Artur Queiroz*, Luanda
No dia 23 de Março de 1988, Angola, África e o Mundo triunfaram sobre os racistas de Pretória. O mês começou mal para os invasores. Intensas chuvas com vento “arrasa capim” inundaram as chanas do Cuando Cubango. As tropas do apartheid e seus aliados da UNITA preparam nessa altura e com essas condições atmosféricas o assalto final ao Triângulo do Tumpo. Combates diários duraram meses, desde 1987. Há 36 anos o regime racista de Pretória começou a desmoronar-se. Foi assim o princípio do fim.
Aos primeiros minutos do dia 1 de Março, Mike Muller, comandante do 61º Batalhão Mecanizado sul-africano pediu o adiamento do ataque porque considerou as condições “muito adversas”. O seu superior, coronel McLoughlin, aceitou. Às 7h30 desse primejro dia do mês a artilharia das FAPLA atacou a posição dos tanques sul-africanos. Mike Muller recuou para posições mais seguras. Às oito da manhã, com o céu carregado de nuvens, quatro obuses de “BM21” das FAPLA atingiram um camião de apoio “61 Koppie”. Há desorientação entre o inimigo. Os ajudantes da UNITA fugiram para longe do teatro das operações.
Às 11h25 do dia 1de Março de
1988, os MIG angolanos aproveitaram uma aberta no tecto de nuvens baixas e
atacaram os invasores. Alguns minutos depois, os mísseis “Stinger”, fornecidos
pelos EUA (Presidente Reagan) à UNITA, entraram em acção e Mike Muller avançou
com os tanques em direcção ao Triângulo do Tumpo. Este relato está detalhado no
livro “War in Angola – The Final South Africa Phase” do especialista
sul-africano em assuntos de Defesa, Helmoed Roemer Heitman.
Às 13h55 do primeiro dia de Março
de
Às 14h22 do primeiro de Março um super tanque “Oliphant”, fornecido aos racistas de Pretória pela República Federal da Alemanha, detonou uma armadilha feita com bombas de avião. Ficou destroçado. Sucata. As FAPLA disparavam sem cessar de frente e do flanco esquerdo. Os sul-africanos e as unidades da UNITA estavam num campo de minas não convencionais criado pela engenharia angolana. Mais três tanques “Oliphant” detonaram minas. Um ficou imobilizado porque sofreu danos graves na esteira. Mike Muller entrou em desespero e recuou. Nessa ocasião, a tropa de Jonas Savimbi já tinha desaparecido.
Para “abrir caminho”, a
artilharia dos invasores disparou 500 obuses contra as posições das FAPLA. No
auge da batalha, o próprio tanque “Ratel” do comandante Mike Muller foi
atingido numa roda. Uma antena foi arrancada pelo fogo das FAPLA. O tanque de
outro sul-africano, Tim Rudman, também ficou debaixo de fogo. Um obus de
morteiro de
Helmoed Roemer Heitman escreveu no seu livro: “A situação era muito grave”. Mas ia piorar para o lado dos racistas sul-africanos. Uma equipa de reconhecimento dos invasores informou que os tanques das FAPLA foram abastecidos de combustível e munições na aldeia de Samaria e avançavam para o Triângulo do Tumpo.
A população de Samaria nunca
abandonou a sua terra e teve um papel importante nos combates no Tumpo e na
Batalha do Cuito Cuanavale. As FAPLA tinham naquela comunidade uma trincheira
firme na defesa da Soberania Nacional e a Integridade Territorial.
O coronel McLoughlin ordenou ao
32º Batalhão que retirasse ordenadamente e aguardasse novas ordens. Mike Muller
estava a enfrentar graves problemas mecânicos nos seus tanques e ordenou a
retirada para longe do teatro de operações. Mas um outro “Ratel” foi atingido
por uma salva de
O coronel McLoughlin contactou de imediato os generais Liebenberg e Meyer. Fez o relato do desastre. A tropa da UNITA tinha desaparecido. A artilharia das FAPLA atacava com muita força. O comando ordenou então a retirada de Mike Muller, que comandava a força principal. A derrota era evidente. “Mike Muller resumiu concisamente o resultado: O inimigo é forte e astuto. Apesar de não terem uma força poderosa na cabeça-de-ponte, as FAPLA possuíam um forte dispositivo de artilharia que fez a maior parte da luta. Planearam e executaram a sua defesa, seguramente de forma muito inteligente”, escreve Heitman no seu livro “War in Angola – The Final South Africa Phase”.
Às 17h00 do dia 1 de Março de
1988 o coronel McLoughlin desistiu do ataque ao Triângulo do Tumpo e Mike
Muller regressou ao ponto de partida.
Operação Hooper
No dia 2 de Março os invasores estavam a digerir a derrota. O brigadeiro
Smith, o coronel McLoughlin e outros oficiais sul-africanos estavam no posto de
comando e discutiam as operações para o futuro. O brigadeiro e o coronel
decidiram voar para a base do Rundu, na Namíbia ocupada. Regressaram no dia
seguinte e traziam ordens para retirar a Bateria “Quebeque”. As baterias
“Romeo” e “Sierra” continuavam no teatro de operações, mas só atacavam de
noite. De dia ficavam escondidas junto à nascente do rio Chambinga.
