quarta-feira, 12 de junho de 2024

Angola | Camelos Salvam o Turismo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A economia está em alta. As finanças caminham vertiginosamente para o equilíbrio e depois excedentes. Chegaram 101 camelos ao deserto do Namibe e está garantido o “turismo sustentável”. Eu sabia que isto só lá vai com bichos de duas bossas. Os animais foram importados do deserto da Arábia. Mais um negócio só para embolsar as comissões. Temos entre nós camelos suficientes para povoar todos os desertos do mundo. Compre o que é nacional. É nosso e é bom.

A malta da CAOP também tinha muita imaginação. As farras no Sporting, ali no Bairro dos Coqueiros, mandavam fama e proveito. Mas as entradas eram muito controladas, nem patos nem rosqueiros mal vestidos. Decidimos criar um Cavalo de Troia. O Nelinho era branco e vestia bem. Fizemos dele guarda-redes de hóquei. Foi treinar e passou no teste. Ele no desporto fazia tudo, rapaz muito versátil. Assim que tivemos um atleta no clube, começaram a chover convites e borlas para as festas. 

Um fracasso completo. Só passavam músicas do Gianni Morandi e da Françoise Hardy. Não sou digno de ti, lamuriava o italiano. Todos os rapazes e meninas da minha idade de mãos dadas, bichanava a francesa. Tudo muito di lento, muito roçar, muito beijo no pescoço, muito suspiro e sussurros te amo. Mas a malta da CAOP queria chocalhar, meter a perna no meio das pernas, batucar os pés no chão. Deixámos o Nelinho a jogar hóquei e mudámos para o Clube de São Paulo onde o Mais Velho Manuel Vieira Dias impunha respeito à vadiagem. 

Luanda nunca escondeu a sua vaidade de cidade mulata. Concha de Mascarenhas levou ao festival do Adulcino Silva o tema Mulata É a Noite. Como ela. Minha querida Conchinha és a maior! As Manas Mascarenhas são as meninas mais bonitas dos Coqueiros, quer dizer, do mundo. E ali ao lado os pares se arrastando: Não sou digno de ti. Todos os rapazes e meninas da minha idade de mão dada nas ruas. 

O mundo está perdido, dizia o senhor padre Muaka, meu professor de Moral no Colégio das Beiras. Chegou a bispo ou mais. Se mandasse eu, chegava a cardealíssimo. Era um homem bondoso e infinitamente tolerante para comigo, que dava os primeiros passos no anarquismo radical. Françoise Hardy faleceu exactamente com a minha idade. As televisões mostraram a sua imagem de menina cantora. As meninas brancas de Luanda imitavam o penteado dela. Tanta beleza esmagada pela violência inaudita do colonialismo.

Em 1974, criámos condições na cave e no auditório da Emissora Oficial (Rádio Nacional de Angola) para formação dos primeiros realizadores, apresentadoras, apresentadores e jornalistas da Televisão Popular de Angola. Meio século depois ainda conservo amigas e amigos desse tempo. Um deles informou-me que faleceu o Zé Carioca, realizador daTPA. Tristeza não tem fim. É irmão da Marília e cunhado do Cabral Duarte, o cartunista Bambi. 

Em 1975 publicávamos diariamente nas páginas do Diário de Luanda um “boneco” dele com o título genérico O Poder Pipilar, uma crítica a Savimbi e à UNITA, definitivamente entregues aos racistas de Pretória. Eu escrevia o argumento, com a gentileza que os traidores mereciam. O Bambi também já faleceu. Mas os seus “bonecos” no Diário de Luanda vão ficar para as gerações futuras verem como nos batemos pela Independência Nacional, nas trincheiras da comunicação social.

A filha do Manolo e da Anália, uma tal Alexandra, de longe-a-longe escreve umas garatujas no Novo Jornal. A última encheu-me de esperança. A moça ainda regressa às fronteiras da honra, da dignidade e da decência. Disse que a corrupção é um crime contra a Humanidade. Em cheio. Parabéns Alexandra Simeão. Finalmente, percebeste o básico e intuitivo. Viste o que está a um centímetro do nariz. O combustível mais potente que move a maquineta do capitalismo é precisamente a corrupção. Portanto, o sistema capitalista, em todas as suas formas e disfarces, é um horrendo crime contra a Humanidade.

Digo eu que não sou ninguém. Mas o único líder mundial com cabeça a funcionar, tronco e membros, o Papa Francisco, também disse, com aquele ar paternal, que “este capitalismo mata”. Sim, mata crianças aos milhões, com fome e doenças facilmente curáveis. Mata com ignorância e analfabetismo. Mata com trabalho infantil. Mata com a arma do latrocínio. No tempo da conquista de África, com a espada numa mão e a Cruz de Cristo na outra. Depois da Conferência de Berlim, com o trabalho forçado como política de Estado. A corrupção, combustível indispensável à maquineta do capitalismo, é mesmo um crime contra a Humanidade.

O senhor Blinken está no Médio Oriente para garantir apoios à continuação do genocídio na Palestina. Quando as coisas começam a correr mal para os nazis de Telavive Biden, Blinken e Austin entram logo em campo. Sabe-se agora que o resgate de quatro reféns em Gaza teve o dedo dos EUA. Só pode. São especialistas em massacres. Na parte da Síria ocupada, os EUA criaram campos de concentração piores do que os dos nazis de Hitler. Estão lá, condenados à morte lenta, milhares de crianças e mulheres, porque são familiares de “terroristas”.

No Texas, os responsáveis da Universidade onde decorreram manifestações contra o genocídio na Palestina, decidiram castigar os manifestantes, um por um. Anulação ou cancelamento de novas matrículas. Recusa de diplomas aos manifestantes. Expulsão. A democracia é uma criada para todo o serviço. Até enfeita o estado terrorista mais perigoso do mundo.

O ministro da Comunicação Social e outras miudezas teve uma intervenção inteligentíssima a propósito do jogo de futebol entre as selecções nacionais de Angola e Camarões em futebol. No início, parecia um discurso de polícia bêbado. Mas depois percebi que era um discurso de Estado. Estou a ficar burro, já confundo os conteúdos comunicacionais. O melhor é ir sustentar o turismo para o deserto do Namibe, como camelo. Tenho treino de beber mais do que esses simpáticos animais e vou a caminho da segunda bossa. 

Graças à presença do Presidente João Lourenço, Angola empatou com os Camarões. Só para lembrar. O Presidente José Eduardo era um desportista. Craque no futebol. Por isso não perdia um jogo! O Desporto era a sua praia. Não ia para os estádios e pavilhões desportivos fazer fretes ou exibir-se para ficar bem na fotografia.

* Jornalista

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