segunda-feira, 10 de junho de 2024

Angola | Os Mártires dos Abraços -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os mártires dos abraços e perdões puseram a circular um som com declarações de Pedro Fortunato, membro da direcção política e militar do golpe de estado em 27 de Maio de 1977. Nada de novo porque as suas declarações ante o Tribunal Marcial ou Conselho de Guerra, instalado no Ministério da Defesa, foram publicadas na época. No seu depoimento durante o julgamento revelou os nomes de todos os dirigentes golpistas.

O golpe de estado falhou. Se triunfasse provavelmente seriam mortos 80.000 angolanos. Ou muitos mais. Só quem não conhecia os golpistas acredita que uma vez nom poder, poupavam os que odiavam visceralmente por combaterem o racismo, o regionalismo e o tribalismo. E esses eram milhões!

O golpe racista e fraccionista começou logo a seguir à Independência Nacional. No início de 1976, Nito Alves desencadeou a “caça aos esquerdistas”. Desmantelaram todas as estruturas do Poder Popular sem as quais o MPLA nunca teria chegado ao poder. O ministro Nito Alves considerou traidores, todos os membros da direcção do Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro. Saí em defesa desses militantes publicando no jornal “Diário de Luanda” um editorial sob o título “Já Agora à Pedrada”.  

Juca Valentim, membro da direcção política e militar do golpe e meu amigo, ”convidou-me” a sair do jornal. Não aceitei o convite. Continuei a denunciar o movimento racista e fraccionista. Fui demitido sob a acusação de “sabotador do processo produtivo” que na altura dava fuzilamento. Mas não foi por causa dos meus editoriais. A agência soviética NOVOSTI queria publicar uns “lençóis” intragáveis no jornal. Eram textos doutrinários que não faziam sentido num jornal angolano. A direcção opôs-se porque tínhamos acabado com a página de continuados e as peças não podiam exceder meia página, salvo as reportagens das centrais. Essa recusa é que foi considerada “sabotagem dom processo produtivo”. 

O “Diário de Luanda” passou a ser a folha oficial dos golpistas racistas e fraccionistas, a partir de Maio de 1976. A NOVOSTI publicava textos de duas páginas onde se repetia, vezes sem conta, “nós povo soviético”. Os meus amigos Gilberto Saraiva de Carvalho, Paulinho Cadavez e Juca Valentim passaram a chamar-me pequeno burguês de fachada radical. E eu emendava: Sou um grande burguês não praticante por falta de fundos. O Betinho, ministro da Educação se o golpe triunfasse, defendia-me. Porque fui buscá-lo à Comissão Popular do Bairro Sambizanga e lancei-o na rádio. A gratidão é muito bonita.

Outros jovens das Comissões Populares de Bairro que trabalharam comigo na Voz de Angola, na rubrica Kudibanguela, morderam-me os calcanhares barbaramente. Coitados. Mas eu não era anti soviético. Era sim contra os racistas e fraccionistas. Contra a Revolução de Outubro é o sistrema capitalista e até a Nossa Senhora de Fátima. Contra os soviéticos são os nazis com gravata ou feios porcos e maus. Nunca serei contra um povo e um país que sofreu o Holocausto.

A União Soviética perdeu 27 milhões de pessoas na guerra contra os nazis. Só nos territórios ocupados, as hordas de Hitler mataram sete milhões de civis soviéticos. O chamado ocidente alargado chora lágrimas de crocodilo por seis milhões de judeus exterminados. Mas os mortos soviéticos não existem, por culpa da Revolução de Outubro. Desde o seu triunfo que uma parte da Humanidade acredita que os operários e camponeses vão para o poder e a burguesia é lixo infecto. 

Em Portugal a Assembleia da República tem 70 deputados de extrema-direita engravatada mais 50 nazis feios, porcos e maus. Uma maioria avassaladora. Em França a extrema-direita fofinha está no poder. As forças democráticas estão em decomposição. Na Holanda, onde se refugiavam os perseguidos pela Inquisição, governa a extrema-direita. Na Áustria os nazis mandam e comandam. Na Suécia o governo só existe porque tem apoio da extrema-direita. Em Espanha a extrema-direita engravatada e os feios porcos e maus dominam a cena política. Na Ucrânia batalhões nazis faziam uma limpeza étnica entre 2014 e Fevereiro de 2022. O governo é de nazis. Nos EUA dois nazis estrambelhados disputam o poder, Biden e Trump.

Todo o ocidente alargado apoia seguidores de Hitler. Quer o regresso do nazismo. A única força que se opõe ao próximo Holocausto vem da Federação Russa. Hoje começaram as comemorações do desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia. Mas esqueceram os soviéticos que morreram aos milhões enfrentando as hordas nazis. Sou grato ao povo que fez a Revolução de Outubro. Ao país que libertou a Humanidade do nazismo. O Exército Vermelho libertou os prisioneiros dos campos de concentração. Entrou em Berlim. Destroçou o monstro nazi. Não perdoam aos russos a Revolução de Outubro. Uma terra sem amos. Os operários ao poder. Nunca aconteceu. Mas essa possibilidade tira-lhes o sono!

