Para quem não possua muita capacidade financeira para, de forma extensiva, averiguar “deep inside” até que ponto Angola está a encontrar soluções no sentido de se conseguir melhor qualidade de vida para todo o seu povo, há uma alternativa: buscar uma “amostra” do que se está a fazer em áreas rurais onde a produção familiar, em regime de habitat disperso alternada com pequenos aglomerados junto a uma estrada principal, seja importante.
Buscar essa “amostra” nas vastidões rurais torna-se possível se desde logo se levar em consideração o tipo de habitat existente no pais, que se associa intimamente ao perfil orográfico e às questões mais dinâmicas de natureza ambiental.
O perfil orográfico do país é para esse efeito, um elemento-chave a levar em consideração.
Angola possui no continente três regiões fundamentais:
- A planície do litoral a oeste;
- A cadeia montanhosa que constitui uma espécie de “espinha dorsal” estendendo-se de norte a sul em paralelo à costa;
- O planalto interior na vasta extensão a leste da cadeia montanhosa (cerca de 2/3 da superfície total terrestre).
- A cadeia montanhosa que constitui uma espécie de “espinha dorsal” estendendo-se de norte a sul em paralelo à costa;
- O planalto interior na vasta extensão a leste da cadeia montanhosa (cerca de 2/3 da superfície total terrestre).
A planície do litoral ao longo de toda a costa atlântica angolana possui uma largura que oscila entre estrangulamentos de cerca de 30 km (região da Canjala – Colango) até aberturas que chegam a 200 km (planície costeira do rio Quanza), na direcção oeste – este.
As maiores altitudes não vão muito além dos 250 metros na planície litoral.
O litoral possui a sul climas e ambientes desérticos (deserto do Namibe) e, à medida que na direcção norte nos afastamos da foz do rio Cunene, encontram-se climas tropicais secos, semi-desérticos, até se chegar a climas tropicais de transição para o tropical húmido a norte do rio Quanza, em alguns casos com povoamento florestal com manchas de maior ou menor vastidão acompanhando o curso dos rios.
A corrente fria de Benguela é determinante para os ambientes e climas da planície costeira angolana que duma forma geral possui concentrações importantes de população (Luanda e Benguela – Catumbela – Lobito), sendo raro o habitat disperso.
A cadeia montanhosa que se ergue em paralelo à costa de norte a sul vai desde as serras da Canda e de Mucaba, até à serra da Chela, com alargamentos em algumas regiões como a que vai do Pundo (na província de Benguela) à cidade do Huambo.
As maiores altitudes atingem mais de 2.000 metros e o monte Moco é o maior cume de Angola, na região do Londuimbale, na Província do Huambo.
A cadeia montanhosa está cheia de micro climas e ambientes muito diversificados; é extremamente arejada com ventos provenientes de sudoeste que passam sobre a corrente fria de Benguela, mas por vezes é também varrida por correntes que provêm do planalto.
Em toda essa cadeia e sobretudo nos cumes, as vantagens eólicas são importantes, mas em Angola, por muito estranho que se pareça, a produção de energia eólica, recomendável para o consumo em pequenas comunidades e em habitat disperso, praticamente não existe, optando-se pela construção, ao que se faz constar, de 40 mini barragens que produzirão muito para além da capacidade de consumo local!
Os climas variam desde o tropical de altitude a tropical húmido, com os vales dos rios a gerarem muita diversidade em termos de temperatura, humidade, descargas de chuva, pressão atmosférica, cobertura florestal…
O vasto planalto apresenta-se num declive suave de oeste para leste, com algumas foças fluviais na Lunda e no sul do Moxico, com altitudes que vão dos 1.500 metros, a oeste, até pouco mais de 900 metros ao longo dos afluentes do Cassai e do Zambeze.
Predomina a grande savana africana, mais fechada junto dos rios, com uma enorme concentração de água subterrânea na região central das grandes nascentes, que coincide praticamente com o centro físico-geográfico do país.
A densidade demográfica vai diminuindo à medida que se caminhar para o leste e, no sul do Moxico e no Cuando Cubango, as actividades principais são de auto subsistência e ainda com poucas possibilidades de rentabilização comercial.
A matriz da água de Angola está nos limites entre o Huambo e o Bié, mas o maior rio inteiramente angolano, o Kwanza, nasce no canto sudeste do Bié.
A região onde predomina o habitat humano mais disperso, combinado com pequenos aglomerados, é a cadeia montanhosa, desde a Canda à Chela.
Esse habitat só é ultrapassado em termos de dispersão pela parte leste de Benguela e oeste do Huambo, precisamente onde existem as mais elevadas montanhas do país.
É em províncias como a do Uíge (por exemplo Quitexe), a do Cuanza Sul (por exemplo Gabela – Quibala), ou Benguela (Canjala – Colango – Monte Belo) que se torna mais fácil chegar a comunidades onde existe produção agrícola familiar e tradicional mais rentável, até por que para essa rentabilização há escoamentos garantidos pela proximidade de estradas e dos grandes aglomerados urbanos do litoral (Luanda e Benguela – Catumbela – Lobito).
A região do triângulo Canjala – Colango – Monte Belo é muito interessante de se observar e estudar como “amostra” no conjunto destes exemplos, pois é nela que existe a maior altitude a cerca de 50 km em linha recta das praias do litoral, o monte Ulombe, o que é expoente de alternâncias de altitude que propiciam uma grande variedade de ambientes e de climas numa parcela relativamente pequena mas única do território nacional.
A população dessa região dispersa-se pelos vales de pequenos rios com declives acentuados e pelas montanhas circundantes.
