domingo, 20 de outubro de 2024

Laboratório de Quadrados – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os combatentes do MPLA diziam orgulhosos que a II Região Política e Militar (Cabinda) era um laboratório de quadros. E apontavam pelos nomes, quem aderiu à luta armada de libertação nacional como soldado da Liberdade e chegou a General da Revolução. 

Cabinda foi a chave na Guerra da Transição ou II Guerra de Libertação Nacional. Lá estavam, de facto, políticos e militares de nível excepcional. O representante do Bureau Político no então distrito era o Comandante Pedalé, uma figura ímpar da Revolução Angolana. Ele sabia que comecei a minha carreira profissional na Emissora Oficial de Angola (RNA) e pediu-me para dar uma mão no Rádio Clube porque estava silenciado. Fui ver se descobria a “doença”, acompanhado de dois técnicos que nunca abandonaram o barco. 

O emissor era novo, potência de dez “kilos” e podia ser duplicada se lhe abríssemos as goelas. Em três dias pusemos as emissões no ar. Artur Arriscado apanhou um avião e foi ter comigo. Numa noite e madrugada criámos as estruturas sonoras do programa “Noites de Cabinda”, com muita música dos fabulosos Super Coba e pequenos parágrafos apelando à Resistência Popular Generalizada do lado angolano e à revolta contra Mobutu no Zaire. 

O “laboratório de quadros” tinha ao comando Pedalé, Kimba, Bolingô, Eurico, Foguetão, Delfim, Max, Margoso, Tetembwa (comandante do CPPA hoje Polícia Nacional) e outros Heróis Nacionais. Do lado cubano recordo os médicos Puenteferro e Otero. Os jornalistas Eloy, Emílio “El Flaco” e Muñoa. Entre os militares o General Espinosa (Ramón Espinosa Martín), que me convidava para uns tragos de rum “carta blanca” e a petiscar chicharron. Estes que nomeei e mais uns milhares de combatentes derrotaram os invasores estrangeiros na Grande Batalha do Ntó, pouco antes da Independência Nacional. Já todos faleceram. Espinosa acaba de partir.

A notícia do falecimento do General Espinosa, Herói Nacional de Angola, vem na primeira página do jornal cubano “Granma”. Os Media angolanos ignoraram. O Executivo ignorou. O Presidente da República estava entretido a conversar com o assassino Blinken. Sinal dos tempos. Cabinda, o laboratório de quadros do MPLA, também formou uns quantos quadrados. O mais notório é João Manuel Gonçalves Lourenço. Um homem quadrado não consegue ver para lá do nariz. Uma deficiência quase tão grave como a demência senil de Joe Biden.

Os altifalantes de João Lourenço na TPA dizem que o “Corredor do Lobito” foi um acordo. O ministro Abreu diz que é uma concessão. Antes que o projecto se torne num monumental caso de corrupção, o Titular do Poder Executivo tem o dever de prestar imediatamente contas. Explicar aos angolanos todos os pormenores. O dinheiro dos investimentos vem de uma linha de crédito com endividamento público ou é uma concessão? Expliquem tudo. Quanto recebe Angola pela concessão. De quem é a propriedade quando a concessão terminar.

Qual é a grandeza deste projecto? A TPA noticiou que vão ser criados mil postos de trabalho. Tanta conversa para quase nada. Esse número de empregos foi criado pela rede Kandando sem necessidade de ajoelhar ante a Casa dos Brancos. O negócio cheira mal. O director do porto do Lobito fez tantos elogios a João Lourenço que tudo ficou a cheirar mesmo muito mal.

João Armando, director do jornal “Expansão” escreveu em editorial: “Não se faz um País sério e plural sem privados na comunicação social, não há democracia que resista a um Estado que concentra os jornais, televisões e rádios na sua esfera, sem dar espaço ao contraditório, à diferença de opinião”. Em que país é assim? Ele é a prova de que Angola não é. A Rádio Despertar também prova que Angola é mesmo muito plural. A Rádio Eclésia ou Rádio Essencial igualmente. Folhas, sejam sete, oito ou nove, nem se fala.

Angola abriu as comportas ao bombardeamento informativo (censura) e à desinformação. João Armando bem podia fazer um pequeno esforço para sair da matilha que se apoderou impiedosamente da comunicação social angolana. 

