terça-feira, 10 de maio de 2011

Elites americanas tentam transferir responsabilidade da crise à população




Paul Krugman* – The New York Times - UOL Notícias

Os últimos três anos foram um desastre para a maioria das economias ocidentais. Os Estados Unidos têm um desemprego em massa de longo prazo pela primeira vez desde os anos 30. Enquanto isso, a moeda única da Europa está se desfazendo. Como tudo deu tão errado?

Bem, eu estou ouvindo com crescente frequência de membros da elite autora de políticas – sábios autonomeados, autoridades e acadêmicos em boa posição – a alegação de que a culpa é do público. A ideia é de que entramos nessa confusão porque os eleitores queriam algo em troco de nada, e políticos de mentalidade fraca atenderam à tolice do eleitorado.

Então me parece um bom momento para apontar que esta visão de atribuir a culpa à população não apenas atende a interesses próprios como é completamente errada.

O fato é que o que nós estamos experimentando no momento é um desastre de cima para baixo. As políticas que nos botaram nessa confusão não foram respostas a uma exigência popular. Elas foram, com poucas exceções, políticas defendidas por pequenos grupos de pessoas influentes – em muitos casos, as mesmas pessoas que agora estão nos dando lição sobre a necessidade de sermos sérios. E ao tentarem transferir a culpa para a população em geral, as elites estão se esquivando de uma reflexão muito necessária sobre seus próprios erros catastróficos.

Permita-me que me concentre principalmente no que aconteceu nos Estados Unidos e depois dizer algumas poucas palavras sobre a Europa.

Atualmente é pregado constantemente aos americanos a necessidade de redução do déficit orçamentário. Esse foco em si representa prioridades distorcidas, já que nossa preocupação imediata deveria ser a criação de empregos. Mas suponha que nos limitássemos a falar sobre o déficit e perguntássemos: o que aconteceu com o superávit orçamentário que o governo federal tinha em 2000?

A resposta envolve três coisas principais. Primeiro, ocorreram as reduções de impostos de Bush, que adicionaram aproximadamente US$ 2 trilhões à dívida nacional ao longo da última década. Segundo, ocorreram as guerras no Iraque e no Afeganistão, que adicionaram aproximadamente US$ 1,1 trilhão. E terceiro ocorreu a grande recessão, que levou tanto a um colapso na receita quanto a um forte aumento de gastos em seguro-desemprego e outros programas sociais.

E quem foi responsável por esses arrebentadores de orçamento? Não foram as pessoas nas ruas. O presidente George W. Bush reduziu os impostos a serviço da ideologia de seu partido, não em resposta a um clamor popular – e grande parte das reduções foi destinada a uma minoria rica.

De modo semelhante, Bush decidiu invadir o Iraque porque era algo que ele e seus assessores queriam fazer, não porque os americanos estavam clamando por uma guerra contra um regime que não teve nada a ver com o 11 de Setembro. De fato, foi necessária uma campanha de venda altamente enganadora para fazer com que os americanos apoiassem a invasão, e mesmo assim, os eleitores nunca apoiaram solidamente a guerra quanto a elite política e acadêmica americana.

Finalmente, a grande recessão foi causada por um setor financeiro descontrolado, suportado por uma desregulamentação imprudente. E quem foi responsável pela desregulamentação? Pessoas poderosas em Washington, com laços estreitos com o setor financeiro. Permita-me dar um crédito em particular para Alan Greenspan, que exerceu um papel crucial tanto na desregulamentação financeira quanto na aprovação das reduções de impostos de Bush – e que agora, é claro, está entre aqueles que estão nos intimidando a respeito do déficit.

Então foi o juízo ruim da elite, não a ganância do homem comum, que causou o déficit americano. E muito disso também vale para a crise europeia.

Não é preciso dizer, não é isso o que você ouve dos autores de políticas europeus. A história oficial na Europa atualmente é que os governos de países problemáticos cederam demais às massas, prometendo muito aos eleitores ao mesmo tempo em que coletavam muito pouco em impostos. E esta é, para ser justo, a história razoavelmente precisa da Grécia. Mas não é o que aconteceu na Irlanda e na Espanha, países que tinham baixa dívida e superávits orçamentários às vésperas da crise.

A verdadeira história da crise da Europa é que os líderes criaram uma moeda única, o euro, sem criar as instituições que eram necessárias para lidar com os booms e colapsos dentro da zona do euro. E o impulso para a moeda única foi o projeto de cima para baixo supremo, uma visão da elite imposta sobre eleitores altamente relutantes.

E isso importa? Por que deveríamos nos preocupar com o esforço de transferir a culpa por políticas ruins para o público em geral?

Uma resposta é a simples responsabilidade. As pessoas que defenderam as políticas que arrebentaram o orçamento durante os anos Bush não deveriam ser autorizadas a se passarem por fiscais do déficit; pessoas que elogiaram a Irlanda como um exemplo não deveriam dar aulas sobre governança responsável.

Mas a resposta maior, eu diria, é que ao inventarem histórias sobre nosso apuro atual para absolver as pessoas que nos colocaram nele, nós perdemos qualquer chance de aprender algo com a crise. Nós precisamos atribuir a culpa a quem ela pertence, punir as elites autoras de políticas. Caso contrário, elas causarão danos ainda maiores no futuro.

Tradução: George El Khouri Andolfato

*Paul Krugman - Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008

Sem comentários:

Mais lidas da semana