quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Portugal | Abril começa em fevereiro

Ricardo Marques, jornalista | Expresso (curto)

O cidadão sonhava morar num enorme casarão, tão alto que lá de cima, das águas-furtadas, se visse o país inteiro, mais o mar e as ilhas lá ao longe. Como não pode, faz de conta que si

Gosta de ficar à janela, a ver o que traz o vento e os dias

É, digamos, um ponto de vista.

O cidadão olha para o lado, em direção ao Porto, e vê uns bons milhares de polícias na rua aos gritos, como sucedeu ontem. São agentes da PSP, militares da GNR e, provavelmente, também guardas prisionais e andam há semanas a insistir no mesmo. Querem receber um subsídio de risco, tal como sucede com os inspetores da Polícia Judiciária. O Governo explica que não dá, que nem pensar, que está em gestão.

E os polícias pensam: isto não está bom.

Lá do alto, se forçar um pouco a vista, o cidadão vê também as colunas de fumo que sobem no coração da Europa, entupido de tratores e agricultores furiosos . Os de cá, os agricultores, elevam a voz e ameaçam fazer parecido. A ministra da Agricultura, do governo em gestão, aproveita e anuncia apoios de 500 milhões (uma mistura de subsídios, empréstimos, dinheiro europeu e uma redução de 55% no imposto sobre o gasóleo verde).

E os agricultores pensam: isto não está mau. (mas mesmo assim, esta manhã vão sair com os tratores para a estrada e é provável que o trânsito complique)

Com uns bons binóculos políticos, que bloqueiam tudo o resto, surgem eleições no horizonte.

Começam já este domingo, nos Açores, onde há uns meses ficou um orçamento por aprovar. As contas não ficaram mais fáceis desde então. Sem maiorias à vista, e com a campanha eleitoral na máxima força, parece que tudo vai voltar a depender de coligações e entendimentos. Pelo meio, há quem promete aparecer na noite decisiva, mesmo sem convite.

Sobre a Madeira, por onde há uma semana passou um tufão judicial que arrasou o governo regional, o cidadão contempla a paisagem distante e pensa que não vai haver eleições, e não está errado. Há muitos comentadores e alguns partidos a pensar assim. A seguir pensa que vai haver eleições, e não está certo. Há outros tantos comentadores, e outros partidos, que pensam o mesmo.

[Em Lisboa, o ex-presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e dois empresários, Avelino Farinha e Custódio Correia, detidos pela Polícia Judiciária há mais de uma semana, estão ainda na fase do primeiro interrogatório judicial – e sem saber que medidas de coação lhes serão aplicadas. É provável que haja novidades hoje ou amanhã]

Ontem, a deputada do PAN – o pequeno parafuso que sustenta a máquina inteira – saiu calada da reunião com o representante da República. “Não alimentamos especulação”, disse Mónica Freitas. Esperava-se para hoje a indicação de um nome para suceder a Miguel Albuquerque, mas ninguém sabe ao certo.... Bom, se não for antes, saber-se-á em março, quando acabam os primeiros seis meses de vida da assembleia legislativa.

E o cidadão ouve março e vem-lhe à cabeça que em março já há umas eleições legislativas marcadas. Espera... Mas também há Europeias em junho....

Ouvem-se lá em cima os lamentos: é o fim da credibilidade da política, que devia ser assim e que devia ser assado...A politica é vítima da justiça, a justiça funciona bem, a culpa é do Passos, a culpa é do Sócrates... Este país não tem remédio.

O cidadão ouve, e pensa: eis um ponto de vista.

Outro é aceitar que Portugal é apenas um ponto de vista. E lembrar, com um sorriso, que em 1975 apareceu por aí um cartaz do Movimento Anarquista com um enorme e colorido Galo de Barcelos. Dizia assim: “ruim por ruim...vota em mim!”

Haverá melhor forma de assinalar os 50 anos do 25 de Abril do que ter quatro eleições num ano? Só mesmo arranjar umas autarquicazinhas lá para outubro.

Ficava a festa bem feita.

