sexta-feira, 13 de maio de 2011

UM “MAPA COR DE ROSA” MENTAL...




MARTINHO JÚNIOR

É do domínio público o excelente relacionamento que o governo português sob liderança de José Sócrates teve com o regime de Kadafi, sobretudo a partir de 2003, na esteira dum colar de componentes da União Europeia, a começar pela Itália e a acabar na própria Grã Bretanha.

De então até ao princípio do ano corrente houveram vários encontros que chegaram a ter pompa e circunstância, selando para a posteridade, com direito a fotos oficiais e muitos sorrisos, a “amizade” forjada em “frutuosos negócios”, “oportunas parcerias” e “convincentes políticas” de “abertura”…

A 19 de julho de 2009 dizia assim o Jornal de Notícias dando relevo a uma reportagem da Agência Lusa (http://www.jn.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=969689&page=-1):

“O primeiro-ministro português, José Sócrates, considerou hoje, em Tripoli, que os projectos de investimento mútuos entre Portugal e a Líbia são muito ambiciosos, sublinhando que o ideal será equilibrar a grandemente desfavorável balança comercial portuguesa com a Líbia.

Em declarações à agência Lusa, após um encontro com o líder líbio, Muamar Kadafi, o chefe do executivo de Lisboa salientou a importância de um acordo global de cooperação hoje assinado bem como de quatro memorandos de entendimento que irão permitir equilibrar a balança dos pagamentos entre os países.

Portugal importa da Líbia cerca de 1.500 milhões de euros, maioritariamente petróleo, e apenas exporta produtos no valor de 10 milhões de euros. As autoridades líbias manifestaram-se totalmente disponíveis para a necessidade de reequilibrar as nossas contas, realçou Sócrates”.

O Governo português, acompanhado de alguns bancos e empresas portuguesas, adoptaram em relação à Líbia, inteiramente, o figurino neo liberal em voga, seguindo aliás os parceiros europeus como a Grã Bretanha, a Itália, a França e a Alemanha, alguns dos principais países que com o regime de Kadafi tinham excelentes relações comerciais.

Um relatório do BES (http://www.bes.pt/sitebes/cms.aspx?plg=2a072a44-36fb-4840-b254-755eb56b5081) ilustra bem a expressão da balança comercial bilateral Portugal – Líbia e do crescimento da presença de empresas portuguesas na Líbia em 2009.

Depois de Kadafi ter sido recambiado para o cesto dos “usa deita fora” pelo império anglo-saxónico, sob a acusação de assassinato de civis, não se dando oportunidade a outras alternativas senão o caminho da guerra, todos eles tinham balanças económicas que pendiam para o lado da Líbia e todos eles são devedores nas suas contas correntes.

Portugal teve o comportamento típico: como nos velhos tempos do “mapa cor de rosa” e numa altura em que a crise económica e financeira que o atinge não recomenda aventuras, assumiu a mentalidade da submissão e preocupou-se em demonstrar que afinal de há muito aprendera a lição, pela via de sua posição no próprio Conselho de Segurança da ONU onde cumpre mandato e missão de submissão.

Segundo Manlio Dinucci, um analista “expert” sobre a Líbia, “graças às suas ricas reservas de petróleo e gás natural, a Líbia tem uma balança comercial positiva de US$27 mil milhões por ano e um rendimento per capita médio-alto de US$12 mil, seis vezes maior que o do Egipto. Apesar de fortes diferenças entre rendimentos altos e baixos, o padrão de vida médio da população da Líbia (apenas 6,5 milhões de habitantes em comparação com os cerca de 85 milhões no Egipto) é portanto mais elevado do que o do Egipto e de outros países da África do Norte. Testemunho disso é o facto de que cerca de um milhão e meio de imigrantes, principalmente norte-africanos, trabalha na Líbia. Uns 85 por cento das exportações líbias de energia vêm para a Europa: a Itália em primeiro lugar com 37 por cento, seguida pela Alemanha, França e China. A Itália também está em primeiro lugar em exportações para a Líbia, seguida pela China, Turquia e Alemanha” (http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/libia-no-grande-jogo-da-nova-particao.html).

Por outro lado, a Líbia disseminou fundos pela Europa e por outros Continentes (incluindo África), aproveitando as próprias regras do mercado neo liberal.

Esses fundos resultam dum contínuo fluxo de dividendos que têm por base dois factores extremamente favoráveis:

1 – Por um lado o petróleo líbio tem custos de exploração extremamente baixos (tão baixos quanto os da Arábia Saudita).

Segundo Michel Chossudovsky, “o petróleo líbio é uma mina de ouro para os gigantes petrolíferos anglo-americanos. Embora o valor de mercado do petróleo bruto esteja actualmente pouco acima dos 100 dólares por barril, o custo do petróleo líbio é extremamente baixo, tão baixo como US$1,00 por barril (segundo uma estimativa). Como comentou um perito do mercado algo cripticamente:

"A US$110 no mercado mundial, a simples matemática à Líbia confere-lhe uma margem de lucro de US$109".  (Libya Oil, Libya Oil One Country's $109 Profit on $110 Oil, EnergyandCapital.com March 12, 2008)”, (http://resistir.info/chossudovsky/libia_09mar11.html).