No dia seguinte, 3 de Março, chegou à nascente do Chambinga a 82ª Brigada para render o pessoal. O coronel McLoughlin saiu de cena e entregou o comando táctico ao coronel Fouché. O derrotado passou a pasta a um perdido. Mike Muller teve o mesmo destino: Regressou a casa, derrotado.
No dia 6 de Março de 1988 o 4º
Batalhão de Infantaria da África do Sul retirou. Os invasores foram mais uma
vez escorraçados e terminou a Operação Hooper. O apartheid continuava a
ser enterrado, desta vez nos pantanais do Triângulo do Tumpo.
Nas guerras a natureza é também
adversária ou aliada. “Hooper” é um pássaro dos pântanos. Naquele dia o pássaro
não emprestou as suas asas aos invasores para voarem do Triângulo do Tumpo até
à vila do Cuito Cuanavale. Estava do lado da Humanidade e da Justiça.
Pilotos Ousados
No dia 9 de Março de 1988, ao fim da tarde, um MIG 23 da Força Aérea Popular de
Angola bombardeou uma escolta dos invasores na nascente do rio Lomba. O comando
sul-africano ficou “muito preocupado pelo ataque inesperado”, escreve Heitman,
mas sobretudo “porque foi um ataque muito audacioso”. Os combatentes da
Liberdade são ousados! Estava traçado o início dos graves problemas que os
racistas de Pretória tinham de enfrentar no Triângulo do Tumpo. Já tinham os
pés no lodo, mas haviam de ficar enterrados até ao pescoço.
“O general Meyer começou a ficar impaciente porque o próximo ataque contra o Triângulo do Tumpo podia nem ter lugar. A 9 de Março, manifestou a sua preocupação, ao enviar uma mensagem de desagrado aos homens no terreno, devido às demoras, tendo enfatizado que a situação só beneficiava as FAPLA, que podiam aproveitar o tempo para melhorar a sua defesa. Também estava preocupado com a situação internacional, que podia obrigá-los a retirarem-se do teatro das acções combativas antes que a missão tivesse sido levada a cabo”, escreve o especialista sul-africano Heitman no livro “War in Angola - The Final South Africa Phase”.
Carne para Canhão
O coronel Fouché decidiu fazer um ataque em força entre 20 e 22 de Março. Mas, na sua opinião, os oficiais e soldados “brancos” tinham de ficar de fora. Apenas entravam em combate aqueles que fossem indispensáveis. A lógica do chefe dos invasores era a seguinte: “É preciso evitar ao máximo que jovens boers continuem a morrer por uma causa nebulosa e pouco convincente”, (War in Angola - The Final South Africa Phase).
Fouché apresentou o seu plano aos
oficiais da UNITA que, como sempre, deram o seu acordo. Estava garantida a
carne de cidadãos angolanos para os canhões do regime racista de Pretória.
Assim, inutilmente e sem glória, se perderam muitas vidas humanas, que nunca
seriam choradas na África do Sul do “apartheid”.
No ataque ao Triângulo do Tumpo
também participaram o Batalhão Búfalo, constituído por angolanos, e mais dois
esquadrões de tanques do 61º Batalhão Mecanizado. Fouché e os oficiais da UNITA
fizeram “um plano provisório” que depois entregaram ao brigadeiro Smith, para
aprovação superior. Mas os invasores e a tropa de Savimbi tinham uma surpresa
reservada. As FAPLA começam a pressionar a retaguarda das tropas inimigas,
desferindo golpes mortíferos de aviação. Dois MIG atacaram o Regimento Mooi
Rivier na noite de 10 de Março.
No dia seguinte, 11 de Março de
1988, o posto de comando da 82ª Brigada sul-africana avançou para o Cuito
Cuanavale e o 61º Batalhão Mecanizado foi para a “área de desmobilização”. O
Estado-Maior da 82ª Brigada separou-se do Estado-Maior da 20ª Brigada e no dia
seguinte a 20ª Brigada retirou-se em direcção ao Rundu, no então Sudoeste
Africano, hoje Namíbia
A 13 de Março de 1988 foi
declarado o fim oficial da Operação “Hooper”. Estava na hora de “embalar” tudo
e regressar a casa. O Cuando Cubango já não era um “campo de treinos” para os
cadetes boers das escolas militares.
Operação Packer
O alto comando sul-africano ordenou então o início da “Operação Packer”. Foi o
último folego dos invasores. A 82ª Brigada, cujas tropas fizeram treinos em
Bloemfontein entre 10 e 26 de Fevereiro, recebeu ordens para entrar
O coronel Fouché assumiu
pessoalmente o comando dos ataques ao Triângulo do Tumpo. O derrotado Mike
Muller foi substituído por um tanquista experiente, o comandante Gerhard louw,
e Boet Schoeman foi nomeado comandante adjunto. Mas o Triângulo do Tumpo era
intransponível. Morteiros e canhões antitanque estavam prontos para rechaçar
qualquer força que tentasse penetrar.
