quinta-feira, 4 de agosto de 2011

DEZ ANOS APÓS O 11 DE SETEMBRO, GUANTÁNAMO ESPERA POR DECISÃO POLÍTICA


Prisão de Guantánamo abriga atualmente 171 presos, muito abaixo dos mais de 700 que chegou a ter em 2002 - Foto: Carlos de Vega/Terra

CARLOS DE VEGA, direto de Guantánamo - TERRA BRASIL

A chegada a Guantánamo segue sendo tão complicada como a história da base. O pequeno avião em que o voo, junto a vinte militares e contratados pelo Pentágono, é proibido de entrar no espaço aéreo cubano.

A volta que é preciso dar nas águas internacionais do Oceano Atlântico transforma um trajeto de menos de uma hora em um interminável voo de mais de três horas. Guantánamo ocupa pouco mais de 72 km² do território cubano. O governo dos Estados Unidos se utiliza de um contrato de aluguel - firmado depois da guerra contra a Espanha em 1903 -, que não tem data para expirar e que nunca foi reconhecido por Fidel Castro.

Oito mil militares vivem e trabalham em Guantánamo. Apenas um quarto deles na prisão, um dos mais claros símbolos da chamada "Guerra contra o Terrorismo", que começou com os ataques de 11 de setembro de 2001.

Dez anos depois, muitas coisas mudaram. Dos mais de 700 presos que o local chegou a abrigar em 2002, restam 171. As barracas de madeira e arame foram substituídas por módulos de segurança máxima com ar condicionado. Os interrogatórios com métodos como o "afogamento simulado" foram transformados em entrevistas voluntárias. Em um desses interrogatórios do passado que se aproximavam da tortura, os Estados Unidos obtiveram uma informação chave sobre o paradeiro de Osama Bin Laden. No entanto, o comandante da base, Jeffrey Harbeson, se nega a confirmar o fato qualificando-o como "informações que saíram somente na imprensa".

O dia em que caiu o líder da Al-Qaeda foi especial. Um carcereiro me conta que os presos estavam assistindo a Al Jazera quando a morte foi anunciada.

"Recordo que assistiram com total indiferença. Alguém se levantou da sala para avisar o resto o que havia acontecido. Nada demais", disse.

Todos os presos considerados "cérebros do 11/9", começando por Khalid Sheikh Mohammed, estão no Campo VII, um módulo situado em um lugar secreto do qual só tem conhecimento os comandantes da base.

"Só posso lhe dizer que são quinze pessoas, qualquer outra informação é reservada", me explica o coronel Donnie Thomas, responsável pela prisão.

Nem os advogados militares sabem onde eles estão. Quando precisam falar com seus clientes, suas cabeças são cobertas durante o trajeto.

Os "conspiradores" e o restante dos presos estão submetidos desde 2006 a um sistema de comissões militares em que o próprio exército dos Estados Unidos os julga para decidir se seguem sendo perigosos ou se merecem uma mudança de categoria que permita que eles sejam entregues a outro país. É a única saída legal que têm. No entanto, continuam cumprindo anos de prisão sem que tenham sido condenados por qualquer delito.

"Sabemos que estão aqui sem uma condenação, mas nós somos apenas militares encarregados de cuidar deles. Todo o resto são decisões políticas", disse o comandante da base, Jeffrey Harbeson.

No módulo VI, os presos penduraram nas grades do pátio interno cartolinas com mensagens pedindo justiça. "Queremos mais comunicação com nossas famílias", pede uma delas. O protesto de alguns chega à greve de fome. "Agora mesmo há quatro que se negam a comer", me diz um dos médicos. Um direito do qual não podem desfrutar. Os militares introduzem um tubo de borracha em seus narizes e os alimentam. O médico confessa que existem presos que vivem anos assim, algo que não tem precedentes na história da medicina. A rebeldia paga caro em Guantánamo.

As celas de segurança máxima são individuais. A intimidade não existe. A cada três minutos um soldado observa o que preso está fazendo, no pouco tempo que podem ver televisão ,são amarrados, não possuem nenhum contato com os outros presos.

Nas frias celas do módulo V, está a "vida fácil" dos presos com bom comportamento do módulo VI. Os responsáveis me apresentam as instalações de que desfrutam. Uma biblioteca com 15 mil livros em 18 idiomas e os desenhos que fazem em suas aulas de arte. Barcos, paisagens árabes e muito céu azul. "O professor os entrega um modelo e eles modificam com a imaginação", conta a bibliotecária Ramonita Rodríguez.

Neste módulo, ss detentos convivem juntos. Podem ver televisão, ler os jornais, jogar futebol, assistir a aulas de informática, inglês ou economia, e escolher seu cardápio entre seis opções diárias: vegetariano, rico em fibras, leve, etc. Somente em comida, o Pentágono gasta US$ 2,5 milhões por ano em Guantánamo.

O assessor cultural da prisão explica que tudo tem uma finalidade, porque se "os detentos tem algo para fazer, responsabilidades, é mais fácil que estejam satisfeitos, que não criem tantos problemas".

A estrela das instalações é um serviço médico que todos têm acesso vinte e quatro horas por dia. Um médico para cada 45 presos, um proporção dez vezes maior da qual desfrutam os americanos que vivem em liberdade.

Desde que Obama se tornou o presidente dos Estados Unidos, em janeiro de 2009, não chegaram mais presos. O número reduz à medida que outros países os acolhem. Quatro módulos da prisão de Guantánamo já estão vazios, embora o trabalho diário da prisão tenha mudado pouco. Ninguém aposta que Guantánamo vá fechar em breve. Os militares estão prontos. "Só precisamos de seis a nove meses para desmantelarmos tudo", garante o comandante Harbeson. Só falta uma decisão política que não chega.


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