sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Angola | Açúcar e Veneno Fora do Governo -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O meu sonho dourado é um dia acordar e em Angola só existirem ricas e ricos. Todos! Aí eu fico a viver à custa deles porque passo a ser o único mendigo, do Maiombe a Namacunde e da Kanata ao Luau. Em vez de ir comer restos ao contentor atiro com a porcaria do computador ao lixo e nunca mais escrevo um monossílabo. Isso fica para os discursos do multimilionário João Lourenço e outros de igual casta. Nunca tive inveja dos ricos.

Um dia fui ao Longonjo fazer a cobertura das sessões de exorcismo realizadas pelo padre e sua médium. Parámos na Caála e enquanto trincávamos carne seca de impala, o dono da espelunca disse-nos que reportagem a sério era ali mesmo, com o senhor Caruso, o homem mais rico do mundo. Fui logo entrevistá-lo. Tinha mais dinheiro do que lixo. A filha era um tanto feiosa e fez-me olhinhos mas eu fingi que era virgem. Querem saber a melhor? O senhor Caruso casou a menina. E ficou tão aliviado por vê -la pelas costas que ofereceu um carro a cada empregado no dia da grande boda. Felizes os ricos.

O Negage era uma fábrica de ricos matarruanos. Chegavam do Puto com a roupa coçada, tristes, desconfiados, muito branquinhos. Como um dia apareceu na missão um padre polaco com olhos esverdeados e pele alva, passámos a chamar polacos a todos os que se apresentavam assim na nossa aldeia pobretanas, que nem tinha direito a chefe de posto. O Asdrúbal era mesmo polaco branquinho e matarruano que chega. Chegou ao Negage sem cheta. Pobre mesmo muito pobre. Era de Bragança, puro bragansuíno.

Um ano depois já tinha criados e loja aberta. Vendia chuingas que traziam fotografias de artistas do cinema. Eu era muito curioso e perguntei-lhe como ficou rico. Ele olhou-me com pose de sábio e respondeu: Não faço despesas super fulas! Fiz logo banga com a minha categoria de aluno da quarta classe: Supérfluas! Ele olhou para mim com desprezo e rosnou: Poer estas e por outras, teu pai é pobretanas!

Adoro os ricos e sobretudo os mais ricos do mundo. Isaac dos Anjos estudou Agronomia no Huambo. E fazia banga com uma motorizada reluzente, coisa rara entre os estudantes, quase todos deslocados e de bolsos vazios. Uns anos depois, o Isaac já estava abancado no governo. Uma colega dos tempos do Instituto de Agronomia encontrou fotos antigas. Numa delas lá estava o Isaac dos Anjos na sua reluzente motorizada. Teve um pensamento instantâneo: Vou oferecer esta fotografia ao Isaac! E assim fez. O nosso governante, enfadado, disse à colega: Por favor não me faças lembrar o tempo em que era pobre!

O homem não brinca em serviço. Está de novo no governo e não pensem que deixa os seus créditos por mãos alheias. Vai ficar mais rico e ainda bem. Adoro ricos. Que todos sejam ricos. Não chateiem mais Álvaro Sobrinho. Pensam que é fácil esvaziar cofres, seus sacanas invejosos? 

O engenheiro agrónomo António Francisco de Assis era ministro da Agricultura e seus derivados. De diamantes sabe tudo. Tanto que chamou a João Lourenço “Diamante Raro”. Foi demitido porque quem sabe tanto de pedras preciosas tem de ir para uma mina nas Lundas, multiplicar a riqueza nacional. Onde nós vemos calhaus, ele vê diamantes raros.

O senhor ex-ministro tem uma carreira ímpar como homem errado no lugar incerto. É perito em açúcar. Trabalhou na Companhia de Açúcar de Angola (CAA) na Catumbela, rebaptizada “Primeiro de Maio”. No antigamente a empesa do senhor Lara vendia o produto em sacos de pano branco, fininho. Minha Mamã fazia as nossas cuecas com esse tecido, depois de bem lavado. O filho de enfermeiro deu uma queda monumental a António Francisco de Assis. Chupa que é cana doce! O Diamante Raro derrubou o raríssimo conhecedor de pedras preciosas. Mas não faz mal. Já está rico. Entrou para o meu clube, com todo o mérito.

Paula Regina Simões de Oliveira foi exonerada do cargo de ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação. Esteve três meses como auxiliar do Titular do Poder Executivo. Esta não presta, se tivermos em conta os parâmetros de João Lourenço. O mais grave defeito da ex-ministra é ser do MPLA. Pior ainda. Foi eleita deputada do MPLA. Antes de ir ao castigo pertenceu à Sexta Comissão: Saúde, Educação, Ensino Superior, Ciências e Tecnologia. Isto é inadmissível. A senhora não tem perfil para rica. Mais um defeito mortal: É Doutorada! Médica! Faz Investigação Científica! Cientista! Maldita mulher. 

Esta surukuku foi corrida do Executivo porque publicou dezenas de trabalhos científicos. Em 2019 fui condecorada pelo Presidente da República de Angola (o filho de enfermeiro) com a medalha de Ouro da Ordem de Mérito Civil, Primeiro Grau. Em 2021 recebeu um prémio pelo seu trabalho científico “Serpentes em Angola: Uma Visão Toxicológica e Clínica dos Envenenamentos”. Desenvolveu esta área de trabalho quando foi trabalhar na Faculdade de Medicina em Malanje. Deu um contributo importante à Humanidade. Antes de estudar o veneno de João Lourenço foi escorraçada. Abaixo a Ciência. Abaixo a Investigação Científica!

O Presidente João Lourenço já se libertou do veneno e do açúcar. Apostou no ricaço Isaac dos Anjos, o tal que quer esquecer os tempos em que era pobre e ia de motorizada para o Instituto Superior de Agronomia, no Huambo, quando os colegas iam a butes. Estamos no bom caminho e o meu sonho dourado vai realizar-se não tarda nada.

Enquanto o lobo não vem, a frente podre unida (UNITA, Bloco Democrático e Chivukuvuku Para Já Servir a Minha Conta Bancária) realiza no sábado uma manifestação contra a fome e a pobreza. É assim mesmo. Umas quantas manifestações e ficamos todos com os bolsos cheios. Ricos! Mas aqui tem maka. Mais de 90 por cento dos mutilados em Angola foram provocados pela UNITA quando serviu os racistas de Pretória nas suas agressões ao Povo Angolano. De 1992 a 2002 a UNITA destruiu a Autoridade do Estado em mais de 70 por cento do território nacional. 

Os sicários da UNITA causaram milhões de refugiados e deslocados, desertificando as províncias do interior do país. Semearam minas antipessoal nas lavras e nos caminhos rurais. Onde saía milho os camponeses colheram explosões. Onde gado pastava cresceu a morte. Tudo partido, tudo destruído, desde as unidades de produção aos circuitos de distribuição. Os causadores da fome e da pobreza em Angola, no sábado manifestam-se contra a sua obra. Estes senhores estão a abusar muito mais do que aquilo que a lei permite. O filho de enfermeiro tem de pôr a sua gente na ordem.

* Jornalista

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