MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND* – DIRETO DA REDAÇÃO
Na Líbia os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) seguem implacáveis contra Tripoli, provocando mortes e feridos. A justificativa de “ação humanitária de proteção à população civil” não resiste aos fatos. Isto é, a Otan exorbitou de suas funções e a Organização das Nações Unidas (ONU) deveria ser convocada imediatamente para reavaliar o que aprovaram açodadamente. Até porque, quando foi imposta a decisão dos bombardeios no Conselho de Segurança, sem vetos, a justificativa era uma. A prática atual está sendo totalmente outra.
O governo russo, sabe-se por qual convencimento, somou-se, segundo as agências internacionais, ao grupo do clube imperial do G-8 para pedir a saída de Muammar Khadafi.
Leitores, ouvintes e telespectadores não estão tendo a oportunidade de ouvir o outro lado, porque só recebem informações de uma fonte, exatamente a responsável por bombardeios que atingem áreas civis. A Otan também tem outro objetivo, que está ficando cada vez mais claro: a de atingir mortalmente o dirigente líbio Muammar Khadafi.
Para se ter uma idéia de como os meios de comunicação nacionais geralmente só divulgam o que noticiam as agências internacionais, inclusive informações muitas vezes que não resistem a uma checagem mais consistente, na semana que passou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) promoveu um debate com o embaixador líbio no Brasil, Salem Omar Ezubedi, justamente para ouvir o outro lado.
Nenhum órgão da grande imprensa do Rio de Janeiro compareceu, apesar de avisado. Perderam a oportunidade de não só ouvir outro lado como até mesmo questionar o embaixador. Os editores não se interessaram pelo tema, porque provavelmente não teriam elementos para se contrapor às informações apresentadas pelo representante da Líbia.
O embaixador, por exemplo, acusou frontalmente a CIA de preparar os rebeldes durante dois meses para atacar as delegacias e os quartéis de Benghazi com o objetivo de roubar armas pesadas e promover os confrontos. Ezubedi garantiu que a maioria dos opositores que moravam nos Estados Unidos tornou-se agentes da CIA. Revelou também que depois do movimento que levou Khadafi ao poder, em 1969, muitas dessas pessoas que atualmente lutam contra o governo tinham se transferido para os Estados Unidos. Voltaram agora hasteando inclusive a bandeira da monarquia.
A Líbia, que tem um regime laico, foi assediada por uma Irmandade Islâmica que queria impor ao país normas de acordo com os seus padrões, como, por exemplo, impedir, entre outras coisas, que as mulheres trabalhassem e mesmo frequentassem escolas. Membros da Al Qaeda estão ao lado dos rebeldes financiados pela CIA, segundo ainda Ezubedi.
Uma das críticas feitas ao Conselho de Segurança das ONU ao adotar a resolução da adoção de uma zona de exclusão aérea é que antes nenhum representante foi designado para verificar o que estava acontecendo verdadeiramente na Líbia. Ezubedi responsabilizou o representante da Liga Árabe por prestar informações inverídicas segundo as quais o povo estava sendo vitimado e que acabaram levando o Conselho a tomar a decisão equivocada que tomou.
A guerra civil na Líbia caminha para completar seis meses. Os bombardeios “imparciais” estão na prática tornando a situação ainda pior. A Otan já tem a avaliação segundo a qual essa forma de ação não resolverá a crise como deseja. Por isso, não será surpresa se amanhã for decidido uma ação terrestre capitaneada pelos Estados Unidos, o maior senhor da guerra.
No Brasil, a bancada ruralista ficou eufórica com o resultado da votação do Código Florestal aprovado por 410 votos contra 63. Lamentavelmente, parlamentares considerados progressistas se juntaram até com a oposição de direita e ajudaram os senhores do campo a obterem uma anistia ampla e irrestrita a proprietários que desmataram áreas de preservação ambiental até 22 de julho de 2008. Resta agora acompanhar o procedimento dos senadores na votação e se a Presidenta Dilma cumprirá a promessa de exercer seu poder de veto se não ocorrerem mudanças no projeto.
Como se esta afronta aos brasileiros com um mínimo de consciência não bastasse, em plena Câmara dos Deputados ocorreu ainda outro fato lamentável e que não foi noticiado pela mídia de mercado. A bancada ruralista se manifestou com uma estrondosa vaia quando foi anunciado em plenário o assassinato do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva em Maçaranduba, no Sudoeste do Estado do Pará. Ninguém perguntou aos parlamentares o motivo de manifestar a contrariedade pela informação que estava sendo divulgada e que comprometia os seus pares.
Os ruralistas, onde se encontram os mandantes do crime, aprovam, claro, os métodos criminosos. É um setor da sociedade que conta com a impunidade. O casal assassinado denunciava as irregularidades cometidas por extrativistas de madeira na região do Pará e alertavam que estavam sendo ameaçados de morte. Nenhuma proteção foi dada a eles e mais um crime hediondo consumou-se.
A vaia capitaneada pela bancada ruralista dá bem a idéia do nível desta gente que o Deputado Aldo Rebelo contemplou. Este parlamentar e os “progressistas” que votaram com ele terão um encontro marcado com a história e devem ser cobrados por seus eleitores, porque traíram compromissos. E nesta instância da história não será levada em conta a “dialética” que apresentam para justificar o injustificável. E ainda por cima ajeitaram uma dialética para justificar o voto que beneficiou quem desmatou.
*É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
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