terça-feira, 26 de abril de 2011

O planeta devolve o golpe: Por que subestimamos a Terra e nos superestimamos




Rebelión - [Michael T. Klare, Tom Dispatch, Tradução de Diário Liberdade] 18 de Abril 2011. Introdução do editor Tom Dispatch
Na segunda-feira passada, Yukio Edano, secretário chefe do gabinete, defendeu a medida do governo japonês em relação ao desastre nuclear em Fukushima, e insistiu que a usina nuclear está em “uma situação estável, falando de forma relativa”. Essa é a descrição oficial referentes a 11.500 toneladas de água que vertem para o oceano que se encontra perto de Fukushima. Essas águas são “de baixo nível de radioatividade” ou “ligeiramente radioativa”. Nesse caso, o “ligeiramente” está em comparação com água ainda mais radioativa, essa que está acumulada no terreno perto da usina. Mas assim são as coisas quando se descreve: tudo depende da cor do cristal com que se olha, e o governo japonês não se mostrou muito mais favorável que a Tokyo Electric Power Company (Tepco), que dirige o complexo, de ver um grande problema quando se trata de Fukushima.
Na terça-feira (12), o governo aumentou o nível do alerta de Fukushima na escala de Eventos Nucleares Internacionais de 5 para 7 – um evento maior – a categoria mais elevada e somente utilizada previamente para o desastre nuclear de Chernobyl em 1986 (que causou uma “zona morta” de 39 mil km² na Ucrânia). Um responsável da Tepco fez um comentário em que ele, de forma sinistra, abre o leque de possibilidades sobre Fukushima: “Nossa preocupação é que a quantidade de filtração poderia ser como a de Chernobyl, ou pior”.
De fato, em nosso aturdido planeta, nunca tínhamos visto nada parecido com o que está acontecendo em Fukushima, já que não um, mas quatro reatores nucleares adjacentes, três dos quais parecem ter sofrido fusões nucleares parciais, e várias piscinas de contenção para combustível “gasto” (que, em termos de radioatividade, é qualquer coisa, menos gasto) em diversos estados de grande urgência. Enquanto isso, as semanas necessárias para chegar a controlar a situação passaram a perigosos meses, anos, décadas e, inclusive, um século de limpeza e recuperação. Especula-se que parte do núcleo de ao menos um reator já “filtrou até o fundo da estrutura de contenção”, e cada ação para colocar o complexo sob algum tipo de controle parecer criar, ou ameaça criar, outros problemas inesperados (como essa água “ligeiramente radioativa”).
Enquanto isso, em meio a outras gigantescas réplicas do terremoto de 9 graus do dia 11 de março (com outras que possivelmente acontecerão no futuro), o governo japonês ampliou lentamente a “zona de evacuação” (recentemente descrita por um visitante como uma assustadora zona da morte, como um episódio de Twiligh Zone de Rod Serling combinado com The Day After, uma visão apocalíptica da vida na era nuclear) perto do complexo. Somente nessa semana começaram a avisar mulheres grávidas e crianças que permaneçam longe da usina pelo menos 30 km. Isso não é surpresa, já que numa pequena quantidade de amostras do solo fora da zona de 30 km – em um caso especial a 40 km de Fukushima – encontrou-se césio-137 (com média de vida em 30 anos) a níveis que excedem os que, em Chernobyl, obrigaram aos residentes a deixarem suas casas. É possível que muitas das centenas de milhares de japoneses que viviam nessas áreas (e se as coisas pioraram, ainda mais longe que isso) nunca poderão voltar para suas residências.
Diante do que se passa em Fukushima, poderia existir uma advertência mais impactante do que nós, seres humanos, nos termos extrapolarmos e que nosso planeta tem uma maneira de impor castigos para semelhante arrogância? E temos que lembrar que não se pode dizer que os japoneses estão sozinhos. Nos EUA, ao menos cinco reatores nucleares estão situados nas “zonas sísmicas propensas a terremotos”, segundo um informe recente, que nem sequer incluiu o reator de Indian Point, construído sobre uma falha sísmica a somente 50 km do centro da cidade de Nova Iorque, onde moro.
