quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cabo Verde: O novo presidente que sonha com a livre circulação no espaço da CPLP




ANTÓNIO RODRIGUES – i ONLINE

ENTREVISTA

Jorge Carlos Fonseca foi eleito para a presidência de Cabo Verde apoiado pelo principal partido da oposição, mas garante cooperação com o governo

Jorge Carlos Fonseca diz que tem muitos amigos em Portugal, nos diversos quadrantes políticos, no mundo académico e empresarial. "Estudei em Portugal, fui professor na Faculdade de Direito de Lisboa durante muitos anos e na universidade em Macau. Tenho muitos amigos na área social-democrata e na área socialista, e portanto sempre que possível potenciarei esses conhecimentos e amizades em prol do desenvolvimento de Cabo Verde". Ao i, por telefone, dá a sua primeira grande entrevista depois da vitória na segunda volta das presidenciais cabo-verdianas de domingo, onde derrotou Manuel Inocêncio Sousa, do PAICV, o partido que vai na terceira maioria absoluta no parlamento.

Durante a campanha chegaram a dizer que se fosse eleito ia fazer oposição ao governo desde a presidência.

Isso são acusações de campanha. Toda a gente sabe que as relações entre o governo e o presidente da República estão traçadas e balizadas pela Constituição e, num sistema como o de Cabo Verde, desde que o governo tenha um suporte maioritário no parlamento, as hipóteses de demissão do governo ou de dissolução do parlamento são praticamente inexistentes. Isto quer dizer que a estabilidade do governo depende mais de uma maioria parlamentar que do presidente da República. Agora naturalmente que a estabilidade governativa não quer dizer que o presidente não tenha voz própria e, se for necessário, deve exercitar os poderes que a Constituição lhe confere.

Mas a verdade é que a sua candidatura foi apoiada pelo Movimento para a Democracia (MpD), o maior partido da oposição. Ou seja, a sua visão é diferente da do governo de José Maria Neves, do PAICV. Não poderá isso criar conflitos institucionais?

Apresentei a minha candidatura irreversível em Novembro de 2010, muito antes das legislativas - portanto, não sabia quem ia ganhar as eleições - e muito antes de ter o apoio político formal do MpD. Depois, não sou membro de nenhum partido desde 1998 e o meu percurso político sempre foi marcado pela independência de pensamento e pela autonomia. Isso mesmo foi sublinhado pelo presidente do MpD várias vezes junto dos seus militantes. Além disso, tive o apoio do Grupo Independente para a Mudança do Sal (GIMS) - que lidera a Câmara Municipal do Sal -, do presidente da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID), e ainda de várias personalidades independentes. E a minha candidatura é geneticamente independente e de cidadania.

Manuel Faustino, o seu mandatário nacional, diz que irá exercer como presidente uma magistratura de influência. Quais são as virtudes e as limitações dessa magistratura?

Respeitando as competências do governo e cooperando lealmente com ele, serei um presidente atento aos problemas do país - que tem grandes problemas e desafios por vencer, como o desemprego, o crescimento acelerado da economia, a contenção da insegurança a níveis suportáveis comunitariamente, a credibilização da justiça, o aprofundamento do poder local democrático, o debate sobre a regionalização. Se o presidente é eleito directamente pelos cidadãos - e tem uma legitimidade democrática directa -, deve estar atento aos problemas e tentar ajudar a resolvê-los. Em cooperação com o governo, mas sempre em diálogo com a sociedade cabo-verdiana. Quero com isso dizer que serei um presidente com voz própria, que intervirá na medida do necessário para dar uma contribuição positiva e construtiva para a resolução dos grandes problemas nacionais. Mas serei sobretudo um lutador intransigente pela afirmação da democracia pluralista, do Estado de direito moderno e um grande defensor da Constituição.

Acha que a democracia cabo-verdiana está preparada para a coexistência de um presidente e de um governo de partidos diferentes?

Seguramente. Se o povo cabo-verdiano elegeu pela primeira vez um presidente que não é apoiado pelo partido do governo, se antes disso havia estudos de opinião - e até os resultados da primeira volta mostravam isso - que diziam que uma boa maioria preferia um presidente de cor diferente do governo, isso mostra uma enorme maturidade democrática dos cabo-verdianos, que, perante a terceira maioria absoluta seguida do partido do governo, pensou ser bom ter na presidência um factor de equilíbrio no sistema de poderes.

Quando se lançou nesta candidatura pensava chegar à vitória?

É a segunda vez que me candidato e desta vez, naturalmente, procurei reunir todas as condições políticas para ter sucesso. Por isso é que uma das primeiras fases da candidatura foi, além de reunir os apoios na sociedade civil, procurar o apoio político de um dos grandes partidos políticos nacionais, no caso, o MpD, o que tornava as coisas mais credíveis em termos de hipóteses de vitória. Evidentemente, com a dinâmica da candidatura, sobretudo quando vi antes da primeira volta a onda de apoio a crescer - com o apoio do MpD, com o apoio do GIMS, com o apoio da Internacional Democrata do Centro (IDC), com o apoio de personalidades ligadas ao PAICV -, percebi que tinha um arco de apoiantes vasto e diversificado. E quando, na primeira volta, fiquei em primeiro lugar, com 37,3% dos votos, senti que tinha todas as condições para ganhar.

Qual foi a grande diferença em relação às campanhas de 2001 e de 2011?

Em 2001, eu não tinha o apoio de nenhum dos partidos de Cabo Verde. Em segundo lugar, disputava as eleições com as duas figuras de referência histórica do país: Pedro Pires pelo PAICV e Carlos Veiga pelo MpD. Vínhamos de um contexto de duas maiorias qualificadas do MpD. O contexto político era completamente diferente em 2001, em que as hipóteses de ganhar eram diminutas.

