sexta-feira, 6 de maio de 2011

TEMPO DE CHARLATÃES




JOSÉ MARIA CARRILHO – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

Não falta quem se queixe da falta de qualidade dos candidatos e a aponte como sintoma da degradação da nossa democracia. Será eventualmente assim, mas como eleitores não nos podemos esquecer da outra face da moeda: é que a qualidade da democracia também depende da qualidade dos seus eleitores. Do cuidado que pomos na nossa escolha. E do sentido colectivo que damos ao nosso voto, porque se é natural pensar nos interesses pessoais, devemos contudo ser capazes de ir mais além, pensando na comunidade que nos acompanha e nas gerações que nos sucedem.

Entramos agora na fase em que é mesmo importante pensar. Reconheço que muitas vezes as campanhas eleitorais não ajudam muito - toda a panóplia comunicacional hoje disponível aposta numa fusão "irracional" dos eleitores com os candidatos, num arrebatamento emocional que acolha o máximo de expectativas, por inviáveis ou contraditórias que elas sejam. Neste contexto, pensar não é tarefa fácil, mas alguns critérios ajudam. Sugiro três: a liderança, o prazo e o projecto.

Liderança

Como todos já percebemos, um excelente candidato poder tornar-se um péssimo governante, da mesma forma que um mau candidato se pode tornar num óptimo governante. Isto acontece porque as qualidades exigidas a um e a outro, não sendo incompatíveis - como o demonstram vários estadistas - , são manifestamente bem distintas: as que são requeridas na conquista do poder são cada vez mais opostas às que são exigidas no seu exercício responsável.

Quando o candidato já governou, o histórico ajuda muito. Os eleitores não são, em geral, injustos nem masoquistas, pelo que tenderão a premiar o bem e a punir o mal que foi feito. A dificuldade, aqui, é que o nosso julgamento se faz com base numa percepção que é limitada, por um lado pela nossa capacidade de apanhar toda uma realidade cada vez mais complexa e, por outro lado, pelas estratégias de comunicação do governante- -agora-candidato, que tudo faz para minimizar (ou apagar!) os erros, e maximizar as "vitórias".

No caso dos outros candidatos, temos de temperar a atracção natural da novidade com uma observação cuidada, que procure antecipar o que será a sua eventual transformação em governantes: em termos de abertura (ouvem realmente o que se lhes diz?), em termos de verdade (cumprem efectivamente o que prometem?) e em termos de responsabilidade (respondem realmente pelo que fazem?).

Prazo

A história da democracia dá-nos uma lição simples: devemos sempre desconfiar de quem reduz o País à actualidade, sem conseguir articulá-la com o seu passado e com o futuro. De quem esconde o longo prazo atrás do biombo do presente, trocando o debate pela propaganda, e pensando que ganha mais provocando escaramuças entre partidos do que promovendo um diálogo construtivo.

O candidato que tudo reduz ao presente relativiza erros e universaliza responsabilidades (como alguém cantava, "é preciso que a culpa seja de todos em geral para não ser de ninguém em particular"). E reserva-se o privilégio de dar em primeira mão as "boas notícias", deixando aos outros o papel de, no dia seguinte, darem as "más".

A estes maus hábitos é preciso contrapor a valorização de candidatos que falem ao País, mostrando não só conhecer bem a natureza e a complexidade dos problemas actuais, mas também que compreendem a sua história e são capazes de perspectivar soluções de futuro.

Isto não é um detalhe, especialmente face à crise que vivemos. Os projectos colectivos, essenciais ao triunfo de qualquer política séria, só emergem quando nos perspectivamos no médio/longo prazo. Só ligando passado, presente e futuro se dá sentido à acção.

Para sair do "buraco" em que nos encontramos, precisamos, por isso, de um estadista que trate os cidadãos como adultos inteligentes, e não de quem aposte a sua sobrevivência política nos medos e nos egoísmos do eleitorado. A instantaneidade, em política, é o tempo dos charlatães.

O projecto

Uma eleição é sempre, para lá de um natural momento de balanço, uma ocasião para o cidadão exprimir o que gostava que viesse a acontecer. Tempos houve em que os projectos políticos eram pacotes ideológicos fechados que os partidos propunham aos cidadãos numa lógica de "pegar ou largar". Esse foi o tempo das vanguardas, em que os políticos procuravam dirigir a sociedade, como se estivessem fora dela.

O desorientado voluntarismo de alguns líderes é tudo o que resta dessa época. Hoje, os projectos políticos não se fazem no exterior da sociedade mas sim no seu interstício, a partir da sempre controversa compreensão da sua enorme complexidade. Até porque, como já referi, o País é bem melhor do que a política.

Os projectos em disputa devem, pois, ser vistos como propostas que é preciso discutir de modo informado e com um grande espírito de diálogo, aberto à sociedade civil. Mas eles devem também traduzir--se, mais do que em intermináveis programas (que ninguém lê), em algumas ideias simples, fortes, tão diferenciadoras como facilmente apreensíveis pelos cidadãos.

Como bem explica Daniel Innerarity no seu último livro, O Futuro e os seus Inimigos - agora traduzido pela Teorema -, se há hoje consenso sobre a política, é que ela já não é o que era: uma actividade apreciada, dotada de autoridade e de prestígio, geradora de entusiasmo colectivo e merecedora de confiança. Foram muitos os factores que conduziram a esta transformação que, mais do que à despolitização da sociedade, conduziu sobretudo à dessacralização da política, à sua banalização. O que coloca a democracia numa nova fase, cada vez mais marcada pela suspeita e pela indiferença.

É por isso que, em períodos eleitorais, é essencial que o eleitor defina com clareza alguns critérios sobre as opções a fazer, não se deixando arrastar na "enxurrada" do marketing. Só assim conseguiremos sair do arrastado "pesadelo momentâneo" em que, como há dias dizia Eduardo Lourenço, Portugal tem vivido nos últimos tempos.

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