MARTINHO JÚNIOR
A partir do final da chamada “Guerra Fria” que os Estados Unidos e seus aliados, seguindo uma trilha culturalmente anglo-saxónica, (tirando partido histórico da amplitude física do império colonial britânico e da “Commonwealth”) se tornaram o núcleo duro duma plataforma difusa, duma espécie de imensa medusa, que iria sob o ponto de vista estrutural e funcional, desempenhar um papel fulcral e tentacular na arquitectura e sincronização de movimentos e dinamismos globais, sem qualquer tipo de impedimentos, contrariedades, ou obstáculos: enquanto se tornava um factor de promoção dos processos de feição segundo os interesses e as conveniências da aristocracia financeira mundial, tornava-se num factor de múltiplas condutas de manipulação e ingerência capazes entre outras coisas de acções massivas inteligentes, tendentes a prender a atenção e a psicologia do mais comum dos mortais, onde quer que fluísse sua vida, inclusive nos mais recônditos lugares da Terra…
Com esse tipo de processos o capitalismo vai moldando o homem de variadas maneiras, garantindo sua submissão mesmo antes de nascerem as novas gerações: é só verificar como são programados os pagamentos das dívidas financeiras correntes de que o caso de Portugal é um último e flagrante exemplo…
A evolução da “Guerra Fria” para o processo de globalização orientada pela aristocracia financeira mundial, tirou partido de condutas criadas desde o início da década de 90 do século XX, ou de outras que advinham da própria “Guerra Fria”, algumas delas um autêntico reaproveitamento que implicou alterações de objectivos, de mudança de direcção das capacidades e possibilidades operativas e, sobretudo, num novo “investimento” de linhas de força que passaram a visar a ocupação do espaço propício à dialéctica, espaço deixado meio abandonado pelas ideologias, estados e instituições do desaparecido bloco socialista e por aqueles que haviam mantido em relação a eles identidades de referência...
O império reciclou muitas das projecções anteriores, formatando-as à hegemonia unipolar e dando corpo ao que Stella Calloni considera a ditadura global da desinformação”…
A preocupação maior foi a substituição da dialéctica materialista por condutas dialécticas úteis controladas pelos organismos fulcrais gestores dos impactos, difusores omnipresentes que tiraram vantagem do controlo próprio das novas capacidades tecnológicas que recorrem ao satélite, às comunicações modernas, aos centros difusores das mensagens de conveniência (imprensa, televisão, rádio, internet), à ocupação dos tempos disponíveis à mente humana por mais marginalizado que esteja o indivíduo destinatário (desportos enquanto mercadoria, religiões enquanto mercadoria, divertimento enquanto mercadoria, etc.)… o ser humano inocente que desse modo é desde logo engolido ou “domesticado” sem qualquer possibilidade de resistência.
Costumo dizer que, mesmo que esteja dormindo na minha cama, ou me refugie num deserto ignoto, a globalização acaba sempre por chegar-se a mim, por vezes através do mais inesperado meio, ou função.
Em época de globalização, o materialismo dialéctico enfraquecido senão subvertido foi sendo substituído por condutas dialécticas úteis, tecnológica e inteligentemente controlados pelo fomentador do modelo de globalização, condutas geradas e promovidas através de múltiplos canais de serviço no âmbito do que interessava à hegemonia e ao império, de forma a com isso conduzir a edificação do próprio império a partir dos impactos sobre o mosaico policromo e multicultural de estados e nações da Terra.
Múltiplas actividades tornam-se contemporâneas da formatação dessas condutas:
Vejam o que é substância causal num quadro exacerbado de capitalismo, no que toca ao futebol “de alta competição”, o futebol televisivo de nossa geração…
Vejam o que é a substância causal nesse mesmo quadro, quanto ao cenário da beatificação televisiva de um dos últimos papas…
Vejam o que é a substância causal que torna possível a mediática utilização dum casamento real britânico de inteira conveniência…
Vejam os impactos da Dysneylândia enquanto mercadoria cultural afim, onde quer que se implantem esse tipo de centros (na França, no Japão, ou na China)…
Tenho-me vindo a referir em sucessivos artigos à conduta dialéctica útil que tem sido o “Quantum Group” versus “Open Society” e a panóplia de meios que dispõe George Soros nos cenários de intervenção: desde às especulações nos mercados financeiros, até aos grupos que se injectam nas “revoluções coloridas”, até partidos construídos à sua imagem e semelhança edificados com personalidades “de confiança”, ou ainda a grupos que se auto identificam (quase sempre sem serem sujeitos a crítica aberta e alternativa) com os “direitos humanos”, com os “direitos das minorias” e com outros “direitos”, para reforçar as capacidades de ingerência e plasmar as alterações de conveniência nos múltiplos espectros políticos e sociais dos estados e nações da Terra, quantas vezes tirando partido da tal “ditadura global da desinformação”…
Os processos de psicologia aplicada tornaram-se tão subtis, que por vezes simples e extraordinariamente curtas palavras de ordem de valor sintético são suficientes para mover vontades e multidões.