As casas rurais existentes no Pundo são feitas em paus toscos recolhidos da floresta, cobertas de colmo e assentes sobre estrados também de pau que propiciam uma superfície horizontal sobre blocos de pedra que abundam nos declives.
Dessa forma os habitantes evitam os cursos de água que se disseminam na época das chuvas escorrendo nas vertentes pedregosas e garantem frescura e segurança nas instalações rurais de montanha.
Essas construções tradicionais são típicas do triângulo Canjala – Colango – Monte Belo.
Os pequenos mercados da Canjala e do Colango junto à estrada, que distam cerca de 50 km do porto do Lobito, são demonstrativos duma imensa variedade de produtos, que vão desde os hortícolas, à batata doce, ao tomate, ao abacaxi, ao amendoim, à cana de açúcar, à banana, ao mel…
A população possui também animais domésticos, galináceos e cabritos; só no Monte Belo existem boas condições para a criação de gado bovino.
As famílias que vivem da agricultura na região vêm vender nesses pequenos mercados que são paragem obrigatória para quem circula nas estradas que se dirigem à enorme concentração de Benguela – Catumbela – Lobito.
São quase sempre mulheres jovens que fazem a venda, pois os mais velhos preferem estar nas lavras, enquanto os rapazes ocupam outras actividades.
Junto ao pequeno mercado do Colango grupos de rapazes organizaram um centro de lavagem de viaturas a céu aberto, com motobombas que sugam a água do rio do mesmo nome, junto à ponte.
No Colango as pessoas aparentam boa saúde, estão relativamente nutridas, luzidias e viçosas, demonstrando alegria de viver e sem timidez nos pequenos negócios típicos do mercado de produtos rurais.
A pequena localidade possui um centro administrativo, escolas, posto de saúde e beneficia de iluminação nocturna obtida a partir de painéis solares.
Algumas habitações são cimentadas e pintadas, possuindo muitas famílias pequenos geradores que lhes dão outra autonomia energética.
Em algumas casas há antenas de televisão.
Os meios de locomoção mais vulgares são as motorizadas, mas por causa dos declives, não há outra alternativa em muitas lavras se não ir a pé.
Na região junto das estradas predominam aqueles que durante as guerras após a independência estiveram de armas na mão do lado do MPLA, no interior, dispersos nas montanhas, aqueles que estiveram do lado da UNITA, mas foi-nos informado que há bastante harmonia entre todos, uma vez que há laços familiares antigos entre uns e outros.
Os combatentes formaram cooperativas agrícolas que reforçam a produção local, apoiados pelos organismos vocacionados do Estado, do Governo da Província e da Administração local.
O Colango, no sopé do Pundo, está relativamente próximo da área onde se instalará a futura refinaria do Lobito e a meio caminho entre ela e a região de urânio de Monte Belo.
A “amostra” que constitui o Colango foi para mim revelador que, apesar dos desequilíbrios sociais existentes com um enorme foço de desigualdades, em pelo menos algumas regiões rurais, os substratos sociais camponeses podem viver já com um pouco de desafogo, com uma produção agrícola muito diversificada que tende a aumentar devido à imensa procura e à garantia de rápido escoamento.
Muitos traços de subdesenvolvimento mantêm-se e essa longa luta que se passa também, sob o ponto de vista antropológico, na profundidade das comunidades, será uma constante nas próximas décadas.
Aqueles que estiveram por dentro da implantação da lógica capitalista são capazes hoje de dizer que bastará a luta contra a pobreza para as comunidades rurais, todavia é evidente que tem de se ir muito mais longe, com impactos culturais que promovam bem estar e uma melhor distribuição da riqueza.
A agricultura de auto subsistência própria duma economia subdesenvolvida poderá vir a ser ultrapassada em comunidades rurais como a do Colango?
A resposta pela “amostra” que se recolheu é de que pode, a prazos relativamente curtos.
O acesso às máquinas e equipamentos não é para todos, mas em alguns casos as iniciativas em prol das cooperativas produzem dinamismos já com algum impacto.
Um dado me parece prevalecer: a população pode-se alimentar melhor em comunas como o Colango, que nas periferias das grandes cidades e isso na época que atravessamos, em que os custos em alimentação sobem de forma imparável a nível internacional, é de realçar.
Enquanto no Colango predominam os alimentos frescos da diversificada produção local, na periferia das grandes cidades muito do que se consome é proveniente de importação e os produtos não são frescos, possuindo inferior qualidade nutritiva, a preços normalmente muito mais elevados.
Apesar disso, não deixou de haver atracção populacional na direcção dos grandes centros do litoral angolano, embora as cidades e as pequenas comunidades do interior apresentarem indícios evidentes de recuperação humana e de melhorias na qualidade de vida.
Foto: Jovem mãe adolescente e seu bebé no mercado do Colango – foi ela que me vendeu uma garrafa de 1,5 litros de mel puro recolhido de colmeias da serra do Pundo, a 1.000,00 Kwanzas (o equivalente a 10,00 USD), preço de tabela em toda a região.
*Martinho Júnior foi colunista do semanário Actual, de Luanda, falido no último trimestre de 2004. Reproduzido no Informação Alternativa e em outras publicações. Para breve a publicação de um livro. Antigo combatente do MPLA na luta pelo resgate do colonialismo, do “apartheid” e das suas sequelas. Identificado com o povo angolano, mantendo um ponto de vista histórica e sociologicamente à esquerda do actual espectro político angolano. A vocação para a escrita redunda dessa identificação, tendo começado a publicar na última década do século passado. Texto publicado no site Página Global
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