sexta-feira, 20 de maio de 2011

CONCORRÊNCIAS VULNERÁVEIS




MARTINHO JÚNIOR

De entre os BRICS, são a China e Rússia os principais visados pela hegemonia, tirando partido do piso propiciado pelo tapete da lógica capitalista que também contaminou aquelas duas potências “emergentes”:

- A Rússia em função do seu espaço imenso, das suas imensas riquezas e do acumulado de conhecimentos científicos e tecnológicos que a colocam entre aqueles que mais êxitos têm conseguido entre outras coisas no campo da energia nuclear, da capacidade energética que flui sob controlo de Moscovo em direcção à Europa e à Ásia e da “conquista do espaço”;

- A China por que se pode considerar no principal mercado consumidor à escala global em função da população que possui, cerca de 1/6 da população mundial habitando no mesmo espaço geográfico nacional, o que lhe confere potencialidades quase ilimitadas, tendo em conta o baixo custo da mão de obra, a disciplina no trabalho e de ainda não ter integrado mais de 300 milhões de habitantes na “economia de mercado” em fase de expansão e emergência.

A lógica capitalista triunfante após a derrocada do “socialismo real”contaminou as sociedades desses dois colossos e pouco a pouco vão-se formando oligarquias nacionais poderosas, à medida que aumenta o foço das desigualdades, oligarquias essas que têm cada vez mais reflexos nos respectivos aparelhos de estado e no poder, concorrendo com a aristocracia financeira que promove a hegemonia unilateral.

É dessa concorrência que têm vindo a surgir clivagens internas e mudanças de comportamento nos relacionamentos internacionais.

O dólar tem sido utilizado como a maior das fórmulas dialécticas úteis por parte da hegemonia em relação aos dois colossos.

A China tornou-se mesmo no principal credor dos Estados Unidos e, uma grande parte desse crédito, está a ser utilizado contra si: a máquina militar norte americana e a de seus aliados, bem como coordenadamente os respectivos serviços de inteligência, absorvem a maior fatia financeira dos orçamentos que têm sido mantidos graças ao crédito, incluindo o crédito da China.

O primeiro passo é precisamente não mais fazer negócios em dólares norte americanos, ao mesmo tempo que quer a Rússia, quer a China, devem pedir o retorno da dívida e é precisamente isso que está a começar a fazer-se: os dois colossos, pelo menos entre si, não vão mais fazer negócios indexados ou com a utilização do dólar norte americano!

Na Rússia logo a seguir à era Gorbachov, Ieltsin foi um homem completamente alinhado e comprometido com os interesses e as conveniências da hegemonia, o que foi rectificado por Putin, que a partir do momento que chocou com o séquito de Jacob Rothschield reforçou os oligarcas e o seu poder político, económico e financeiro.

A nível interno a figura de Medvedev buscou mais contemporização com a hegemonia, o que se reflectiu no relacionamento da Rússia para com os Estados Unidos, para com os países ocidentais e para com a própria OTAN, mas a continuidade dos procedimentos da hegemonia, multiplicando a desestabilização, as agressões militares, as crises e sobretudo o cerco às fronteiras no leste europeu, no Cáucaso e na Ásia Central, tudo isso contribuiu para contraditoriamente reforçar a linha Putin no tandem do poder em Moscovo.

Dentro da oligarquia russa acentuam-se as clivagens entre os “gangs” com reflexos múltiplos no exercício do poder e nos relacionamentos internacionais.

As tensões no Médio Oriente, onde a aliança dos Estados Unidos, da OTAN e de Israel têm expressão avassaladora, bem como a evolução do “arco de crise” na direcção de África, começando pelo assalto à soberania da Líbia, foram questões importantes para pôr em cheque a linha Medvedev.

A China jogou com a absorção de tecnologias, com a abertura financeira propiciando colossais investimentos provenientes do exterior, com a formação duma oligarquia super rica, com os relacionamentos regionais, mas em relação a ela, tal como em relação à Rússia, o esforço do cerco por parte da hegemonia está a obrigar Pequim a assumir também nos aspectos geo políticos e geo estratégicos outras capacidades visando respostas em defesa de sua soberania e interesses.

No Mar da China, no Sudoeste Asiático, no leste da China, há obrigações imediatas que se estão a impor a Pequim face à arrogância de Washington e daquilo que Washington representa.

Em África e na América Latina, mesmo que hajam acordos importantes, os interesses da China provam ser vulneráveis.

Quando começaram os combates na Líbia, notícias referem o repatriamento de cerca de 30.000 trabalhadores chineses…

O período de incertezas por parte dos dois poderes concorrentes e vulneráveis, dá indícios de ter começado a ser ultrapassado: Obama não trouxe nada de novo, pelo contrário, tornou a hegemonia mais subtil e refinada, por conseguinte mais perigosa para as concorrências, com reflexos geo políticos e geo estratégicos, pelo que Moscovo e Pequim estão em vias de “acertar agulhas”,enquanto concorrentes de primeira linha.

Enquanto com Bush as coisas ocorriam como se o pensamento dominante estivesse na Idade da Pedra Lascada, com Obama está-se em plena “Idade do Ferro”,como se continuasse o movimento dum imenso rolo compressor: ninguém pode avaliar, nem os próprios norte americanos mais entendidos (entre eles relembro William Blum), quantas guerras, conflitos e tensões poderão ser produzidos para procurar consolidar o poder da hegemonia …

O regresso à Guerra Fria pode estar na forja em função das contradições e a ditadura do capital esvaziará todas as “democracias representativas” de suas capacidades e possibilidades realmente democráticas, pondo a nu e a cru a ossatura do domínio.