Entre essas palavras destaco a palavra sintética “basta”, à volta da qual se desenrola a nebulosa em espiral de mensagens que conduzem as vontades e as emoções até ao “ponto rebuçado” da eclosão da “revolução colorida” no país alvo em que ela se insere.
Tenho realçado o modo dialéctico que essa conduta útil promove, conforme a própria personalidade de um dos seus principais mentores: enquanto por um lado George Soros age como mega especulador financeiro (tese), tornando-se atractivo e receptivo às elites (uma autêntica provocação no chamado a elas), por outro age como filantropo (antítese), capaz de prender a atenção até dos mais marginalizados deserdados da Terra.
A partir dessa tese (especulador) sincronizada com essa antítese (filantropo), a contradição começa a ser desencadeada com todo o tipo de manipulações programadas e com relógio próprio, até se chegar ao clímax que gera a síntese de expressão política: a tomada do poder que é favorável aos interesses da aristocracia financeira mundial!
Sou dos poucos que tem criticado essa fórmula de “manipulação-imagem” que psicologicamente arrasta componentes de provocação, de capacidade para prender a atenção dos milhões de descuidados (quase sempre desinformando), de desencadear contradições que na síntese conduzem ao reforço do poder e domínio das oligarquias e elites de conveniência e segundo o plasma das instrumentalizadas democracias “representativas” de tão persuasiva quanto dócil fluência e mensagem.
É altura de me referir a outra conduta dialéctica útil que, se é mobilizada em primeira linha na direcção do “mundo árabe”, tem também enormes espectros, influências e impactos no resto do mundo, incluindo em África: a do fundamentalismo islâmico segundo a trilha da al Qaeda e do seu principal mentor, Bin Laden.
No período final da “Guerra Fria” e seguindo a orientação da administração republicana de Ronald Reagan, foram lançados os “freedom fighters” e, de entre eles, Bin Laden enquadrado em organizações fundamentalistas de tendência tribal, tornou-se, sob o ponto de vista operativo, “insuperável”.
A mística de Bin Laden foi lançada nesse cadinho do Afeganistão, uma mística envolta nas nuvens de fumo do ópio, como outra droga capaz de condicionar as mentes de milhões de habitantes na Terra.
Bin Laden evidencia, na sua trajectória, durante a guerra no Afeganistão contra os Soviéticos, o papel dum agente centrípeto de vontades e de acções.
Assim foi possível torná-lo cada vez mais omnipresente e centralizador da acção de feição, até ao poder, não necessariamente poder de estado, mas sobretudo poder sobre as mentes, preparando-o para o “the day after Cold War”…
Foi assim que no Afeganistão o poder Soviético foi enfrentado e superado e os Estados Unidos, bem como a panóplia de aliados, através das condutas disseminadas por via dos “freedom fighters”, particularmente de Bin Laden enquanto agente da CIA no Afeganistão, saíram vencedores capazes de desencadear os impactos da gestação, modelagem e promoção do modelo de globalização conveniente à aristocracia financeira mundial.
Foi assim que os Estados Unidos e seus aliados passaram a, sem concorrência, factor hegemónico unilateral dos processos de gestação, promoção e impulsão da arquitectura e modelo de globalização, começando a tirar partido de expedientes dialécticos úteis controlados, como recurso para os programas de ingerência, manipulação e domínio.
De então para cá, tudo o que Bin Laden fez deve-o não só à aprendizagem e experiência (tese) que teve no amplo enquadramento propiciado pela CIA durante a “Guerra Fria”, como também ao papel e experiência (antítese) que lhe foi propiciada a partir da década de 90 do século XX, como se, enquanto houve “Guerra Fria” ele produzisse “capacidades positivas”, que foram tão bem aproveitadas, para depois com a globalização, ele passasse a mentor e difusor dum pacote-mercadoria de “capacidades negativas”, particularmente após o 11 de Setembro de 2001, tão extraordinariamente úteis quanto antes.
A trajectória curricular de Bin Ladem tornou-se substantiva e temporalmente numa trajectória contraditória, dialéctica na sua orientação e nos seus objectivos: num primeiro tempo (tese) ele jogou “pela positiva”, dentro do sistema, num segundo tempo (antítese) ele jogou “pela negativa”, numa forma tão violenta quanto antes, sem pôr em causa o sistema!
Os “modos operandi” estimulados por e com Bin Laden, foram condutas dialécticas úteis nos tempos da “Guerra Fria”, como o estão a ser na construção do modelo de globalização enquanto projecto da aristocracia financeira mundial, assumindo a contradição e aproveitando o espaço vazio das ideologias e acções fundamentadas no materialismo dialéctico.