Talvez, como sugere o colaborar regular de Tom Dispatch, Micharl Klare, autor de Rising Powers, Shrinking Planet, é hora de revisar a forma que tratamos o planeta Terra, antes que seja muito tarde. - Tom
O planeta devolve o golpe
Por que subestimamos a Terra e nos superestimamos
Michael T. Klare
Em seu livro lançado em 2010: Eaarth: Making a life on a tough new planet [Teerra, vivendo num resistente novo planeta – Tradução Livre], o erudito e ativista ecológico Bill McKibben escreveu sobre um planeta tão devastado pelo aquecimento global que já era irreconhecível como a Terra que estamos acostumados a viver. É um planeta, diz, de “polos que derretem, de bosques que morrem e de um mar que cresce corrosivo, varrido por ventos, com tormentas e abafado.” Diferente do mundo em que nasceu e prosperou a civilização humana, necessita de um novo nome, de modo que foi adicionado um “a” em “Eaarth” [“e” em “Teerra”, Nota da tradutora].
A Teerra descrita por McKibben é uma vítima do consumo irrestrito de recursos da humanidade e suas irresponsáveis emissões de gases envenenados que modificam o clima. É verdade, essa Teerra causará dor e sofrimento aos seres humanos na medida em que os mares comecem a subir e que as terras de cultivo diminuam, mas como a retrata, é essencialmente uma vítima da capacidade humana.
Com todo meu respeito à visão de McKibben, queria oferecer outra perspectiva sobre sua (e nossa) Teerra: como uma poderosa protagonista de pleno direito e como uma vingadora, no lugar de ser simplesmente uma vítima.
Não basta pensar na Teerra como uma vítima impotente das depredações da humanidade. Ela também tem um complexo sistema orgânico com muitas e potentes defesas contra a intervenção externa. Defesas essas que já se demonstram com um efeito devastador no que diz respeito às sociedades humanas. E temos que lembrar que os processos apenas começaram.
Para compreender nossa situação atual, entretanto, temos que diferenciar entre as perturbações que reaparecem naturalmente e as reações do planeta diante a intervenção humana. Ambas necessitam uma nova abordagem. Comecemos pela Terra, aquela que sempre teve capacidade, e após nos voltaremos para a Teerra, a Vingadora.
Nos super valorizando
Nosso planeta é um complexo sistema natural, e como todos os sistemas semelhantes, se desenvolve continuamente. Ao mesmo tempo em que isso ocorre – continentes que se afastam, cordilheiras que sobem e abaixam, modelos climáticos que mudam – os terremotos, erupções, maremotos, tufões, secas prolongadas e outras perturbações naturais voltam a aparecer, ainda mesmo que seja sobre uma base irregular e imprevisível.
Quem viveu antes de nós no planeta Terra tinha consciência dessa realidade. Depois de tudo, as antigas civilizações foram repetidamente abaladas e, em alguns casos prejudicadas por tais perturbações. Por exemplo, muita gente acredita que a antiga civilização minoica do Mediterrâneo oriental caiu depois de uma poderosa erupção vulcânica na ilha Thera (também chamada Santorini), por volta do segundo milênio a.C. A evidência arqueológica sugere que muitas outras antigas civilizações foram enfraquecidas ou destruídas pela intensa atividade sísmica. Em Apocalypse: Earthquakes, Archaeology, and the Wrath of God [Apocalipse: terremotos, arqueologia e a ira de deus – Tradução Livre], o geofísico de Stanford, Amos Nur, e sua coautora, Dawn Burgess, argumentam que Troia, Micenas, a antiga Jericó, Tenochtitlán e o império hitita poderiam ter terminado da mesma maneira.
Diante das recorrentes ameaças de terremotos e erupções vulcânicas, muitas antigas religiões personificaram as forças da natureza como deuses e deusas, e realizavam complicados rituais humanos e sacrifícios para apaziguar essas poderosas deidades. Pensava-se que o antigo deus do mar – Poseidon (Netuno para os romanos), também chamado “Agitador da Terra”, causava terremotos quando era provocado ou quando se irritava.
Em tempos mais recentes, existem pensadores que tendem a demonstrar noções tão primitivas, sugerindo que em lugar da ciência e tecnologia – frutos da civilização – oferecem mais do que ajuda suficiente para permitir que ganhemos a luta contra as forças destrutivas da Terra. Essa mudança na consciência foi documentada de modo impressionante no livro de Clive Ponting de 2007, A New Green History of the World, [Uma nova história verde do mundo – Tradução Livre]. Citando influentes pensadores do mundo pós-medieval, mostra como os europeus adquiriram uma poderosa convicção de que a humanidade deveria controlar a natureza e conseguiria isso, não ao contrário. O matemático francês do século XVII, René Descartes, por exemplo, escreveu sobre o emprego da ciência e do conhecimento humano para que possamos “nos fazer senhores e donos da natureza”.
