domingo, 20 de outubro de 2024

Luanda Passional e a História -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um político poder ser líder do seu país sem conhecer a capital? Pode, mas não convém nada. Porque depois nomeia para governador da província de Luanda uns acomodados que não conhecem a cidade e fazem tudo para destruir o que ainda resta da velha São Paulo da Assumpção de Loanda. Ao governador Manuel Homem recomendo vivamente o meu livro “Luanda Arquivo Histórico”. Apresenta Luanda desde a fundação até ao final do século XX. 

Um político luandense, Aldemiro Vaz da Conceição, tem há muitos anos entre mãos a missão de escrever sobre a Luanda Passional. Espero que o livro esteja em marcha e um dia partilhe connosco a sua escrita escorreita e limpa. Depois oferece um exemplar ao desgovernador nomeado pelo filho de enfermeiro, que só conhece corredores de hospitais. 

A primeira grande tragédia passional na velha cidade de Luanda foi protagonizada por Maria Teresa Archer, filha do abastado comerciante Archer da Silva que tinha palácio assobradado onde é hoje a União dos Artistas, antigamente afamado de Largo da Portugália, porque ficava lá um restaurante e cervejaria com esse nome.

A menina Maria Teresa foi raptada pelo Dembo Kazuangongo durante o ataque à casa do comerciante Archer da Silva, no porto do Sassa. A guarnição militar tinha canhões de bronze e os guerreiros levaram essas armas para a cidadela real da Pedra Verde. Quando a menina atingiu a idade núbil, o rei guerreiro desposou-a e desse casamento nasceram dois meninos mestiços. As tropas portuguesas só conseguiram entrar nos seus domínios quando fizeram um acordo com o soba do Encoje, que deixou passar as tropas do capitão João de Almeida para atacar o Dembo Kazuangongo pelas costas. Foi uma tragédia. 

Maria Teresa e seus dois filhos foram levados para Luanda e entregues à família. Archer da Silva deu uma grande festa a todos os luandenses porque tinha de volta a sua menina. Ela recusou a festa porque perdeu o seu amado Kazuangongo e considerava-se uma filha dos Dembos. Fez greve da fome até morrer! 

Outro drama passional na cidade de Luanda envolveu os pais de Luís Filipe da Mota Veiga, o poeta David Mestre, tinha ele poucos meses de vida. O pai matou a mãe e depois matou-se num acesso de ciúmes delirantes. O menino foi adoptado pela enfermeira Edviges e seu mardo, também enfermeiro. Este drama atingiu-me fundo. Quando mais tarde conheci Luís Filipe (David Mestre) criei com ele uma relação de pai para filho.

O trabalho que ele meu deu. Levei-o para a Voz de Luanda. Fugiu. Depois pedi ao Mais Velho Bobela Mota que o admitisse no ABC. Ele aceitou mas antes pôs o aspirante a jornalista trabalhando com ele no boletim da Associação Comercial de Luanda. Eu também fui ao castigo. David Mestre mostrou qualidades e triunfou. Mas ele não queria triunfar. Fez tudo para não triunfar. O seu primeiro livro de poemas (Kir Nan) foi impresso graças a fundos recolhidos entre amigos por Carlos Simeão (Manolo). O poeta queimou a obra durante uma noitada na praia da Chicala. Uma figura! 

A atmosfera der Luanda é propícia a dramas passionais. Já eu andava de repórter (antes era repórter informador hoje estagiário) e a minha fonte na morgue de Luanda avisou que tinha chegado um morto vítima de homicídio. Fui escavar a notícia. Era um jovem que se apaixonou por Rosemary, uma senhora da alta sociedade luandense. Ela fez um ninho de amor nos Apartamentos Flórida e lá se amavam. Ele era solteiro e mau rapaz. Ela casada, mãe de duas meninas. O moço arranjou uma namorada fogosa e deixou de cumprir os seus deveres de amante. Nem com um suplemento de alma lá ia. A dama matou-o. Luanda Passional.

Hoje mandaram-me restos de uma entrevista que Jonas Savimbi concedeu, durante a campanha eleitoral de 1992. O entrevistador perguntou-lhe: “Em tempos disse que precisava conhecer melhor Luanda. Já conseguiu atingir esse objectivo?” Resposta do criminoso de guerra: “Já conheci um bocado. Estive cá em 1975, frequentava muito a casa de Agostinho Neto. Já estou a situar-me outra vez no meio”.

Angola, 25 de Abril de 1974. Jonas Savimbi estava nas matas do Leste. Para o venderem como “muata da paz”, os portugueses levaram, em Maio, um a equipa de jornalistas ao seu acampamento. A operação de propaganda foi montada pelo Coronel Passos Ramos, chefe da inteligência militar. Francisco Simons entrevistou o chefe da UNITA para a Emissora Oficial de Angola (hoje RNA). E disse que em brave se ia instalar em Luanda. Nunca apareceu.

Luena, dia 19 de Dezembro de 1974. Parti de Luanda com o Chico Simons com destino desconhecido num avião da Força Aérea Portuguesa. Uma hora depois aterrámos na então cidade do Luso. Connosco viajou também Roberto de Almeida que estava ao serviço do boletim da Liga Nacional Africana. Numa vivenda da cidade, uma delegação do MPLA, chefiada por Agostinho Neto e outra da UNITA, chefiada por Jonas Savimbi discutiram os termos de um acordo de cooperação entre os dois movimentos.

No final da cerimónia um jornalista perguntou a Jonas Savimbi quando ia instalar-se em Luanda. E ele, eufórico, respondeu: “Em breve estou em Luanda. Falta pouco”. Norberto de Castro, meu companheiro da Emissora Oficial de Angola (RNA) mas que tinha saído para se dedicar à informação da UNITA, acrescentou com o seu vozeirão: “O doutor Savimbi daqui vai para Luanda, estão criadas todas as condições para recebe-lo”. Não apareceu. Mas o Norberto publicou uma reportagem fabulosa sobre o acontecimento. Ele era o maior! Mando-vos um recorte dessa reportagem. O barbudo por trás de Jonas Savimbi sou eu.

Depois do Acordo de Alvor, Jonas Savimbi passou a correr por Luanda, poucos dias após a tomada de posse do Governo de Transição. Nem deu entrevistas. Nem sequer para explicar por que razão não esteve na cerimónia da tomada de posse do Colégio Presidencial e do Governo. Na passada foi visitar Agostinho Neto na sua casa do Bairro de Saneamento. Só regressou após o Acordo de Bicesse. Para pôr Luanda a ferro e fogo. 

Cuidado com as falsificações da História Contemporânea de Angola. Porque nas Redacções pululam os acomodados e falsários, da estirpe do Pereira Santana. Ou farrapos da marca do André dos Anjos. Ou mesmo polícias de giro que confundem notícias com talões de multas, como o Nhuca Júnior. Sem História os povos ficam desarmados. À mercê de qualquer dono. Como Joe Biden que vai visitar Angola quando estiver eleito outro presidente dos EUA e ele nem serve para papel de embrulho. O filho de enfermeiro dá muitos tiros nos pés.

* Jornalista

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