JOSÉ RIBEIRO, diretor do JORNAL DE ANGOLA
A obra-prima de Dostoievski, “Crime e Castigo”, faz parte do património literário da Humanidade. Como “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. É pena que políticos franceses de hoje, herdeiros da cultura desses génios, mas também sucessores da gesta da Revolução Francesa, não sejam capazes da grandeza dos antepassados e prefiram usar a capa do embuste.
O dito processo “Angolagate” foi produto da infâmia de políticos que deram ao mundo um mau exemplo. Foi posto em marcha um folhetim miserável em cujas páginas o nosso país foi atirado para a lama e o Presidente de Angola difamado miseravelmente.
Durante dez anos, a justiça francesa foi manipulada por políticos sem escrúpulos e o jornalismo usado como arma de arremesso contra Angola e o seu Governo.
Regressemos ao passado. O Acordo de Bicesse era claro como água. A “troika” de observadores, constituída pelos EUA, Rússia e Portugal, tinha um papel claro a desempenhar. A ONU, em representação da comunidade internacional, tinha a incumbência de obrigar os signatários do acordo a cumpri-lo escrupulosamente até ao fim.
A ONU proclamou o MPLA como vencedor das eleições e declarou o acto eleitoral livre e justo. De imediato Savimbi e seus sequazes declararam que iam reduzir Angola a pó. E como por um passe de mágica, surgiu em todo o país um exército numeroso, bem armado e equipado. O tal exército que a ONU não viu, mas que Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes, em devido tempo, denunciaram a existência. Não se podia esconder tanta arma e tanta gente. A não ser que houvesse conivência.
Recomeçada a guerra, os que cumpriram à risca o Acordo de Bicesse viram-se sozinhos a enfrentar a soldadesca rebelada. Até os “capacetes azuis” da ONU fugiram para as áreas onde estava o Governo. Nesse momento, o Presidente José Eduardo dos Santos e o Governo Angolano ficaram com legitimidade para comprar armas a fim de defenderem a integridade territorial e a soberania nacional.
É neste ponto, quando o exército ilegal de Savimbi está a ser derrotado, que hordas de miseráveis, saídos das páginas de Victor Hugo, entram em cena e cavalgam a espuma dos dias. Lançam o famigerado “Angolagate” para travar o avanço imparável do processo de paz, com o apoio de actores que preferem colocar-se do lado do crime e usam o castigo como arma.
Angola tinha legitimidade para comprar armas. E quem vendeu o armamento não cometeu qualquer ilegalidade. Ficou agora provado pelo Tribunal de Recurso de Paris que, finalmente, pôs a balança com os pratos equilibrados.
O que está por provar é se foi legítimo e legal enviar armas para a Costa do Marfim e que serviram para depor o Presidente Constitucional, Laurent Gbagbo. O processo “Angolagate” nunca devia ter existido, mas apesar disso foi mantido como arma de arremesso contra nós, durante dez anos.
Agora começa outro “Francegate”. O Presidente Sarkozy e o seu Governo devem muitas explicações à comunidade internacional. Em primeiro lugar, têm que explicar com que legitimidade armaram os rebeldes de Alassane Ouattara. Depois têm que explicar porque razão deram um golpe de Estado ao Presidente Constitucional Laurent Gbagbo. E por fim, devem dizer à comunidade internacional porque razão deram ordens às suas tropas em Abidjan para atacarem, prenderem e torturarem o Presidente Laurent Gbagbo e a Primeira-Dama marfinense.
O processo “Francegate” ainda está no princípio. Mas a comunidade internacional vai querer saber como surgiram tantas armas e tão numeroso exército às ordens de Alassane Ouattara. Precisamos de saber quem vendeu ou emprestou as armas. É necessário explicar que papel tiveram as forças especiais francesas no golpe de Estado de Abidjan.
Em Angola, a ONU declarou as eleições livres e justas. Na sequência dessa decisão, Savimbi partiu para a guerra. Na Costa do Marfim, a França declarou os resultados das eleições favoráveis ao seu candidato. E partiu para a guerra, antes que o mundo compreendesse a fraude, viciada pelas armas francesas, e antes que o diálogo decidido pela União Africana começasse. Este “Francegate” tem de acabar também num julgamento justo.
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