segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

TRÊS ESCONJUROS NA VIRAGEM DO ANO – João Oliveira

João Oliveira | Diário de Notícias | opinião

Com os primeiros dias do novo ano entrou-nos a realidade pelos olhos dentro a mostrar como 2025 pode ser o que 2024 não foi. Para o melhor e para o pior.

Entre uma e outra coisa, há de ser a ação humana a decidir para que veio, afinal, o Ano Novo.

Comecemos então por esconjurar o que do velho ficou sem merecer continuação.

Indiferença

Nos primeiros dois dias do ano os bombardeamentos de Israel na Faixa da Gaza terão ceifado a vida a cerca de 100 pessoas, algumas delas crianças. Chegaram-nos relatos de crianças palestinianas a morrer de fome e frio, e de falta de assistência hospitalar, depois de uma operação militar israelita que desativou o Hospital Kamal Adwan, no norte da Faixa de Gaza.

A cruel indiferença pelo sofrimento humano é o correspondente moral das atrocidades que, no plano material, o governo israelita pratica com a sua política genocida. O genocídio do povo palestino será o peso que as atuais gerações carregarão na consciência se as futuras olharem para trás e apenas encontrarem a indiferença perante a barbárie.

Esconjurar a indiferença em 2025 é um imperativo de consciência e um apelo à ação. Que os povos esconjurem a indiferença e imponham o fim da barbárie e da criminosa cumplicidade por inação dos seus governos e poderes políticos em geral.

Falsificação

A Síria foi, durante anos, um obstáculo à estratégia de domínio dos EUA no Médio Oriente e um importante suporte de solidariedade com a causa do povo palestiniano. Hoje há o risco real da sua desagregação enquanto Estado soberano e secular e da repartição do seu território em zonas sob controlo de potências estrangeiras. Os meios utilizados para chegar a estes fins são de uma tal lisura e honradez que nos são apresentados com doses massivas de falsificação.

Começámos o ano com o “líder de facto” da Síria, Al-Julani, a ser apresentado como um “terrorista reformado”. As operações militares controladas (mais ou menos) à distância por EUA, Turquia e Israel para repartirem entre si o território sírio são apresentadas como uma guerra fratricida.

É preciso, em 2025, esconjurar as falsificações que escondem a forma cada vez mais agressiva e violenta com que agem os “senhores do mundo” para manter a sua hegemonia.

Desistência

Com a presidencial mensagem de Ano Novo ficámos a saber que, em Belém, se considera que na passagem dos 50 anos do 25 de Abril um ciclo se fechou. Percorrido o caminho que até aqui foi feito, martirizados o povo e o país com os problemas que lhes atormentam o quotidiano, esfumados os sonhos de ver a democracia completar-se no projeto de futuro que a Constituição da República continua a consagrar, fechar-se-ia o ciclo e outro diferente (sabe-se lá de que natureza) se haveria de abrir.

Por desistência presidencial, ficaria Abril por cumprir e os seus sabotadores certamente absolvidos de responsabilidades.

Esconjurar, em 2025, a desistência de Abril. Talvez esse seja o mais candente e decisivo esconjuro a fazer pela construção do tempo novo.

Sem comentários:

Mais lidas da semana