MAIR PENA NETO – DIRETO DA REDAÇÃO
Qual deve ser a atitude da política externa do Brasil diante de um país que criou um sistema policial e penal sem garantias, que prende inocentes, que os mistura a criminosos perigosos e que os priva de julgamentos justos? Diriam os bravos colunistas da grande imprensa nacional, sempre atentos às questões de direitos humanos, que deveria ser de condenação. Será, então, que leremos nas páginas de nossos diários um pedido para que Dilma condene os Estados Unidos pelas terríveis violações na prisão de Guantánamo, reveladas pelo Wikileaks?
Seria coerente. Afinal, é isso que cobram de nossos governantes em relação a Cuba. Dilma tem viagem prevista para Havana e, certamente, lhe será exigida algum tipo de manifestação sobre os direitos humanos na ilha, o que ela certamente não fará, como não fez em Pequim e não faria em Washington, como recomendam as melhores normas diplomáticas.
O governo brasileiro não é polícia do mundo e tem seus próprios problemas de direitos humanos para ficar cobrando postura dos outros. Esse papel fica para os Estados Unidos, que pousam de impolutos enquanto praticam as maiores atrocidades em Guantánamo, aliás um pedaço de terra em território cubano, mantido contra a vontade do país caribenho. Os EUA controlam uma base naval em Guantánamo desde o início do século 20, pela qual pagam pouco mais de 4 mil dólares por ano, insuficientes para alugar um apartamento de frente para o mar no Rio de Janeiro.
Obama havia prometido fechar a prisão de Guantánamo – não falou em devolução – mas não cumpriu. Mais grave ainda, autorizou esse ano a retomada dos julgamentos militares, suspensos por dois anos, em nome do “fortalecimento da segurança e dos valores americanos”. Agora vê-se que valores são esses. Portadores de doenças psiquiátricas graves, adolescentes, professores e agricultores presos sem nenhum vínculo com o terrorismo, apenas por uma suposta ameaça que poderiam representar.
Os Estados Unidos inverteram um dos principais princípios do Direito, a presunção da inocência, e criaram a figura da presunção da culpa. Pessoas podem permanecer anos a fio presas com base no que foi estabelecido como três níveis de risco: o das pessoas que “provavelmente” representam uma ameaça para os EUA e seus aliados, o das que “talvez” sejam uma ameaça e o das que “improvavelmente” representam ameaça. Com base neste último quesito, o mais brando, estão registradas pessoas que passaram nove anos na prisão.
A “eficiência” do novo sistema jurídico norte-americano resultou em que apenas 22% dos prisioneiros de Guantánamo representaram um nível de interesse alto para o serviço de inteligência. A tortura é mencionada nos quase 800 documentos revelados pelo Wikileaks, embora os americanos não especifiquem os métodos adotados para obter confissões e delações. Quando um preso declara ter sido torturado, o redator do informe escreve que essa declaração carece de legitimidade.
Enfim, uma sucessão de abusos e desrespeitos que mereceriam a condenação internacional. Bem que os nossos meios de comunicação podiam começar uma campanha neste sentido, encabeçada pelo Brasil, como exemplo da posição intransigente em relação aos direitos humanos, que, segundo estes mesmos meios, diferenciariam Dilma de Lula.
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