco. Não ouvi dizer. Estava lá. Vi. Cobri esses acontecimentos terríveis para os Media nacionais e internacionais.

A solução para a debandada até de quem pesava um quilo de fuba na cantina e os motoristas de táxi, era importar mão-de-obra estrangeira. Impossível. Primeiro porque o país estava em guerra total. Em segundo lugar porque o dinheiro ia todo para a defesa e segurança. Não sobrava nada para pôr o país a funcionar. 

A guerra terrível durou até 2002. Sabem quanto custou? Façam contas. Em 11 meses de guerra na Ucrânia, os EUA já despacharam para Kiev 45 mil milhões de dólares em dinheiro. O resto foi lataria e sucata militar. Um dia destes vem para Angola. A União Europeia não tem armas novas ou velhas. Mandou 80 mil milhões de euros! Hoje Bruxelas mandou mais 2,8 mi milhões. 

Façam as contas e ficam a saber quanto custou a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial, todos os dias, até à morte de Jonas Savimbi. Só falo da parcela do dinheiro. Mas temos a parcela humana. Aí o custo foi astronómico. Mesmo que tivéssemos todo o petróleo do mundo, todos os diamantes do mundo, todas as matérias-primas estratégicas do mundo, não era possível pagar a factura das vidas imoladas.

A esta conta temos de acrescentar as destruições. Tecido económico arrasado. Destruídos tofos os circuitos de produção e distribuição. No Huambo foi destruída a maior zona industrial de Angola. Saíam de lá milhares de motorizadas e bicicletas. Integrava a segunda maior fábrica de cerveja construída em Angola. Moagens. Tudo destruído. 

As pequenas e médias empresas tiveram o mesmo destino. Nem uma fábrica ficou aberta. O comércio colapsou. As grandes unidades agrícolas desapareceram. As estradas ficaram intransitáveis. Portos e aeroportos destruídos. Só ficaram os patriotas que lutaram até ao último alento de vida pela Dignidade. Pela Liberdade. Pela Independência Nacional. Os melhores morreram nas frentes de batalha. Nem daqui a cem anos vamos recuperar de tantas e tão grandes perdas! Sabem o que é a guerra?

Os sicários da UNITA não sabem outra coisa. Existem para matar, destruir e vender a Pátria Angolana a quem der mais. Neste aspecto estão bem acompanhados. Está no poder quem assinou uma parceria estratégica com o estado terrorista mais perigoso do mundo. Não tarda muito vamos ser carne para canhão.

Hoje foi inaugurado no Huambo o Centro Integrado de Formação Tecnológica (CINFOTEC). Uma oferta da República Popular da China no valor de 30 milhões de dólares. Um momento muito alto na vida social e política de Angola. Há mais três iguais a este. Mas precisamos de dezenas! Estamos salvos. 

Graças à parceria estratégica com os EUA, o Presidente João Lourenço vai garantir 200 centros de formação a instalar nos principais municípios de Angola. O custo total, chave na mão será de seis mil milhões de solares. Joe Biden corta dez por cento aos nazis de Kiev e manda o dinheiro para os nossos centros de formação.

 A União Europeia hoje despachou para Kiev 2,8 mil milhões de euros, a fim de garantir a guerra. Mandam o mesmo para Angola e com esses fundos contratamos formadores durante muitos anos. Dentro de uma década temos mão-de-obra especializada em todos os sectores. Oficiais de todos os ofícios. Finalmente vamos ter autarquias locais eminentemente técnicas. Antes disso, as eleições para o Poder Local só vão servir para acomodar mais clientelas. Torrar mais dinheiro. E continuar a desertificação humana do interior do país.

Na cerimónia da inauguração do CINFOTEC do Huambo estavam na primeira fila as autoridades tradicionais. Sabiam que representam o Poder Local? Sabiam que sempre tiveram uma palavra importante a dizer mesmo no auge da repressão colonial? Não pensem em autarquias locais sem entrelaçar o poder local democrático com o poder tradicional. Não imitem os brancos viciados no imperialismo e no colonialismo. 

Pediram-me mais material sobre o Jornalismo Angolano. Procurei nos meus arquivos e só encontrei mais uma peça que vou mandar hoje. Preparei outra para os jornalistas do Jornal de Angola sobre Direito da Comunicação. Perdeu-se no fogo. 

