sexta-feira, 29 de abril de 2011

São Tomé e Príncipe: O EQUÍVOCO DOS NOSSOS ECONOMISTAS




CARLLILE ALEGRE – TÉLA NÓN, opinião

Tive acesso recentemente  a quarta carta aberta da Associação dos Economistas endereçada ao chefe do executivo santomense.

Com este gesto, aquela organização da sociedade civil, demonstra através do diálogo, estar engajada em participar de forma responsável na fiscalização da ação governativa do país.  É salutar existir  esses front’s de opiniões e correntes de idéias no país, ainda que não sirvam para aplicação prática, podem levar-nos a reflexões maiores.

Na carta, a principal proposta despertou minha atenção. A Associação dos Economistas, sugere ao estado, que passe a exigir uma percentagem de participação igual ou inferior a 25% do capital social de empresas financeiras, particularmente os bancos, e outros investimentos e empreendimentos de natureza estratégica.  Para adquirir os tais 25%, o estado não colocaria nenhum “centavo de dobra” no capital social destas empresas.

Como justificativa, a associação dos economistas, buscou exemplos de países como Qatar e Emirados Árabes Unidos, que adotam semelhantes práticas.  Eis aqui, a falha de nossos economistas: nestes países o estado não se associa directamente ao capital privado, e sim, impôs legalmente que, todo investidor estrangeiro deve associar-se com investidores nacionais, em forma de parceria ou sociedade de capitais,  afastando a presença directa do estado nos negócios de iniciativa privada.

Ora, creio que os nossos economistas não tiveram o cuidado de analisar os cenários e a conjuntura econômica destes países com a realidade do nosso país. Numa apreciação do Banco Mundial, os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, é o 40° melhor país do mundo para fazer negócios, já o Qatar é o 50°. Nesta mesma apreciação São Tomé e Príncipe ocupa a 178° posição, portanto, o sexto pior do mundo.

No Qatar e Emirados Árabes Unidos, qualquer investidor jogaria seu capital lá. Estes países possuem um sistema financeiro sofisticado, robusto e sólido, não apresentam grandes  riscos de crise de crédito. Têm parques industriais funcionais. São países produtores de petróleo em larga escala mundial, possuindo grandes commodities e derivativos nos mercados futuros e  essencialmente nas principais bolsas de valores do mundo.  A dívida pública destes países é segura. Possuem fundos soberanos e reservas líquidas internacionais na ordem dos bilhões de dólares. Um país com essas características é certamente o sonho de qualquer empresário/investidor e especulador financeiro. Nestes países, são os empresários/investidores que lutam para entrarem  no seu mercado, ao contrário do nosso, onde rogamos para termos a presença de empresários/ investidores.

No caso de STP, a nossa dívida pública interna e externa, é considerável. As garantias de pagamento dessas dívidas, nem sempre são claras, daí o facto de muitas delas terem sido sucessivamente perdoadas ao longo dos anos “pelo clube de nossos credores”.  Não temos um sistema financeiro robusto, nem sólido. As nossas grandes empresas não estão listadas nem cotadas em bolsas de valores. Nem sequer o nosso cacau é negociado diretamente no mercado de futuros. Essa situação deixaria qualquer empresário/investidor receoso.

Então, exigir 25% de participação aos empresários/investidores estrangeiros seria  o mesmo que correr com eles de forma amena e branda. O problema não para por aí: o estado tendo eventualmente essa participação, passaria também a ter judicialmente uma certa responsabilidade solidária nestas empresas. Se alguma empresa fosse à falência, seus credores poderiam e muito bem, mover uma ação judicial contra o estado exigindo a solvência dos débitos. Já imaginaram num curto espaço de tempo esses bancos falirem e todos os seus clientes e demais credores processarem o estado para assumir a solvência dos débitos, na proporção da sua participação de 25%?

Se a intenção é elevar as receitas do estado, existem outras formas mais seguras, menos arriscadas e pouco problemáticas.  A reformulação do sistema fiscal seria um passo importante.  O governo poderia, por exemplo, criar um sistema de tributação diferenciado para certos empreendimentos e investimentos. Estabelecer um limite de lucro líquido. Se a empresa ultrapassar esse limite, estaria automaticamente condicionada a pagar impostos diferenciados. As empresas que lucrarem mais, pagariam mais impostos. Além do habitual IRC-imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, seriam obrigadas a pagar  um adicional sobre o IRC, mais  uma espécie de contribuição social sobre o lucro líquido.

Nas operações financeiras referentes a remessas, transferências, compra e venda de divisas, obtenção de créditos financeiros, contratação de seguros etc, o estado poderia instituir o “imposto sobre operações financeiras”, a ser recolhido pelos bancos nestas operações e depositado diretamente na conta  do tesouro nacional. Poder-se-ia também tributar, individualmente na esfera das pessoas singulares, as grandes fortunas dos cidadãos nacionais e estrangeiros que de certa forma, exercem alguma atividade de ganho econômico/financeiro no país.

Se a criação destes impostos vai ou não aumentar o preço de  alguns bens e serviços, isso caberia ao governo regular legalmente o mercado para disciplinar os empresários/investidores e proteger os consumidores.  Deste modo, o governo não precisaria se comprometer com o capital dos empresários/investidores nacionais e estrangeiros.

No entanto, a proposta vinda da associação dos economistas é valida, mas na atual conjuntura dos indicadores sociais e econômicos do país, essa proposta tecnicamente parece inviável. Já basta o cidadão comum, contribuinte, suportar alguns gastos da máquina administrativa e burocrática do estado.

Aliás, aos mentores dessa idéia, recomendo assistirem o documentário “Trabalho Interno” de  Charles Ferguson, que é  a uma verdadeira aula de economia. Ao tratar de forma didática, coerente e extensa, os motivos da crise financeira mundial de 2008, no documentário, cérebros ilustres do mundo da economia, finanças e direito, foram unânimes em reconhecer: a mão do estado nos negócios de iniciativa privada deve reservar-se, antes de mais, na regulação e disciplina do mercado.

Não fica bem ao estado olhar com ganância para bens e direitos alheios.  Não cabe ao estado recolher como acionista dividendos gratuitos, em bens de pessoas, que imagino, passaram por grandes vicissitudes para construírem seus negócios. Pensar agora nessa proposta de participação de 25% do estado em negócios de iniciativa privada, só pode ser um equívoco de nossos economistas mentores dessa proposta.

Carllile Alegre - e-mail:carllilealegre@gmail.com

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