Vamos voltar ao que interessa. A demissão de dois jornalistas de um jornal que Agostinho Neto queria que fosse o rascunho da História, não preocupou a direcção do MPLA. Mas depois vieram as prisões. Começaram as sabotagens. Esconderam bens de primeira necessidade para o povo se revoltar. Mobilizaram tropas clandestinamente. Os racistas e fraccionistas estavam com um pé no poder. Foi então que a direcção do MPLA começou a reagir.

Duas semanas antes do golpe racista, o Jornal de Angola falava assim dos golpistas: “Uma das características evidentes do pequeno grupo de lagartixas que jogam no fraccionismo é o seu inegável racismo. A República Popular de Angola e as autoridades revolucionárias têm sido muito tolerantes com o pequeno grupo que se sente forte por essa tolerância.”

Após a expulsão de Nito Alves e Zé Van-Dúnem do Comité Central, houve um “plenário” na IX Brigada de Infantaria Motorizada. Os militares exigiram reintegração imediata dos chefes golpistas. Dia 26 de Maio de 1977. Lúcio Lara em nome do Comité Central do MPLA fez uma declaração na qual qualificou os racistas e fraccinistas como “grupelhos de ambiciosos e oportunistas, procurando contestar, sob pretextos diversos, a orientação dos organismos dirigentes, falsificar o conteúdo da linha política do MPLA e lutar pela hegemonia e pelo controlo de toda a organização.”

No dia 27 de Maio de 1977, às quatro da manhã, os golpistas atacaram a cadeia de São Paulo. Mataram quem se opôs. Assassinaram Hélder Neto, oficial do Ministério da Defesa e um dos nacionalistas do “Processo dos 50”

Às seis horas da manhã os golpistas tomaram de assalto a Rádio Nacional de Angola. Os meus “miúdos” do Kudibanguela entraram no ar. Começaram por informar a libertação dos fraccionistas presos na cadeia de São Paulo: “Os camaradas revolucionários, injustamente acusados de traição e de fraccionismo, foram libertados pelas FAPLA e pelo povo”. Anunciaram o início de “um novo processo revolucionário marxista-leninista”. Anunciaram a prisão dos “ministros corruptos”. E anunciara, a boa nova: “O conluio dos sociais-democratas e maoístas chegou ao fim”. Estão a ver como foi a “manifestação pacífica das massas” como diz o Michel e outros falsificadores.

Às nove horas e 36 minutos do dia 27 de Maio de 1977 a turma do Kudibanguela anunciou: “Triunfámos! A partir de agora, os pides camuflados e ilegítimos defensores da linha do MPLA já não terão mais voz”.

No dia 19 de junho de 1977, o Jornal de Angola anunciou que foram detidos “os criminosos Zé Van-Dúnem e Sita Vales”. O Ministério da Defesa emitiu um comunicado: “As FAPLA, com a colaboração popular, prenderam José Jacinto da Silva Vieira Dias Van-Dúnem (José Van-Dúnem) e Sita Valles. A população cumprindo as palavras de ordem de vigilância, denunciou o esconderijo dos fraccionistas”. Escondidos que nem ratos. Os grandes heróis afinal eram cobardes, cheios de ar e vento. Picaram o balão e eles ficaram em nada. Neste dia dei por finda a série de reportagens que publiquei no jornal “Página Um”.

Dia 7 de julho de 1977, o Ministério da Defesa comunicou a prisão de Nito Alves, na região dos Dembos (Piri). Quando se apercebeu que as tropas do Comandante Margoso e do oficial Higino Carneiro apertavam o cerco, ele pegou numa muxinga, trepou até ao alto de uma palmeira e ali ficou fingindo ser um trepador. Foi agarrado como um manguço. Puko da palmeira. No Tribunal Marcial fez um depoimento escrito. Mas esqueceu-se de dizer quem mandou matar os Comandantes das FAPLA. Pediu mais uma folha e denunciou Zé Van-Dúnem e Sita Vales. 

As bobines da Rádio Nacional de Angola com a emissão dos fraccionistas existem. Foram gravadas na Regência. Eu ouvi-as todas. Os depoimentos dos membros da direcção política e militar do golpe estão gravados. Ouvi todas as gravações. Li todos os depoimentos escritos. Alguns choravam jurando inocência. O Carlos Pacheco, até me pôs a chorar quando o ouvi. Tanta coragem, tanta garganta, tanta gabarolice e afinal eram uns pobres diabos enlouquecidos na bebedeira do poder.

Imaginem um soldado recruta como o Zé Van-Dúnem investido no cargo do Comandante Gika, comissário político do Estado-Maior Geral das FAPLA. Gika até era estudante universitário quando se juntou à guerrilha do MPLA! Imaginem um professor de posto, como Nito Alves, investido no cargo de ministro e de dirigente do MPLA. Imaginem o meu amigo Minerva, operário gráfico, com as estrelas de ministro! Imaginem um gabarola como o Juca Valentim ao comando de Angola quando nem era capaz de tripular uma bicicleta. Imaginem o Pedro Fortunato a ministro quando não passava de um delinquente. Deixem os racistas e golpistas em paz. Quando mais mexem na porcaria, mais eles ficam sujos.

Fechem a quitanda do 27 de Maio e vão trabalhar. Ganhem o s mundos e fundos com que vos compram, trabalhando honestamente. No dia em que tiverem de trabalhar para comer, acaba a aldrabice do 27 de Maio, o golpe racista que fez tanto mal a Angola como os invasores estrangeiros.

* Jornalista

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