Formação, formação, formação é a solução. Antes de criarmos no Jornal de Angola o Gabinete de Formação Permanente, o material l produzido nas Direcções Provinciais ia para o lixo. Depois começou a entrar em página e chegámos a um ponto em que os materiais das províncias davam manchetes! As Direcções Provinciais passaram a ser os mais importantes activos da Empresa Edições Novembro. Pensem nisso. 

* Jornalista

DOCUMENTO 2

UM MARCO DA ANGOLANIDADE

Imprensa Nacional Fonte e Farol da Cultura Angolana

Artur Queiroz*, Luanda

O Jornalismo e a Literatura ganharam uma elevada expressão em Angola, no Século IX, graças à existência de uma indústria gráfica muito desenvolvida, com experiência acumulada desde que chegaram os primeiros prelos mecânicos a Luanda e São Salvador do Congo (Mbanza Congo), no início do Século XVI. Mestres tipógrafos germânicos e portugueses criaram autênticas escolas da “arte de imprimissão”, o que justificou o lançamento do primeiro jornal, o Boletim do Governo-Geral da Província de Angola, que começou a circular no dia 13 de Setembro de 1845, era governador Pedro Alexandrino da Cunha, um oficial da Marinha de Guerra.

O jornal era impresso em oficina própria, que demorou 20 anos a ser montada. O Governo de Lisboa ordenou a criação do Boletim Oficial, mas forças mais radicais da corte achavam que era perigoso avançar com esse projecto. E tinham razão. Duas décadas depois da criação da Imprensa do Governo de Angola, nasceu a chamada Imprensa Livre, com um periódico impresso em oficina própria. 

Em breve, nas páginas dos jornais privados era reivindicada a independência e começou a ser forjado um profundo sentimento de angolanidade, que ganhou a sua expressão máxima no Movimento Vamos Descobrir Angola, um século depois.

No dia 6 de Dezembro de 1866, começou a circular em Luanda o primeiro jornal privado, com consistência e continuidade, que teve como fundadores os advogados António Urbano Monteiro de Castro e Alfredo Júlio Cortês Mântua. O título era A Civilização da África Portuguesa e o subtítulo Semanário dedicado a tratar dos interesses administrativos, económicos, agrícolas e industriais de Angola e S. Tomé. 

Além dos dois advogados, o jornal teve ainda como fundadores João Feliciano Pederneira, comerciante de Pungo Andongo, Feliciano da Silva Oliveira, comerciante de Cambambe e Francisco António Pinheiro Bayão, funcionário público, de Luanda. Foi o princípio de um jornalismo de combate, servido por jornalistas angolanos, que na época estavam ao nível do melhor que existia na Imprensa de língua portuguesa, entre eles, Arantes Braga, José de Fontes Pereira, Sant’Anna Palma, Augusto Bastos e o príncipe do jornalismo de língua portuguesa, Pedro da Paixão Franco.

Os documentos que atestam a origem da Imprensa do Governo de Angola foram coligidos e publicados por uma comissão do Museu de Angola, em 195, presidida por Mascarenhas Gaivão e da qual faziam parte, entre outros, o notável historiador Alberto de Lemos e o padre Manuel da Neves, um dos mentores da revolução do 4 de Fevereiro, nessa altura cónego da Sé de Luanda. Quase toda a documentação oficial tinha sido coligida por Augusto Bastos, o angolano prodigioso que marcou de uma forma indelével, o jornalismo, a literatura, a música, as artes plásticas, a ciência e a política.

DECRETO DA FUNDAÇÃO

O secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Vieira de Castro, preparou o Decreto que a rainha assinou. Manda criar “debaixo da Inspecção de cada Governo-Geral, um Boletim no qual se publiquem as Ordens, Peças Oficiais, Extractos dos Decretos Regulamentares enviados pelo respectivo Ministério aos Governos do Ultramar, bem como notícias marítimas, preços correntes, Informações Estatísticas e tudo o que for interessante para conhecimento Público”.

O diploma legal foi assinado no Paço das Necessidades, em Lisboa, em 7 de Dezembro de 1836. Este documento lançou a Imprensa em Angola, mas o primeiro boletim só foi impresso em 13 de Setembro de 1845, nove anos mais tarde, depois de muita insistência do governador Pedro Alexandrino da Cunha.