Num artigo no Ásia Times, (http://www.outraspalavras.net/2011/05/12/china-e-russia-rumo-a-um-acordo-estrategico/) M K Bhadrakumar sublinha:

“Os esforços que russos e chineses empreendem já há algum tempo para “coordenar” posições nas questões regionais e internacionais sobem de grau, em termos qualitativos, agora, em face da situação no Oriente Médio.

A agência oficial russa de notícias usou expressão pouco usual – “estreita cooperação” – para caracterizar o novo status dessa coordenação de políticas para a região. E essa coordenação pode implicar um grande desafio que o Ocidente terá de enfrentar, para fazer avançar sua agenda unilateralista no Oriente Médio.

Em tese, Hu visitará a Rússia para participar do grande evento-show previsto para São Petersburgo nos dias 16-18 de junho, e que o Kremlin vem coreografando atentamente como evento anual, de importância comparável à de um Fórum Econômico Internacional, um “Davos russo”. Vê-se muita excitação nos dois países, à espera de que a visita de Hu seja um ponto de virada na cooperação entre Rússia e China, no campo da energia”.

Ao longo do ano corrente as obrigações entre Moscovo e Pequim trarão uma outra expressão para os co-relacionamentos de forças em vastas regiões continentais da Terra e nos oceanos e mares circundantes que se irão refletir ao longo da década corrente.

A Rússia e a China, integrando a Shangai Cooperation Organization tenderão ao fortalecimento de concorrências que minarão o unilateralismo da hegemonia, podendo em alguns casos essas concorrências tornarem-se contraditórias, ou mesmo antagónicas, em relação aos interesses e conveniências da aristocracia financeira mundial, se tivermos em conta o poder militar e dos serviços de inteligência das potências ocidentais e de seus aliados.

Paraa Ásia, África e América Latina a perspectiva não é no sentido da paz e do aprofundamento da democracia, mas para um aumento de tensões, de conflitos e de guerras, para um aumento de ingerências fascistas em nome duma democracia representativa que se esvai com a crise imposta pela ditadura financeira manipulada pela aristocracia financeira mundial.

Na América Latina há mais de uma década que se aperceberam quão a “democracia representativa” não passa de ditadura financeira imposta a partir do exterior com as oligarquias nacionais agenciadas, funcional e estruturalmente prolongando os tentáculos do polvo.

No caso de África, a Líbia indicia ser apenas um preâmbulo que terá continuidade, sobretudo onde houver interesses em relação ao petróleo, ao gás e aos minerais estratégicos.

A África do Sul, o novo componente dos BRICS, é historicamente um alinhado com hegemonia por que continua a cultivar o signo de Cecil John Rhodes, ao ponto de nem o próprio Nelson Mandela se “emancipar”dos conteúdos que interessam aos tutores desse signo, fundamentalmente os interesses anglo-saxónicos em minerais estratégicos (o ouro, a platina, os diamantes, o urânio…), interesses esses principalmente indexados aos “democratas” norte americanos (agora como “rhodes schollarship” Bill Clintonexponencialmente à cabeça) e aos “trabalhistas”do gênero de Tony Blair...

A crise vai-se aprofundar, atingindo particularmente as frágeis nações e povos do Terceiro Mundo, podendo chegar, em África, ao redesenhar das fronteiras de acordo com uma “Conferência de Berlim”ao sabor dos interesses de Washington e de seus aliados da OTAN e ANZUS.

Casos como a Somália, o Sudão, a Líbia e a Costa do Marfim (neste caso reflectindo o contexto regional), são exemplos dessa tendência que de forma subtil os Estados Unidos e sobretudo seus aliados europeus, vão fomentando, tirando partido de capacidades conjugadas com realce para as ingerências, manipulações, a aplicação de psicologias e tecnologias apropriadas para que as mensagens de conveniência cheguem aos mais recônditos lugares da Terra.

Uma leitura quotidiana por exemplo do Voice of America para Angola, indicia claramente essa tendência (http://voanews.com/portuguese/) uma tendência que tende a “orientar” os agentes locais promotores dos interesses de feição.

Com a Líbia, a União Africana tem a oportunidade para iniciar mudanças substanciais de caráter (na direção duma unidade efetiva) e de poder (por que a União Africana tem o direito de mais respeito e dignidade entre os africanos tal como no âmbito da comunidade internacional), sendo muito importante a sua definição em relação às transformações operadas na Tunísia, na Líbia e no Egito, vencendo inércia e hesitações.

A partir de agora, a reforma da ONU é um assunto para antes de ontem e as clivagens entre os concorrentes, bem como a legitimidade de posição dos menos poderosos terem acesso a expedientes efetivamente democráticos, refletir-se-á de outra maneira inclusive no contexto fascista que querem fazer prevalecer porvia do Conselho de Segurança.

Nas próximas décadas a Rússia e a China (provavelmente alguns dos outros componentes dos BRICS quando estiverem presentes nesse órgão), terão muitas oportunidades de, ao invés de se absterem, expressarem claramente e sem reservas o poder e o argumento do seu veto para muitas outras iniciativas similares àquelas que propiciaram a ingerência e a corrente guerra na Líbia, a ingerência e a guerra que, em nome da democracia, visa a instalação de fantoches submissos e mercenários...

Martinho Júnior - 13 de maio de 2011

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