O facto de o PAICV se ter apresentado dividido nestas eleições - com as candidaturas de Manuel Inocêncio Sousa (que perdeu na segunda volta) e de Aristides Lima - também ajudou à sua vitória?

Muitos comentadores políticos fazem essa leitura. Mas também se pode fazer uma leitura diferente. Eu tive 60 e poucos mil votos na primeira volta e agora creio que estou perto dos 98 mil; os meus votos na segunda volta ultrapassam os votos somados dos dois candidatos do PAICV na primeira, querendo isto dizer que ganharia as eleições na segunda volta, mesmo que - por hipótese académica - todos os votos de Aristides Lima tivessem sido transferidos para o meu adversário na segunda volta. Creio que conquistei muitos votos da abstenção, já que o entusiasmo e a dinâmica da candidatura foram muito fortes, sobretudo depois de ter ganho a primeira volta por uma margem de 9 mil votos. Mas posso dizer-lhe uma coisa: preferia ter ido a votos apenas com um candidato do PAICV.

Falou nos limites constitucionais que não permitem ao presidente, em condições normais, demitir um governo com maioria. Em que condições pensaria nessa possibilidade?

A Constituição permite que o presidente dissolva o parlamento em casos de grave crise institucional, que ponha em causa o funcionamento normal das instituições democráticas, mas isso são situações excepcionais. Nenhum presidente que tenha o mínimo de ponderação e experiência vai dissolver um parlamento se o governo tem maioria. Portanto as pessoas podem ficar tranquilas: se o partido do governo tem uma maioria absoluta, governa tranquilamente.

Quando um governo não consegue garantir os serviços básicos à população - como a água e a electricidade -, não será caso para pensar na demissão do governo?

Já disse claramente que o meu estilo de actuação como presidente da República não será ausente. Darei sempre a minha opinião, a sociedade ouvir-me-á sempre que necessário. Falarei com o governo para encontrar soluções para resolver esses problemas, já que não é normal que a capital do país viva na situação em que vive neste momento, com cortes quase permanentes de energia e água. Aí o presidente não pode ficar de braços cruzados. Mas uma coisa é interagir, pelo diálogo, pela opinião, por influência política e moral, outra coisa é desencadear mecanismos que a Constituição prevê que só sejam usados em situações bem determinadas.

Já escolheu os nomes que o vão acompanhar na presidência?

Não, não. Estou ainda na fase de pós-vitória, com as comemorações populares. Vou pensando nisso. Ainda não está marcada a data da tomada de posse, vou aguardar a data para ir acertando algumas coisas.

Quando se calcula que venha a tomar posse?

Espero que entre a data das eleições e da posse haja pelo menos um mês. Eu tinha uma vida profissional, sou professor universitário; como presidente de uma instituição universitária, tenho de arrumar as coisas. Também tenho um escritório de advogados. A seguir tenho de arranjar um grupo de colaboradores e para que a tomada de posse tenha o mínimo de dignidade é preciso tempo.

Já convidou o Presidente Cavaco Silva para estar presente na cerimónia?

Recebi dele uma mensagem de felicitações; também recebi do primeiro-ministro Passos Coelho e de vários políticos portugueses, do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e, naturalmente, gostaria de ter aqui a presença na tomada de posse das mais altas individualidades da política portuguesa.

Vai aproveitar a sua experiência como ministro dos Negócios Estrangeiros e os seus poderes como presidente para ter uma política externa paralela à do governo?

Não. O presidente tem algumas competências na área das relações internacionais, já que é o mais alto representante da nação e do Estado. Procurarei concertar com o primeiro-ministro as áreas privilegiadas de intervenção do presidente no plano externo. Por exemplo, na representação do Estado nas relações que temos com a América, com a Europa, com África, talvez possa haver um acordo para uma espécie de divisão de relações privilegiadas nessa área. Posso, em cooperação com o governo, ter ideias que ajudem o país a desenvolver uma política externa mais eficaz, mais audaz e que potencie as parcerias que tem neste momento. Uma outra visão sobre as relações com o continente africano - uma relação forte, mas também aberta, franca, em que trabalharemos para que a África do futuro seja uma África que respeite os direitos humanos, uma África de desenvolvimento, uma África democrática e uma África onde predominem os estados de direito.

Quais seriam as áreas que gostaria de chamar para si?

Ainda é cedo. Não tomei posse ainda, não falei com o primeiro-ministro. Bom, uma possibilidade é o presidente representar Cabo Verde nas relações com os países de língua portuguesa. Mas isso são questões que serão acertadas com o chefe do governo, numa relação cordial.

Qual é a sua perspectiva em relação à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)?

É uma instituição muito importante para os nossos países. Creio que muito tem sido feito nos últimos anos, mas estou em crer que ainda há muito por fazer. A minha ideia pode ser utópica, mas é trabalhar com os chefes de Estado e de governo que têm o português como língua oficial para transformar cada vez mais a CPLP numa verdadeira comunidade de povos, mais do que numa comunidade de estados. Só nos poderemos sentir pertencentes a uma comunidade se, por exemplo, pudermos circular livremente por esse espaço. Claro que a livre circulação não é fácil, mas deve-se trabalhar com vontade política e imaginação para que isso venha a ser possível no futuro. Muito pode ser feito para transformar a CPLP em algo mais consistente, mais prestigiado e mais influente no plano internacional.

1 comentário:

Anónimo disse...

Espero que esse novo presidente de Cabo Verde não fique fazendo dívidas com o Brasil, para depois pedir perdão das mesmas.

Atitude vergonhosa essa, Cabo Verde achar que pode se endividar com o meu país, e não se sentir na obrigação de pagar !!!

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