OUTRAS NOTÍCIAS

Porto: A investigação da PSP aos Super Dragões - que levou à detenção do líder da claque, Fernando Madureira, e da sua mulher, além de implicar um administrador do FCP, Adelino Caldeira - será seguramente um dos assuntos desta quinta-feira.

Ucrânia: Os líderes europeus reúnem-se hoje em Bruxelas para tentar, uma vez mais, aprovar o pacote de €50 mil milhões para a Ucrânia. Viktor Orbán, da Hungria, não dá sinais de ceder. Unidade pode quebrar a sério, pela primeira vez, desde o início da guerra

Comunicação Social João Paulo Fafe deixou a Global Media. A saída do presidente executivo do grupo de comunicação social que detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, TSF e O Jogo estava a ser reclamada há semanas pelos acionistas minoritários e pelos trabalhadores

Matemática: Como é que uma greve de 90 pessoas pode ter impacto na vida de 10 milhões? História de um protesto.

Justiça: Começa hoje em Londres o julgamento de Greta Thunberg por violação da ordem pública. A ativista climática foi acusada de perturbar a ordem pública, depois de ter sido detida num protesto contra os combustíveis fósseis, no centro de Londres, em outubro de 2023.

Euro: A partir de hoje, o euro vai ser o único meio de pagamento em todo o Kosovo, incluindo nas zonas de maioria sérvia que utilizam o dinar.

Cuba: O preço da gasolina e do gasóleo deverá quintuplicar esta quinta-feira, passando dos atuais 25 pesos cubanos (95 cêntimos de euro) para 132 (cinco euros).

Descoberta? Os destroços da aeronave da norte-americana Amelia Earhart podem ter sido encontrados no fundo do Oceano Pacífico. Uma imagem capturada por um robô subaquático “revela os contornos que correspondem às caudas duplas e à envergadura únicas” do modelo utilizado em 1937,

Futebol: O que podia ter acontecido já aconteceu. Agora, é hora de olhar para o plantel e seguir até ao fim da época. Todas as novidades do mercado de transferências no futebol.

FRASES

"Bebemos a experiência de cada um", Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, sobre o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez.

“O cinema está a mudar a uma velocidade alucinante”, Willem Dafoe, ator norte-americano, em entrevista ao Expresso.

O QUE ANDO A LER

Salman Rushdie nunca foi grande visita lá de casa. Nem o próprio, nem os seus livros. Erro meu, má fortuna, ou qualquer outra razão mantiveram sempre longe o autor de, entre outros, “Versículos Santânicos” - até a escolha do exemplo, que surge aqui mais como facto histórico do que como obra literárias, é abundante sinal de escasso conhecimento.

Andei a perder tempo.

“Linguagens da Verdade” (D. Quixote), que adquiri há dias, é imperdível. O livro, que reúne uma série de textos escritos por Rushdie entre 2003 e 2020, funciona como uma espécie de cartão de embarque válido para duas viagens. Uma pela obra de Rushdie, outra pelos livros de alguns dos maiores escritores de sempre. Acabei agora o capítulo “Notas sobre a preguiça: de Saligia a Oblomov” e estou prestes a começar o seguinte, dedicado a Hans Christian Andersen.

Arranca assim: “Segundo o grande crítico alemão Walter Benjamin, a história e o romance não começaram no mesmo lugar.” Não vou mais longe por duas razões: desde logo, não quero estragar a experiência a ninguém. Depois, esta passagem serve perfeitamente para ilustrar uma ideia – Rushdie não escreve só sobre livros, escreve sobre o vida, sobre as pequenas e as grandes vidas, sobre a sua vida e sobre os seus livros, tão cheios de tantas vidas.

E é por isso que não vou largar este livro tão cedo.

Se me permite uma nota pessoal, ontem foi o último dia de trabalho no Expresso da incansável Ana Bela Vieira - há décadas uma peça fundamental para o bom funcionamento do seu jornal. Foi um gosto, Ana Bela.

Amanhã há Expresso nas bancas. E, claro, estamos sempre consigo em expresso.pt

Desejo-lhe uma boa quinta-feira e um excelente fim de semana,

LER O EXPRESSO

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