São tradicionais as relações entre o Reino Unido e os Estados Unidos, sempre afinados na história, na literatura, no intercâmbio, mas também na economia e na política internacional. Já Brasil e Portugal, ao contrário, sempre viveram na relação sentimental-gastronômica, sem um olhar para as potencialidades de uma integração econômica que atendesse aos objetivos maiores das duas nações.
Alberto de Oliveira, o intelectual que foi cônsul-geral de Portugal no Brasil (época que não havia outros consulados), sediado no Rio, escreveu um livro de referência e premonição, A outra banda de Portugal. Inclui palestras na Associação Comercial do Rio, na Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Portugal (denominação de então), na Academia Brasileira, na tese de que a união e integração não deveria ser encarada como uma questão sentimental, mas, sim, racional.
Agora, quando a Câmara de Comércio completa cem anos, verifica-se que, apesar da omissão dos governos, os dois países estão unidos. Com investimentos de monta em negócios nobres, tanto lá como cá, além de o movimento de turistas não se limitar mais aos que possuem laços familiares em ambos os lados do Atlântico. O intercâmbio é espontâneo, muito facilitado pela música popular, pelas telenovelas e pela espetacular malha de voos diretos de mais de dez cidades brasileiras com Lisboa e Porto.
A crise vivida por Portugal é a oportunidade de um grande avanço. Temos de criar uma efetiva cabeça de ponte no Mercado Comum, que vai reagir às dificuldades de momento pelo seu capital humano, tecnológico e cultural. E por ter locomotivas como a Alemanha e a Inglaterra, que antes do que se imagina estará de pé. Portugal é a entrada de nosso etanol misturado à gasolina na Europa. Pode ser também a captação de profissionais habituados ao comércio com Ásia e África. Hoje, é Angola que recebe cérebros jovens portugueses, que significam muito dinheiro investido no conhecimento.
O inconsciente une os dois países, uma vez que coincide na formação do pensamento nacional e nos rumos da história. Brasil e Portugal atravessaram a grande guerra com certa tranquilidade, sem maiores sacrifícios, sem envolver seus territórios na luta sangrenta, vivendo sob o mesmo regime, com o mesmo nome de “Estado Novo”. Tivemos, entre nossos notáveis governantes, filhos e netos de reis de Portugal, ao longo do século XIX. Quando Portugal estava em meio a crise, perdendo filhos na I Guerra Mundial, ocorreu a aparição de Fátima, que dez anos depois fez seus efeitos benéficos ao país, que ingressou numa fase de ordem e progresso com recuperação econômica, política e, sobretudo, moral. No Brasil, foi também a Marcha com Deus pela Liberdade, em 64, que nos livrou da ameaça do caos e até da guerra civil.
Os dois países estão plenamente conscientes da importância do afinamento de posições e de ações econômicas complementares. E a prova disso é que ambos têm escolhido para seus representantes diplomáticos, nos últimos 20 anos, o que existe de melhor em seus quadros.
Portugal nos deu Francisco Seixas da Costa, intelectual e diplomata “sênior”, hoje em Paris, e João Salgueiro, que veio da ONU. Já o Brasil tem oferecido notáveis como foram os casos de José Aparecido, Itamar Franco, Luís Felipe Lampreia, Alberto Costa e Silva. E no nosso consulado no Rio, que é quase uma embaixada pela importância dos luso-descendentes na população, no comércio, tivemos Carlos Paes, Filipe Castro Mendes – hoje embaixador no UNESCO e grande poeta –, Antonio Tanger e agora este sensacional Antonio Almeida Lima, que, com a mulher, Vanda, se tornou personagem da vida social, cultural e econômica do Rio.
O centenário da Câmara de Comércio no Rio é um fato a ser marcado por atos concretos, tendo na sua direção o advogado Paulo Elisio de grande conhecimento de tudo o que se relaciona à economia dos dois países. É preciso se criar uma pauta objetiva para esta comemoração. O Itamaraty poderia reunir os diplomatas – nosso cônsul em Lisboa é Renan Paes Barreto e o embaixador, Mario Vilalva, ambos do melhor da nova geração de embaixadores – e as câmaras dos dois países, sendo a de Lisboa dirigida por um empresário de grande dimensão, Antonio Bustorff. Este, aliás, viveu no Brasil na mocidade, quando sua família fugiu dos excessos do movimento comunista que dominou o país entre abril de 74 e novembro de 76.
Falando nisso… Exílio amigo é outra marca da ligação dos dois países. Foi em Portugal que JK casou sua filha Márcia em anos que se viu obrigado a viver fora do Brasil. Assim como o General Euclides Figueiredo, pai do presidente João Figueiredo e Plínio Salgado, entre tantos outros. E foi para cá que vieram o Presidente Américo Tomás e o Primeiro Ministro Marcelo Caetano quando do movimento vermelho, seguidos de mais de cinquenta mil famílias, maioria regressando após o Presidente Mário Soares devolver a ordem ao país.
*Aristóteles Drummond, jornalista, é vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
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