quinta-feira, 5 de maio de 2011

A ESPECULAÇÃO E A CRISE ALIMENTAR




BENJAMIM FORMIGO – JORNAL DE ANGOLA

O Banco Mundial e o FMI a semana passada alertaram para o potencial de uma nova crise internacional: a subida dos preços dos alimentos. O aviso contudo quase passou despercebido encontrando pouco eco nos Media.

Ainda em plena crise financeira que afecta sobretudo os mais pobres (países e pessoas) já se desenha uma nova crise que a concretizar-se pode ter repercussões sociais e humanas incalculáveis. O custo dos alimentos, e sobretudo dos alimentos básicos como a batata, milho, arroz, os cereais em geral, tem um impacto importante nos mais pobres.

Crise de produção? Não necessariamente. De facto, a produção de alguns cereais com a finalidade exclusiva de alimentar as fábricas de biodiesel afecta o fornecimento dos mercados alimentares. Mas só por si essa explicação é curta.

Os chamados "edge funds", fundos financeiros que se passeiam incontroladamente pelas "off shores" têm uma responsabilidade incalculável no preço dos produtos alimentares. Ultimamente, com o dólar duvidoso como moeda de refúgio, o euro em crise da dívida europeia, o yen afectado pela situação japonesa, agora agravada pelo terramoto e a crise nuclear, com os mercados demasiado voláteis, os "edge gunds" parecem estar a movimentar-se para o mercado alimentar. A especulação que levou à crise dos "sub primes", causando uma situação financeira que ainda hoje afecta a economia global, está a transferir-se para o mercado alimentar. Já anteriormente havia sucedido, mas em menor escala.

Em "off shores", sem qualquer controlo, anónimos, esses fundos movimentam montantes superiores ao PIB de muitos países desenvolvidos. Investem ou desinvestem de um dia para o outro, fazendo tremer até empresas sólidas para a obtenção de um ganho rápido. Agora estão a especular na compra de alimentos base cujos preços, dada a procura de futuros, estão a subir progressivamente.

A produção mundial de alimentos base não é suficiente para alimentar a população do planeta. Acresce que a especulação sobre os preços, ao provocar o seu aumento, vai atingir os mais desfavorecidos, os que vivem com poucos dólares por mês, mas também os países com dificuldades na sua balança com o exterior. Pode mesmo atingir países como a Rússia, a China ou a Índia, grandes consumidores de cereais e com produções deficitárias.

Tudo isto sucede em nome da globalização do livre movimento de capitais. Depois da crise dos "sub primes", os políticos falaram imenso em controlar esses movimentos, em acabar com as "off shores", em pôr um ponto final aos fundos anónimos, em saber por onde anda o dinheiro e a quem pertence.

 Passaram mais de três anos sobre essa crise que todos ainda hoje pagamos.

Em boa verdade, nada, rigorosamente nada, foi feito para evitar outra crise, ou a especulação com produtos estratégicos, como o petróleo ou os alimentos.

Nem o Banco Mundial nem o FMI costumam ser alarmistas. O aviso foi feito. Provavelmente vai ser ignorado. Pelo menos nos dias que se lhe seguiram não se ouviu uma voz responder às preocupações destas duas agências internacionais. O que é tão preocupante quanto o alerta em si mesmo.

Os políticos parecem alheados, não estão, como é evidente, mas parecem. A finança domina na maior parte dos países sobre a política. O facto é que se as previsões do Banco Mundial e do FMI se concretizarem, teremos a prazo uma crise social de dimensões imagináveis.

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