É possível que esse sentido do controle humano sobre a natureza tenha sido realçado por um período de algumas centenas de anos em que pode ter existido menos perturbações da natureza que ameaçaram a civilização existente. Durante esses séculos, a Europa moderna e os EUA, os dois centros da Revolução Industrial, não presenciaram nada parecido a uma erupção do Thera na era minoica, ou, de fato, algo parecido ao duplo golpe do terremoto de nove graus e o tsunami com ondas de 15 metros de altura que sofreu o Japão dia 11 de março. Essa relativa imunidade contra semelhantes perigos foi o contexto em que foi criada uma civilização altamente complexa, tecnologicamente sofisticada, que em grande parte ganha a supremacia humana sobre a natureza em um planeta aparentemente adormecido.
Mas é correta essa avaliação? Os recentes eventos, desde as inundações que cobriram 20% do Paquistão e fez submergir imensas zonas da Austrália, os incêndios induzidos pela seca que queimaram vastas áreas da Rússia, sugerem outra coisa. Nos últimos anos, o planeta tem sofrido uma série de grandes perturbações naturais, incluindo o recente desastre do terremoto e o tsunami no Japão (e suas numerosas e fortes réplicas), o terremoto de janeiro de 2010 em Haiti, o terremoto de fevereiro de 2010 no Chile, o terremoto de fevereiro de 2011 em Christchurch, Nova Zelândia, o terremoto de março de 2011 na Birmânia, e o devastador terremoto-tsunami de 2004 no Oceano Índico que matou mais de 230 mil pessoas em 14 países, assim como uma série de terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas dentro e ao redor da Indonésia.
Mesmo que seja para outra coisa, os eventos nos lembram que a Terra é um sistema natural em permanente desenvolvimento; que os últimos cem anos não representam necessariamente previsões do que pode vir; e que podemos, especialmente no último século, termos caminhado em um sentido de complacência sobre nosso planeta que é pouco merecido. Mais importante é que sugerem que poderíamos – e reforço, poderíamos – estar voltando a uma época na qual aumenta a frequência da incidência de semelhantes eventos.
Nesse contexto, a burrice e arrogância com que temos tratados as forças naturais aparecem fortemente. Por exemplo, o que acontece no complexo de energia nuclear de Fukushima Daiichi, no norte do Japão, onde pelo menos quatro reatores nucleares e suas piscinas de contenção para combustível nuclear “gasto” seguem perigosamente fora de controle. Obviamente, os construtores e proprietários da usina não causaram o terremoto e o tsunami que criaram o perigo atual. Foi o resultado da evolução natural do planeta, nesse caso, do repentino movimento das placas continentais. Mas são responsáveis de não ter previsto a catástrofe, por ter construído um reator num lugar em que já havia frequentes tsunamis e por supor que uma plataforma de concreto feita por humanos poderia resistir ao pior que a natureza pode provocar. Fala-se muito sobre os defeitos da arquitetura da planta de Fukushima e seus inadequados sistemas de apoio. Tudo isso, sem dúvida, é vital, mas em última instância a causa do desastre não foi de nenhuma maneira um simples defeito de design. Foi a arrogância: uma supervalorização do poder da engenhosidade humana e uma subestimação do poder da natureza.
Quais futuros desastres nos esperam como resultado da mesma arrogância? Ninguém, nesse momento, pode nos dizer com firmeza, mas a instalação de Fukushima não é o único reator construído perto de zonas sísmicas ativas, o que é foco de perigo também por outras perturbações naturais. E não se trata somente de usinas nucleares. Consideremos, por exemplo, todas essas plataformas de petróleo no Golfo do México que correm risco por furacões cada vez mais poderosos ou, caso os ciclones aumentarem sua força e frequência, as plataformas de águas profundas e superprofundas cuja construção se está planejando no Brasil para uma distância de até 290 km da sua costa no Oceano Atlântico. E pensando nos recentes eventos no Japão, quem sabe quanto dano pode influenciar um terremoto na Califórnia? A Califórnia também tem usinas nucleares localizadas ameaçadoramente perto das falhas sísmicas.