2 – Por outro lado, a Líbia e a zona principal da exploração do petróleo no seu território (golfo de Sirtre), está relativamente próximo da Europa (tal como acontece com a Argélia).

Enquanto o petróleo da Arábia Saudita sai do Mar Vermelho, o da Líbia sai do Mediterrâneo, com a Itália muito próxima e ligada por conduta de exportação.

Isso quer dizer que os custos de transporte, desde as explorações até às refinarias e destinatários em rede, são muito mais baixos que os da maioria de produtores.

Em relação a Portugal há em síntese três questões a considerar:

1 – A dívida corrente de Portugal à Líbia, uma vez que a balança económica pendia tão favoravelmente para a Líbia.

2 – Os fundos líbios (públicos ou privados) que se encontram em Portugal.

3 – Como serão no futuro as relações com a Líbia.

O governo português condenou o regime de Kadafi, votou a favor da Resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, mas confirmou que não participaria nas acções militares.

Se Portugal não pretende prestar mais contas à Líbia é uma coisa, mas ao cidadão português e a todos aqueles que possuem interesses em Portugal, assiste o direito de questionar essas contas, por razões óbvias:

1 – Qual o valor da dívida corrente de Portugal à Líbia?

2 – Há fundos e bens líbios congelados em Portugal ou não? Se sim quais os valores apurados e provenientes de onde, ou de quem?

3 – Em que bancos, instituições ou empresas se encontram os fundos eventualmente congelados?

4 – Que tipo de congelamentos sobre eles recaíram?

5 – Como se poderá comprovar a sua existência e que fiscalidade existe que garanta a manutenção desse congelamento?

6 – Quando e a quem vai pagar Portugal a dívida corrente para com a Líbia?

7 – Qual o destino das empresas portuguesas operadoras na Líbia, bem como qual o destino de seus interesses?

8 – Como se vão reparar os prejuízos causados a elas em função da decisão de Portugal e dos Europeus?

9 – Que garantias existem de se saber a verdade com fiabilidade, quando se têm constatado sucessivas interpretações (senão manipulações) sobre as contas públicas portuguesas?

10 – Serão os congelamentos e os não pagamentos à Líbia convertidos em activos na balança da crise e da prestação de contas após o acordo com o FMI, Banco Central Europeu e Comissão europeia?

11- Serão esses congelamentos mantidos em circuito fechado a fim de os entregar um dia à Líbia? Quando e a quem?

12 – Por que razão há tanto silêncio sobre este assunto?

O “diktat” anglo-saxónico do império está a transformar Portugal cada vez mais submisso e os portugueses em mercenários.

A título de exemplo e conforme os conceitos do Felino 2010, os militares portugueses não escondem perante os outros componentes da CPLP a “passagem de mensagens” que estão a ser produzidas a partir da OTAN e do AFRICOM, como se fossem discretas “correias de transmissão” desses conceitos.

Angola que possui um nível de relacionamentos económicos, financeiros, comerciais e sócio-culturais superiores aos relacionamentos de Portugal para com a Líbia, deveria estar atenta a esse contencioso, tendo em conta as prevenções que têm forçosamente de haver em relação ao futuro, numa altura em que alguns analistas, além do mais, expressam que os Estados Unidos estão dispostos a “redesenhar” o mapa político de África, numa segunda edição da Conferência de Berlim.

Há fundos angolanos de diversas origens em bancos, instituições e empresas portuguesas, de acordo com estratégias que eu tenho contestado, pois esses fundos, particularmente os provenientes da SONANGOL, deveriam ter sido prioritariamente empregues na África Austral, na África Central e no Golfo da Guiné, as regiões onde Angola pode ter outra presença e coordenações económicas, financeiras e comerciais importantes.

A ideia das “parcerias público privadas” por outro lado, passou como uma osmose, dos governos de José Sócrates para o governo de José Eduardo dos Santos, pelo que a nebulosa financeira nos relacionamentos entre Portugal e Angola está por definir e demonstrar em muitos dos seus aspectos e componentes.

Os contenciosos financeiros de Portugal para com a “troika”, estão a pôr em causa as “parcerias público privadas” em Portugal, mas nada se refere sobre interesses angolanos que, eventualmente, “apanham por tabela”…

A quem prestam contas esses interesses, como, com que garantias e fiscalidades?

Angola está a salvo de um dia se vir a transformar numa Líbia, quando há já instalados factores “teleguiados” de manipulação e ingerência que podem tentar fazer eclodir fenómenos similares aos das revoltas árabes, ou “redesenhar” o mapa político angolano?

Esperemos que o “mapa cor de rosa” mental, um assunto tipicamente português (o rosa é a cor dilecta do Partido Socialista) não chegue a Angola por via das “parcerias público privadas”, ou de outros módulos de ingerência de que os tutores de globalização são férteis “produtores”…

Martinho Júnior - 10 de Maio de 2011

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