No dia em que saiu a público o primeiro número do Boletim do Governo-Geral da Província de Angola (Boletim Oficial), o governador enviou um ofício para Lisboa reclamando o envio “de uma imprensa completa” e mestres tipógrafos. O equipamento que estava em Luanda, permaneceu demasiados anos encaixotado e foi atacado pela ferrugem e o salalé.  

O governador não dava descanso ao Governo de Lisboa e em 22 de Setembro de 1845, enviou novo ofício ao Ministério da Marinha e do Ultramar pedindo “caixas de composição em jogo completo de altas e baixas”. As “altas” são maiúsculas e as “baixas” as minúsculas.

Pedro Alexandrino da Cunha, cansado de esperar a chegada dos tipógrafos, em 11 de Abril de 1846 enviou um ofício onde reclamava apenas um compositor porque encontrou em Luanda alguns mestres tipógrafos que contratou directamente. Em 15 de Maio, a Imprensa Nacional de Lisboa informou o governador que ia enviar para Luanda os compositores João da Silva Tojeiro e José da Costa. 

ESCOLA DE TIPÓGRAFOS

Nesta época, a Imprensa Nacional de Lisboa era uma escola de tipógrafos e as suas modernas instalações tinham iluminação a gás. Este modelo foi reproduzido, três décadas mais tarde, em Luanda, na Imprensa do Governo de Angola, hoje Imprensa Nacional. 

Em ofício de 3 de Junho de 1846, o director da Imprensa Nacional de Lisboa informa o governador Pedro Alexandrino da Cunha que “estão prontos os utensílios necessários para compor e imprimir o Boletim Oficial e os mestres tipógrafos podem embarcar para Luanda no primeiro vapor”. Angola teve de pagar o equipamento em quatro prestações mensais. Diz o documento: “Acha-se pronto e encaixotado um prelo de ferro, rolos e demais utensílios, tipos e outros objectos tipográficos indispensáveis para fazer a composição e impressão do Boletim Oficial de Angola. O preço total é de 600$000 reis a pagar em quatro prestações mensais”.

O Boletim do Governo-Geral da Província de Angola saía a público, todos os sábados, há mais de um ano. O governador arranjou equipamentos e mestres tipógrafos em Luanda. Finalmente, em 13 de Abril de 1847, o secretário-geral de Pedro Alexandrino da Cunha, João de Reboredo, informou a Fazenda que foi recebido o prelo em ferro, tipos e demais objectos para a Imprensa do Governo de Angola.

Em 1849, o novo governador, Acácio da Silveira, enviou ao Ministério da Marinha e Ultramar uma lista de materiais que estavam a fazer falta: “Um interduo moderno, mais as linhas e chamadinhas. Uma pandecta moderna, linhas e chamadinhas. Texto, chamadinhas, breviário miúdo, linhas e chamadinhas. Dois pontos de texto. Letra corpo 18 número dois. Zinco para as gravuras. Letra de corpo 22 número um. Cursivo de Parangona. Quadrados de texto (ocos). Um prelo mecânico em ferro, mesa e os rolos. Uma forma para fazer os rolos. Mais seis arreteis de tinta de imprimir e caixotes”.

A fábrica de impressão e composição crescia à medida do sucesso do boletim, que ainda em 1845, dava uma notícia social: A Assembleia de Luanda, onde se juntava a alta burguesia europeia e africana, ia dar um baile em homenagem ao governador Pedro Alexandrino da Cunha. 

Mais tarde, publicava um anúncio comercial. O comerciante Valentim José Pereira dava nota pública de que era comprador de folhas de tabaco. Em 1846, o Boletim Oficial dava a sua primeira notícia cultural. O Teatro Providência, ali na Rua dos Mercadores, levava à cena a peça “O Fugitivo da Bastilha”. Desde então, passou a ser um verdadeiro jornal, mas controlado pelo Governo-Geral. Por isso, os intelectuais africanos e europeus da época decidiram criar a Imprensa Livre, em oposição à Imprensa Oficial. 