Com a globalização estimulada pela hegemonia unipolar, Bin Laden e a al Qaeda tiveram orientação contraditória, num quadro alargado de desinformação, sendo utilizados como factores “negativos”, uma verdadeira antítese dos processos em curso à escala global desencadeados como tese pelos Estados Unidos e seus aliados, no âmbito do capitalismo contemporâneo:
São esses factores “negativos” que justificam os colossais orçamentos da defesa e dos serviços de inteligência dos Estados Unidos e de seus aliados.
São esses factores”negativos” que justificadamente tornam a China credora do enorme deficit financeiro norte americano e de muitos dos seus aliados.
São esses factores “negativos” que justificam as 800 bases militares norte americanas espalhadas pelo mundo, de maneira a pela força se obter aquilo que não se conseguiu obter de forma conjugada pela persuasão, ou pela psicologia dos “média de referência”, ou pelos resultados consumados a partir das “revoluções coloridas”…
São esses factores que, deixem-me fazer um pouco de “humor negro”, tornaram até a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na factual “Organização do Tratado do Índico Norte” (OTIN), ajustando-a a um produto militar (e de inteligência) estratégico que entre outras muitas coisas, é muito ao gosto de alguns generais e almirantes portugueses que não têm outro modo de (com isso e através disso), ganhar o seu salário…
Bin Laden e a al Qaeda, “a base”, tornaram-se duplamente dialécticos:
Primeiro quando ao longo de sua existência assumiram a tese do jogo “positivo” para depois virem a assumir a antítese do jogo “negativo”.
Segundo, já em plena globalização, enquanto processo controlado pela aristocracia financeira, ao assumir um papel de contradição em relação ao poder dominante, operando a partir duma das mobilizações humanas e sociais potencialmente mais antagónicas: as classes menos favorecidas do mundo islâmico, disseminadas na amplitude enorme dos biliões deserdados da Terra.
A aristocracia financeira mundial orquestrou com a utilização “pela negativa” de Bin Laden e da al Qaeda, um processo dialéctico duplamente contraditório à escala global em relação a si própria, um processo dialéctico que é por si difusamente controlado.
Na antítese que assumiu, Bin Laden e a al Qaeda conduziram, via islamismo e seguindo uma trilha ideologicamente radical, a mobilização de amplos substratos sociais humanos marginalizados, miseráveis e “periféricos”, numa alucinadamente antagónica “guerra santa”…
O que está em curso funciona como uma droga em relação à mente humana, por que todos os pormenores e aspectos são aproveitados para tornar as mensagens tão emocionalmente actuantes sobre a psicologia quotidiana em todas as partes do mundo que se torna fácil a desinformação e a manipulação.
O abate de Bin Laden enquanto sub capítulo de mensagens-mercadorias disponíveis de “primeira água psicológica” e de “primeira página”, rivaliza com o ataque a uma das residências de Kadafi, com a beatificação de um papa, com um casamento real britânico, ou com o futebol de “alta competição” na Europa…
Todo o ser humano está preso a essas mensagens-mercadoria, esbatendo-se no seu subconsciente, ou no seu inconsciente tudo o mais, por via dum impacto-hipnose que recorre massivamente e dominadora à Internet, à rádio, à televisão, aos jornais, até à exaustão…
É só ver o perdurável tempo de antena que essas mensagens-mercadoria consomem nos média de referência quando são desencadeadas as sucessivas ofensivas mediáticas!
Para que com a tese, os poucos milhares de membros da aristocracia financeira mundial continuem substantivamente comandando as operações de globalização de sua conveniência de geração em geração, a contradição que constitui a segunda fase da vida de Bin Laden e da al Qaeda vai-se tornar após o “abate do líder” (após seus desaparecimento físico), tão difusa quanto o possível para possibilitar alargar-se o espectro da guerra psicológica integrada que continuará a atingir os biliões de deserdados da Terra.
Tudo isso vai ocorrer cada vez mais sem limites, nem barreiras, nem fronteiras, através de todo o tipo de canais formatados e de actores cooptados, tornando-se num processo psicologicamente exaustivo e condicionador, dominante, sobretudo em relação à imensa maioria!
Provavelmente as organizações que corresponderão à matriz al Qaeda vão-se multiplicar, pelo que este é também um expediente que se vai expandir em África, a começar na África Mediterrânica, no Sahara, no Sahel, até ao paralelo da Nigéria e do Quénia, com influências mais a sul… há muitas formas modernas propiciadas pelo capitalismo de continuar a rapina do “berço da humanidade”…
Martinho Júnior
Mapa:
Aproximadamente 1/3 das principais acções imputadas à al Qaeda ocorreram em África.
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