Nas posições principais das FAPLA
estavam cinco “GRAD”. Por trás das forças de Infantaria estavam preparados dez
tanques, escondidos nos refúgios. Os engenheiros angolanos fizeram campos de
minas, algumas não convencionais, em todas as entradas possíveis. O rio Tumpo e
os seus afluentes eram obstáculos naturais intransponíveis num mês de Março
particularmente chuvoso. A artilharia e infantaria angolanas tinham muito
poder. As forças defensoras das FAPLA tornaram-se invencíveis.
Dia da Decisão
Os invasores sul-africanos colocaram no campo de batalha os artilheiros do
Regimento da Universidade de Potchefstroom, a elite da sua artilharia. O
derradeiro ataque ao Triângulo do Tumpo recebeu o nome de “Operação Packer”. O
brigadeiro Smith marcou o ataque para 23 de Março. O coronel Fouché pediu que a
data fosse adiada para o dia 25, porque estava a enfrentar “grandes
dificuldades logísticas”. Os MIG não descansavam e atacavam com frequência as colunas
de reabastecimento. O brigadeiro recusou o adiamento da acção.
No dia 18 de Março de 1988 os
sul-africanos perderam duas pontes móveis de engenharia, atingidas por “fogo
amigo” dos canhões “G5”. A desorientação começou a apoderar-se dos sul-africanos.
E foi nesse estado que partiram para a batalha final.
Os invasores atacaram com tudo: A
82ª Brigada, com mais dois esquadrões de tanques do Regimento Presidente Steyn,
um esquadrão de carros blindados do Regimento Mooi Rivier, dois batalhões de
infantaria motorizada do Regimento de
Os “Mirage” da força aérea sul-africana (cortesia do governo francês ao regime de apartheid) começaram a atacar no dia 19 de Março. Durante o ataque um “Mirage”, pilotado pelo major Willie van Coppenhagen, foi atingido e despenhou-se na área do Cavango. A 22 de Março a 82ª Brigada avançou para o Triângulo do Tumpo. A infantaria da UNITA ia atrás.
Às 22h45, desse dia 22 de Março
de 1988 o coronel Fouché moveu o comando para o planalto norte do rio Chambinga
e chegou à uma e meia da manhã de 23 de Março. Estavam à sua espera os generais
Liebenberg e Meyer e os coronéis Deon Ferreira e Neil. Às quatro da manhã do
dia 23 de Março de
Resposta Fulminante
As forças armadas angolanas responderam ao ataque do inimigo às sete da manhã
do dia 23 de Março, faz hoje 36 anos, a norte da nascente do rio Dala. Dez
minutos depois desta acção, entraram em combate os artilheiros do Regimento da
Universidade de Potchefstroom, que bombardearam o Triângulo do Tumpo.
Às oito da manhã desse 23 de
Março, as FAPLA responderam com o flagelamento à força principal de ataque dos
invasores. Às 8h35 um tanque “Oliphant”, no flanco direito da linha de ataque,
accionou uma mina. Ficou fora de combate. Entre as 11h30 e as 11h50 os “G5”
dispararam contra o posto de comando avançado das FAPLA
As FAPLA reagiram em força e às
12h45 Louw retirou. O 5º batalhão regular da UNITA sofreu severas baixas e os
sobreviventes entraram
Contributo dos Engenheiros
O excelente trabalho realizado pelos engenheiros das FAPLA na criação de
obstáculos contra a infantaria mecanizada e a técnica blindada do inimigo
atingiu o seu ponto culminante: Os super tanques “Oliphant” estavam confinados
aos campos de minas, consumindo combustível, enquanto procuravam uma saída, no
labirinto, totalmente à mercê da artilharia e da aviação angolana.
Louw viu vários “Oliphant” atingidos. Deu ordens para que todos fossem retirados. Mas apesar dos esforços, três tanques foram abandonados. As FAPLA tinham ali os seus troféus e a prova de que tinham destroçado o regime de apartheid. O general Meyer enviou um telex ordenando que o Coronel Fouché se assegurasse que os três “Oliphant” abandonados eram destruídos. Mas isto já não era possível. Os invasores, derrotados, retiravam para Mavinga, vergados ao peso da derrota. Até final de Março, todas as unidades invasoras abandonaram Angola.
Paulino Damião “
O regime de apartheid ficou enterrado no Triângulo do Tumpo. A Humanidade deve aos angolanos a libertação de Nelson Mandela, a instauração da democracia na África do Sul e a Independência da Namíbia.
O dia 23 de Março de Março de 1988 foi o culminar do ano que mudou a face do continente africano e limpou a Honra da Humanidade do odioso regime de apartheid na África do Sul. Hoje é o Dia da Libertação da África Austral. O Povo Angolano merece o seu pedaço de pão.
* Jornalista
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