Subestimando a Terra
Entretanto, a arrogância desse tipo somente é uma das maneiras que provocamos a ira do planeta. Muito mais perigoso e provocativo é nosso envenenamento da atmosfera com os resíduos do nosso consumo de recursos, especialmente combustíveis fósseis. Segundo o Departamento de Energia dos EUA, em 1990 as emissões totais de carbono em todas suas formas de uso de energia já tinham chegado a 21.200 milhões de toneladas e se calcula que, em 2035, aumentarão ameaçadoramente a 42.400 milhões, um aumento de 100% em menos de meio século. Quanto mais dióxido de carbono e outros gases com efeito estufa lançarmos na atmosfera, mais modificaremos os sistemas climáticos naturais do planeta e causaremos danos a outros recursos ecológicos vitais, incluindo oceanos, florestas e geleiras. Todos são componentes da estrutura integral do planeta, e ao serem danificados dessa maneira, provocarão mecanismos de defesa: aumento das temperaturas, mudanças nos modelos de precipitação pluviométrica e aumento dos níveis dos mares, entre outras reações.
A noção da Terra como um complexo sistema natural com múltiplos ciclos de retroalimentação foi exposta pela primeira vez pelo cientista e ecologista James Lovelock nos anos sessenta e escrita no seu livro de 1979: Gaia: uma nova visão da Terra (Lovelock usou o nome da antiga deusa grega Gaia, personificação da Madre Terra, para sua versão do nosso planeta). Nessa e em outras obras, Lovelock e seus colaboradores argumentam que todos os organismos biológicos e suas imediações orgânicas no planeta estão estreitamente integrados para formar um sistema complexo e autorregulador, que mantém as condições necessárias para a vida, um conceito que chamou de “A Hipótese Gaia”. Quando qualquer parte desse sistema se danifica ou se altera, afirma, as outras reagem tratando de reparar, ou compensar, o estrago com a finalidade de restaurar o equilíbrio essencial.
Pensemos em nossos próprios corpos quando são atacados por micro-organismos com vírus: nossa temperatura aumenta; produzimos mais glóbulos brancos e outros fluídos, dormimos muito e utilizamos outros mecanismos de defesa. Quando têm êxito, nossas defesas corporais neutralizam primeiro e finalmente exterminam os germes invasores Não é um ato consciente, senão um processo natural, que salva a vida.
A Terra reage agora frente às depredações da humanidade de maneira semelhante: esquentando a atmosfera, tirando carbono do ar e colocando-o no oceano, aumentando as chuvas em algumas áreas e reduzindo-as em outras, além de compensar de outras maneiras a massiva infusão atmosférica de emissões humanas que causam danos.
É pouco provável que o que a Terra faz para se proteger contra a intervenção humana seja propício para as sociedades humanas. À medida que o planeta se esquenta e as geleiras se derretem, os níveis do mar aumentarão, inundando áreas costeiras, destruindo cidades e submergindo áreas agrícolas que tem baixa altura. As secas serão endêmicas em muitas áreas agrícolas que outrora eram produtivas, reduzindo o abastecimento de alimentos para centenas de milhões de pessoas. Muitas espécies vegetais e animais essenciais para o sustento humano, incluindo várias espécies de árvores, culturas de alimentos e peixes, não poderão se adaptar a essas mudanças climáticas e deixarão de existir. Os seres humanos poderiam – e de novo afirmo que poderiam – ter mais êxito na adaptação à crise do aquecimento global, mas ao não fazer isso, multidões provavelmente morrerão de fome, doenças e de guerras que provavelmente surgirão.
Bill McKibben tem razão: já não vivemos no planeta acolhedor, que considerávamos seguro, conhecido antigamente como Terra. Moramos em outro lugar que já mudou drasticamente com a intervenção da humanidade. Mas não fizemos nada diante de uma entidade passiva, impotente, incapaz de se defender da transgressão humana. Lamentavelmente, conheceremos consternados os imensos poderes que dispõe a Teerra, a Vingadora.
*Michael T. Klare é professor de estudos de Paz e Segurança Mundial no Hampshire College. Seu último livro se chamaRising Powers, Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy(Metropolitan Books).
Copyright 2011 Michael T. Klare
© 2011 TomDispatch. Todos os direitos reservados
Traduzido do inglês para Rebelión por Germán Leyens
Traduzido do espanhol para Diário Liberdade por Júlia Schnorr

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