domingo, 17 de novembro de 2024

Malfeitores da Notícia -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Karl Kraus era um jornalista maldito, poeta bendito e um pensador erudito. Durante 40 anos foi o único redactor, editor, revisor, impressor, ardina, financiador e administrador da revista Die Fackel, uma preciosidade que honra o génio humano. Quem me dera! Esse é o meu sonho dourado. Mas o que tem isso a ver com o empresário Carlos São Vicente? Já lá vamos.

Errico Malatesta foi-me apresentado, quando tinha 14 anos, pelo meu saudoso Pai, que me ensinou a combater o fascismo e particularmente o colonialismo. Um dia perguntei-lhe, um tanto agastado, se ele era mais burro do que os grandes senhores do café no Congo Português. Eles tinham carrões da Casa Americana ou da Robert Hudson, passavam a vida bebendo uísque e charlando nos alpendres de zinco dos bares, exibiam grande anéis de ouro e diamantes. Viajavam para o Puto (Portugal) todos os anos, em primeira classe, nos paquetes das companhias Colonial e Nacional de Navegação.

Meu pai tinha uma camioneta Morris, vivíamos numa casa de pau a pique na Kapopa do Negage, passava a vida na candonga do peixe seco e no Cacimbo percorria todas as picadas do nosso mundo, trocando panos, lenços, malas de peixe seco, fuba do Kimbele e Kalandula por mabuba. Nas férias íamos para a fazenda do Bindo e ainda por cima eu tinha de capinar os pés de café, entre as cinco da manhã e o meio-dia.

Meu pai foi à prateleira e tirou de lá um livro de Malatesta. E com desprezo vociferou: - Lê! 

E eu li. Vou resumir o que aprendi. Só existem grandes fortunas porque os milionários têm um conluio qualquer com o Estado. Por isso, nem Deus, nem Autoridade, nem Estado. O que tem isto a ver com o empresário Carlos São Vicente? Lá iremos.

Karl Kraus tinha uma ironia cáustica, tipo ácido sulfúrico elevado à potência máxima. Na sua revista um dia escreveu que o Jornalismo é o serviço militar dos poetas. Não gostei. Tinha acabado de entrar na profissão e passava horrores para redigir uma notícia exactamente como o mestre Acácio Barradas queria. Com as reportagens era bem pior. Ele atirava quase todas para o lixo, sem qualquer contemplação. Uma coisa de poetas? Que piada de mau gosto! O que tem isto a ver com o empresário Carlos São Vicente, filho do jornalista Acácio Barradas? Calma e pontaria baixa.

O jornalista maldito de Viena insistiu na tecla, mas foi um tanto mais duro. Escreveu na Die Fackel que os jornalistas tinham desaparecido das redacções, porque foram todos para amanuenses. Desgostei da opinião do meu ídolo. Ainda ando no Jornaliamo, há 60 anos, e juro por Santa Ifigénia que assim será até ficar com os dedos engaranhados, a cabeça embotada pelos excessos passados de maruvo, kaparroto e outras preciosidades nacionais, os olhinhos incapacitados de olhar para os acontecimentos, ainda que jamais deixarão de olhar para Weza, rainha de Benguela Velha e do infinito. Mas o que tem isto a ver com o empresário Carlos São Vicente?

Sim, o Jornalismo foi, durante muitos anos, serviço militar dos poetas. Começou com Antero de Quental no Revolução de Setembro e acabou com Ernesto Lara Filho e Eduardo Guerra Carneiro, os meus cronistas favoritos. Manuel António Pina ainda resistiu mais algum tempo, mas desistiu de fumar cigarrilhas e de nos aturar. 

Sim, os jornalistas foram para amanuenses. Só ficaram uns quantos resistentes que recebem o salário por pena dos patrões. Uma esmolinha. Nada contam para o negócio da notícia. Agora só há consórcios internacionais de jornalistas que são associações de malfeitores, zelosamente ao serviço das polícias, do Ministério Público, dos juízes e fazem da extorsão o ponto único do seu código ético-deontológico. 

Malatesta prova com argumentos imbatíveis que todas as grandes fortunas resultam de um qualquer conluio com o Estado. A fortuna de Carlos São Vicente não foi, seguramente, uma excepção. Mas deu-lhe imenso trabalho. Até conseguir desvendar todos os truques do mundo financeiro para “fabricar” fortunas. Foi adaptando os seus negócios à realidade e por fim, quando invejaram o seu sucesso no mundo financeiro, mudou-se para a hotelaria. Investiu biliões na construção de grandes hotéis onde faziam falta, particularmente nas províncias do interior.

Um jornalista honrado pode violar muitas regras, mas nunca roubar a honra de alguém. Porque isso é condenar o roubado à morte perpétua, ainda que vivendo. Mas como já não existem jornalistas, Carlos São Vicente ficou nas mãos do banditismo mediático. TPA e outros instrumentos de tortura venderam à opinião pública mentiras sobre o empresário. Dois destacaram-se: Ernesto Bartolomeu e Rosado de Carvalho. Mas outros mabecos também ladraram a raiva encomendada por quem queria roubar os bens de Carlos São Vicente. 

A notícia foi substituída pela extorsão, a calúnia, o assalto ao bom nome, a desonra aviltante. Jornais e televisões ficaram com material do melhor para abertura dos telejornais e manchetes dos moribundos jornais em papel. Carlos São Vicente é uma espécie de “dano colateral”. Porque o Destruidor Implacável, na verdade, quer atingir o Fundador da Nação.

Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos estão na vanguarda da libertação dos angolanos, de África e da Humanidade daqueles que foram os mais hediondos crimes contra os direitos humanos. Por isso é que, numa ingerência abusiva e eivada do espírito da supremacia branca, a TPA vendeu um “banquete” que na verdade apenas serviu para roubar bens alheios em nome do “combate â corrupção”. A festa continua mas agora já têm pouco para roubar. E perderam o ímpeto porque alguém lhes explicou que um dia vão ter de devolver tudo e pagar chorudas indemnizações.   

Quanto ao empresário Carlos São Vicente, hoje já toda a gente percebeu que é dos poucos angolanos que foi capaz de investir em projectos lucrativos, que tiveram imenso sucesso, criaram riqueza e numerosos postos de trabalho. Está a pagar por isso. Na cadeia. Mesmo depois da ONU ter declarado a sua prisão arbitrária e o julgamento ilegal. Mesmo tendo cumprido metade da pena e adquirido o direito à liberdade condicional. 

O Exterminador Implacável pensa que Carrinho, Omatapalo e outras miudezas às suas ordens chegam para construir Angola. Engano de alma que vai sair caríssimo a todos os angolanos mesmo que não estejam enclausurados na cadeia de Viana.

* Jornalista

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