Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião
O presidente da República (PR) terminou a sua mensagem de Ano Novo 2025, afirmando “eu acredito na vontade experiente e determinada do povo português”. Fez esta afirmação porque “perceciona” (ou pensa que outros percecionam) alguma vulnerabilidade de caráter nos portugueses? Ou, consciente de não ter dado grandes contributos para a resolução dos problemas que acabava de enunciar, resolveu refugiar-se na fezada de que os portugueses se desenrascarão?
O primeiro-ministro (PM), no texto que publicou no JN no passado dia 1, assume a sua governação como um “movimento de viragem e transformação do país, com reflexo direto nas condições de vida dos portugueses”. Algumas das medidas que identifica para confirmar a sua tese tiveram impacto positivo em franjas da sociedade. Mas, no que é estruturante atrofia a democracia e cava desigualdades. É assim na imigração e na (in)segurança, na gestão da saúde onde executa a agenda do setor privado, nas áreas fiscal e da habitação.
O PR e o PM manifestaram preocupações com a execução do PRR. É bom que o tenham feito, mas não bastam constatações. Os entraves que se colocam na sua execução estão muito para além da falta de mão de obra de que se fala. Enuncio cinco: i) o deficiente perfil de especialização da economia; ii) a fraca capacidade instalada em setores chave; iii) a má qualidade de gestão em muitas empresas, não apenas pequenas; iv) o frágil planeamento e capacidade estratégica do Estado; v) o recurso sistemático a baixos salários como fundamento da competitividade. Para o investimento ser fértil é necessário cuidar do lastro que o acolhe.
O PR disse na sua mensagem, “Precisamos de menos pobreza”, partindo da ideia de que a erradicação da pobreza é um desígnio do 25 de Abril por cumprir. De facto, temos pobreza em dimensão que nos envergonha e pratica-se mais a esmola que a cidadania social - inclusive o PR. Porém, sejamos verdadeiros: uma das grandes conquistas alcançadas foi ter-se acabado com a miséria e a desproteção social em que vivia a maioria da população portuguesa, foi dar aos portugueses cidadania. Há pobreza porque não se cumprem compromissos constitucionais fundamentais.
Há estudos sólidos - acrescento um publicado pelo CoLABOR em dezembro, titulado, Trabalho, Emprego e Proteção Social 2024, coordenado por Frederico Cantante - que nos mostram o que é preciso fazer. Primeiro, valorizar o trabalho, o emprego e a proteção social e as suas interdependências, dar combate à precariedade laboral e acesso à habitação. Segundo, reforçar apoios aos mais frágeis - a Comissão Europeia considerou, em meados de dezembro, que as transferências sociais se têm degradado e que teremos hoje “uma situação crítica”. Terceiro, distribuir melhor a riqueza existente e a que resultar do crescimento económico.
O contexto internacional e europeu e os obstáculos a vencer no plano nacional exigem muita objetividade e análise crítica sobre toda a ação política.
* Investigador e professor universitário
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