OFERTA DE UMA TIPOGRAFIA

Em 9 de Maio de 1849, menos de quatro anos depois de ser editado o primeiro número do Boletim Oficial, o governador agradeceu a Arsénio Pompílio Pompeu do Carpo, a “oferta de uma tipografia completa, papel e tintas” para a Imprensa do Governo de Angola”. O doador era um madeirense que foi deportado para Angola por ter participado numa revolta dos liberais, no Funchal. Com a doação ganhou a liberdade plena e tornou-se um dos mais ricos comerciantes de Angola, além de jornalista, dramaturgo e actor. 

A Imprensa do Governo de Angola tinha ao seu serviço equipamento, papel e tinta, do melhor que existia no mundo, tudo importado de Londres por Pompeu do Carpo, que como “correspondente comercial”, tinha grandes negócios na capital britânica.

A alta qualidade da tipografia levou a que proprietários de jornais privados recorressem aos seus serviços. Mas para isso, tinham de pedir autorização ao Ministério da Marinha e do Ultramar. O Governo de Lisboa, por decreto de 8 de Setembro de 1855, dez anos depois do início da actividade da oficina gráfica, nomeou o primeiro director da Imprensa do Governo de Angola: António José da Silva Ferreira.

UM JORNAL ESTRANGULADO

Ernesto Marecos, Alfredo de Sarmento e Francisco Teixeira da Silva, fundadores do jornal luandense “A Aurora”, enviaram um requerimento ao Governo, solicitando que o periódico fosse produzido na oficina onde era composto e impresso o Boletim Oficial. A pretensão foi deferida em 2 de Maio de 1856, mas com uma condição: todos os textos tinham de ser enviados previamente ao secretário-geral, Manuel Alves de Castro Francina.

“Não há nisto ideia de uma censura literária – Vossas Senhorias o pensarão assim, bem certamente: há só a justa e legítima intenção de prevenir que possa aparecer no periódico matéria estranha ao seu projecto (…) o que deveria produzir a imediata suspensão do mesmo, na conformidade da Lei Reguladora da Imprensa”, escreve Francina no seu despacho. Mas o estrangulamento foi ainda mais apertado. O secretário-geral do Governo de Angola exigiu também “a expressa declaração de que o periódico não tratará de questões políticas”. O jornal começou a circular apenas com noticiário literário e textos de entretenimento. Pouco tempo depois encerrou. Como nasceu estrangulado, teve uma vida efémera.

Esta posição oficial justifica um facto: os grandes jornais da Imprensa Livre tinham tipografia própria e excelentes mestres tipógrafos. O Mercantil, era um jornal com grande qualidade gráfica e com seis páginas! Possuía prelo próprio, nas suas oficinas da Rua Direita, ao Bungo. 

Em 18 de Setembro de 1867 nasceu o jornal semanário O Commercio de Loanda, também com tipografia própria. Em 1873, é editado o semanário Cruzeiro do Sul. Este jornal, onde pontificava o padre Castanheira Neves e Urbano de Castro, já teve como fundadores jornalistas africanos. Tinha igualmente oficinas próprias. 

Alfredo Troni veio de Coimbra para Luanda servir o Poder Judicial. Mas em breve se rebelou contra o governador e sua corte. Troni, em 7 de Julho de 1878, fundou o Jornal de Loanda, com tipografia própria e sede na Rua Diogo Cão. Quando os seus afazeres de advogado o obrigaram a abandonar a trincheira do jornal, contratou um jornalista de primeira água, Ladislau Batalha, na época, um dos mais brilhantes arautos do socialismo. Em 1888, da tipografia privada de Troni saía o celebérrimo jornal Mukuarimi. As oficinas gráficas do Bungo passaram a chamar-se Typographia do Mukuarimi. 

No ano de 1872, a Maçonaria fundou A Defeza de Angola (1903), um bi-semanário, servido por jornalistas profissionais. O jornal tinha tipografia própria de grande qualidade, comprada por subscrição pública. 

A Imprensa do Governo de Angola passou a “Nacional” e foi habitar uma nave industrial moderna, construída em terrenos adjacentes ao Palácio Presidencial, onde funcionava um parque de diversões. Ainda hoje habita o mesmo espaço. Em 4 de Maio de 1875, foi aprovado o primeiro regulamento da empresa. Nesta fase, já tinha vários prelos, iluminação a gás e era uma excelente escola de tipógrafos. 

O governador José Baptista de Andrade mandou organizar uma mostra das actividades de Angola, para depois ser levada à grande Exposição Colonial em Lisboa. O excelente catálogo foi produzido na Imprensa Nacional e os seus operários criaram vitrinas e expositores.

