quarta-feira, 27 de julho de 2011

O TERROR DOS RESSENTIDOS




Entrevista com Nicolas Lebourg*, no blog Droite(s) Extreme(s), do Le Monde - Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras

Estudioso da extrema-direita mostra de que modo a rejeição ao não-europeu e ao Islã alimenta atos extremos como os atentados em Oslo

A partir dos primeiros elementos da investigação sobre a matança de Oslo, surge a impresssão de que o cado de Anders Behring Breivik destaca o imaginário do “logo solitário”, difundido e transformado em mito pela extrema direita radical americana. Qual é a origem do “lobo solitário”?

A tática do “lobo solitário” foi inventada pelo norte-americano Joseph Tommasi em 1974, quando ele fundou o grupúsculo Frente de Libertação Nacional-Socialista. Com o “lobo solitário”, Tommasi pretendeu transformar a fraqueza dos neo-nazis em força. Já que não existe apoio algum à extrema-direita radical; já que o governo de Washington é apenas um fantoche atrás do qual se esconde o “Governo Sionista de Ocupação” (ZOG, em inglês); já que qualquer militar de extrema-direita é um possível espião do governo ou um agente sionista, é preciso passar a um terrorismo individual. Não há nenhum risco de fuga ou traição: trabalha-se sozinho, cada um se encarrega solitariamente de promover uma ação terrorista. Tommasi foi, ele mesmo, assassinado em 1975. A metodologia só se difunde a partir dos anos 1980.

O explosivo empregado, a mistura nitrato-carburante, também é característica desta cultura, não?

É um clássico terrorista inventado nos Estados Unidos em 1970. Um carro carregado com uma mistura de nitrato de amônio, um insumo agrícola fácil de encontrar, e de óleo. Para um “lobo solitário”, é um método simples e ideal. Foi o modo de operação básico para o atentato de Oklahoma, em 1995. Este atentado foi inspirado nos Diários de Turner1, a bíblia do terrorismo neo-nazi, publicada por William Pierce, co-fundador (com Tommasi) do Partido Nacional Socialista do Povo Branco, em 1969. Em Oklahora, um carro carregado com nitrato-carburante produziu 168 mortes, feridos num raio de 800 metros, mais de 300 imóveis destruídos. Obtém-se resultados quase-militares sem sequer dispor de aparato logístico ou de redes clandestinas para fornecimento de explosivos.

Há uma mudança na natureza da violência política de extrema direita, na Europa?

Na França, após a guerra da Argélia, a OAS [Organização Armada Secreta, frente de grupos de terroristas de extrema-direita que chegou a promover atentado contra o presidente De Gaulle], promoveu diversos atentados, mas havia forças de moderação em seu interior. Quando um quadro do grupo propôs que se metralhassem pessoas ou lançassem granadas em locais de concentração popular, outros ponderaram que tais meios não eram apropriados. Depois de 1968, houve um grande período de atividade, com enfrentamentos de rua contra os esquerdistas, que se estendeu até a dissolução do grupo Ordre Nouveau [organização francesa de extrema-direita criada em 1969], em 1973. Então, sem freios políticos, alguns ativistas tornaram-se soldados perdidos, passado do enfrentamnto ritualizado entre extremistas a atos terroristas racistas.

Houve em seguida casos de violência racista praticados por indivíduos ou bandos. Em todo caso, do terrorismo pós-1973 aos ataques contra minorias étnicas, o alvo não é mais o Estado, ou um grupo político. A violência instala-se no seio da sociedade, sobretudo contra populações imigrantes. E há alguns anos, surgem pequenos grupos que querem destruir os símbolos da “islamização” da Europa, como as mesquitas.

Deve-se notar que, desde os anos 1990, a extrema direita radical europeia sofreu, por meio da internet, uma grande influência da norte-americana. Os Diários de Turner foram traduzidos e difundidos livremente. O tema do “Governo Sionista de Ocupação”, contra o qual seria preciso entrar em “Resistência”, tornou-se clássico. Maxime Brunerie, um “lobo solitário” mal-sucedido, justificou sua tentativa de assassinar o presidente Jacques Chirac atribuindo-lhe a condição de “agente ZOG”. Após o 11 de setembro, a islamofobia cresceu nos Estados Unidos e se hibridizou com os elementos anteriores. No manifesto atribuído ao terrorista norueguês, ele evoca esta “Resistência” como forma de opor-se ao Islã.

Qual o papel jogado pelas temáticas islamofóbicas?

Há diversas fases, porque a islamofobia é uma mitologia vasta, que serve a diversas clientelas políticas.

Com guerra da ex-Iugoslávia difundiram-se, a partir da extrema-direita radical e da esquerda reacionária, argumentos sérvios atacando a “islamização da Europa” e associando o islamismo ao nazismo. Após o 11 de setembro, os neo-conservadores norte-americanos desencadearam uma luta contra o “islamo-fascismo” e deslocaram, para o Islã, o antigo discurso sobre a “subversão comunista” (“agentes infiltrados” no interior da sociedade, “centralização” do terrorismo etc). Estes argumentos tiveram grande sucesso – ainda que nenhum historiador confirme esta assimilação polêmica, e que o islamismo seja um fenômeno muito diferente dos fascismos.

O discurso do terrorista norueguês, que atribui a responsabilidade pela “islamização da Europa” à esquerda, não está muito distante do que costumamos ouvir na França. Nos anos 1970, de maneira marginal, o Ordre Nouveau e o Front National [partido francês de extrema-direita] asseguravam que a esquerda apoiava a imigração para poder contar com um exército revolucionário de reserva.

Há alguns anos, a galáxia arabófoba e os a ultra direita israelense desenvolveram um discurso que associava as populações europeias de origem árabe ao islamismo, este aos fascismos (os “nazislamitas”) e a esquerda ao colaboracionismo [apoio aos invasores nazistas, por governos e partidos políticos, durante a II Guerra Mundia].

Criou-se o mito da “Eurábia”, uma espécie de similar islamofóbico ao mito anti-semita dos Protocolos dos Sábios de Sião. Este conspiracionismo e este horror ao outro difundem-se mais facilmente quando são apresentados como a “resistência” contra um “fascismo” ou uma “ocupação”. Tal discurso não se restringe à extrema direita radical: é compartilhado por intelectuais e políticos. A islamofobia torna-se, na Europa uma ideologia popular, um mito mobilizador capaz de alimentar os “lobos solitários” radicais.

* Nicolas Lebourg é historiador e especialistas em extrema direita e violência política no Centro de Pesquisa Histórica sobre as Sociedades Mediterrâneas (CRHiSM), da Universidade de Perpignan, França

1 “Diários de Turner”, romance escrito em 1978 por William Luther Pierce, líder da organização nacionalista branca National Alliance. Foi associado a diversos atentados terroristas, inclusive a explosão do prédio do FMI em Oklahoma (1995), que matou 168 pessoas e feriu 680.

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