O jornal de João Armando fez contas aos custos da comunicação social pública. Conclusão:  “Nos últimos cinco anos custou mais de 386 milhões dólares, o que não deixa de ser muito preocupante”. Porquê? Não explica. Mas dá um exemplo: “A TPA só conseguiu gerar receitas para pagar 1,2 por cento dos seus custos, o que por muitos argumentos que se queira utilizar, reflecte um modelo de negócio completamente desequilibrado e uma gestão, no mínimo, um pouco descuidada”.

João Armando tirou a pele de cordeiro. Modelo de negócio? O problema do Jornalismo em Angola não é a falta de liberdade de imprensa. É a falta gritante de jornalistas. Custa-me compreender que um profissional do Jornalismo vê nos canais públicos de televisão um “modelo de negócio”. A TPA tem de ser um modelo de profissionalismo e competência. Um baluarte de defesa dos critérios que suportam a mensagem informativa.

O senhor director do Jornal “Expansão” fica a saber que os canais públicos de televisão franceses, dos mais avançados no mundo, até aos anos 80 não tinham publicidade comercial, só institucional. Isso de vender espaços comerciais era com os privados. Quem conhece o mercado publicitário angolano sabe que não há capacidade para manter um canal de televisão apenas com receitas da publicidade. E mais não digo. Mas repito: Em Angola não falta liberdade de imprensa. Faltam jornalistas. Onde há jornalistas, há liberdade de imprensa, mesmo que o poder não queira. O velho ABC, em pleno colonialismo e num clima de feroz repressão, tinha uma linha anti-colonialista. Clara!

Carlos São Vicente, economista e empresário, filho de Acácio Barradas, chefe de Redacção do ABC, está preso. Os seus advogados emitiram ontem um comunicado, em Genebra, denunciando que “Angola persiste em recusar a libertação de Carlos Manuel de São Vicente, em mau estado de saúde, após quatro anos de detenção arbitrária”. Leiam o texto: 

“Em 22 de Setembro de 2024, o senhor Carlos de São Vicente iniciou o seu quinto ano de detenção em Angola, em violação do Direito Internacional e do Direito Angolano. Nos últimos quatro anos, foi detido ilegalmente num processo aviltante e ficou cada vez mais doente. 

À luz do Direito Internacional, a detenção do senhor Carlos de São Vicente é arbitrária, conforme avaliado pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária (UNWGAD) num Parecer datado de 14 de Novembro de 2023, que instou Angola a libertá-lo imediatamente. Desde então, não foi tomada qualquer medida pelo Governo para implementar o parecer. 

Em conformidade com a Lei angolana, depois de ter sido condenado, sem provas, a uma pena de 10 anos de prisão por sentença ilegal do Tribunal Distrital de Luanda, datada de 24 de Março de 2022, Carlos de São Vicente deveria ter recebido liberdade condicional em 26 de Junho de 2024. No entanto, três meses depois, o Ministro do Interior angolano, Eugénio Laborinho, continua a recusar-se activamente a deixar avançar o procedimento de libertação, sem apresentar qualquer justificação. 

Para além destas imperiosas considerações jurídicas, o senhor Carlos de São Vicente é um homem de 64 anos que desenvolveu quatro novas doenças na detenção, para além das três de que já estava acometido quando foi levado para o Estabelecimento Prisional de Viana. Apesar do seu mau estado de saúde, os seus repetidos pedidos de tratamento médico foram flagrantemente ignorados ou adiados. A sua detenção prolongada tornou-se profundamente preocupante, expondo-o a graves consequências quanto à sua vida e, em todo o caso, a tratamentos desumanos e degradantes, como a uma violação do seu direito à dignidade e à liberdade. 

Em suma, seja por motivos legais ou humanitários, é mais do que tempo de libertar imediatamente o senhor São Vicente. 

Para além de ser uma violação chocante dos direitos humanos do senhor São Vicente, que não beneficia ninguém, a sua detenção prolongada e injustificada é também um péssimo sinal para quem quer investir em Angola e participar na vida económica do país, como o senhor São Vicente procurou fazer”. 

Na próxima edição do jornal “Expansão” o director João Armando vai tratar deste assunto. Quanto mais não seja porque estamos perante “um modelo de negócio completamente desequilibrado”.

* Jornalista

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