O PRIMEIRO PINTOR

A Imprensa Nacional está na origem da grande exposição sobre Angola, aberta ao público em Luanda, no edifício da Aula Profissional, Cidade Alta, que incluiu artes plásticas. Nas suas oficinas foi composto e impresso o catálogo. Mas os seus operários foram os grandes obreiros da mostra.

Na página 79 do catálogo foi reproduzida uma tela do artista Julião Félix Machado, “um rapaz natural de Luanda” que, segundo o governador da época, José Baptista de Andrade, “denota a mais alta vocação”. Não se enganou. Mais tarde tornou-se um caricaturista notável, que conquistou a imprensa internacional e integrou as mais importantes publicações humorísticas da época, em Lisboa, Paris e Rio de Janeiro.

O dia 30 de Outubro de 1884 é histórico para as artes plásticas angolanas. Pela primeira vez, um artista “indígena de Angola” mostrou publicamente as suas obras. Na exposição, Julião Félix Machado apresentou uma paisagem impressionista, “uma cena da vida no campo”, também impressionista, e uma aguarela, representado “As Armas da Cidade de Loanda”

Dois anos antes, o seu irmão, Pedro Félix Machado, poeta e romancista, publicou em Lisboa o livro de poemas Sorrisos e Desalentos, onde se revelou um inspirado parnasiano. É também autor do romance Scenas d'Africa. Mas vamos apresentar aquele que foi o maior artista plástico angolano, até 1930, ano em que faleceu.

Julião Félix Machado nasceu em Luanda a 19 de Junho de 1863. Quando concluiu os estudos secundários, partiu para a Universidade de Coimbra e depois matriculou-se na Universidade de Lisboa. Não há notícia de que tenha concluído qualquer curso superior. Mas cedo mostrou excepcionais qualidades como pintor, desenhista e caricaturista. Foi aluno do pintor José Malhoa e colaborou com Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1988, seu pai, Félix da Costa, um dos mais ricos comerciantes de Angola, faleceu em Luanda. Julião herdou uma fortuna que dissipou na boémia lisboeta e a financiar jornais humorísticos. 

O seu excepcional talento levou-o a ser aceite, de braços abertos, pelos membros do Grupo do Leão d’Ouro, entre os quais se destacavam Fialho d' Almeida, Rafael Bordalo Pinheiro ou Columbano. Por esta via chegou à imprensa liberal da época, como caricaturista. Colaborou nos jornais O Diabo Coxo, a Revista Ilustrada, Comédia Portuguesa, Diário Ilustrado e Pontos nos ii, entre outros. Quando surgiu a célebre revista Ilustração Portuguesa, o nome do artista angolano figurou entre os colaboradores mais notáveis. 

No início do Século XX, Julião Félix Machado foi para Paris, onde trabalhou como caricaturista na imprensa. Esta experiência foi mal sucedida e o artista angolano partiu para a Argentina, mas o navio fez escala no Rio de Janeiro e ali desembarcou. Em pouco tempo, revolucionou a caricatura brasileira. Os seus trabalhos foram publicados em periódicos importantes como a Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil ou O País.

No Brasil era o “número um” e a partir do Rio de Janeiro publicou trabalhos de elevada qualidade na imprensa internacional, sobretudo em jornais alemães, franceses e italianos. Quando regressou a Portugal trabalhou para os mais importantes órgãos da Imprensa Portuguesa, entre os quais o jornal O Século, ou o Comércio do Porto Ilustrado. 

Julião Félix Machado, para além de caricaturista e ilustrador, foi igualmente cenógrafo, jornalista e dramaturgo. Faleceu a 1 de Setembro de 1930.  

O primeiro jornal angolano (Boletim Oficial) nasceu em Setembro de 1845 e quatro anos depois, em 1849, o poeta benguelense José da Silva Maia Ferreira publicou o livro Espontaneidades da Minha Alma com o sugestivo subtítulo Às Senhoras Africanas. Em rodapé a marca importante: Loanda Imprensa do Governo 1949. A Imprensa Nacional tem a sua marca indelével no primeiro livro de poemas publicada em África, escrito por um angolano. O seu contributo para a Cultura Angolana é inestimável.

Sem comentários:

Mais lidas da semana