sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Entrevista: DEFENSOR FALA SOBRE COOPERAÇÃO JURÍDICA COM TIMOR-LESTE





Brasília  – O Timor-Leste é um país asiático de língua portuguesa que obteve a independência definitiva somente em 2002, após guerra civil que destruiu infraestruturas e instituições. É nesse contexto que se insere o Projeto de Cooperação Técnica Brasil/Timor-Leste na Área da Justiça, que busca a reestruturação do sistema judiciário timorense. A missão tem apoio da ONU, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e participação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). -Fonte: Comunicação Social DPGU

Desde 2005, a Defensoria Pública da União tem, permanentemente, um Defensor Público Federal participando da missão brasileira com a função de capacitar e formar Defensores Públicos timorenses, e atuar em processos naquele país. Além de participar da cooperação, a DPU também promove viagens de estudo ao Brasil. Para falar sobre a colaboração com o país asiático, a Assessoria de Imprensa ouviu o Defensor Público Federal Rodrigo Esteves Rezende, que acaba de retornar ao Brasil, após atuar por quatro anos nesse programa.

Assessoria de Imprensa – O que motivou sua decisão de passar tanto tempo em um país distante, que conquistou a independência há menos de 10 anos?

Rodrigo Rezende – A atuação do Defensor Público está ligada, por natureza, à ajuda ao próximo. E foi com este espírito que decidi participar do projeto de fortalecimento do sistema judicial de Timor-Leste, após pesar prós e contras de me afastar da minha atuação típica como Defensor Público Federal de 1ª Categoria, da minha família, da carreira acadêmica e de tudo com o qual estava acostumado.

Na época, era chefe da DPU no Rio de Janeiro e mantinha atividades acadêmicas como professor universitário e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas. Apesar de tudo, era fascinante a ideia de contribuir para a construção de um estado democrático de direito, de uma nova nação e de uma instituição cujos princípios e ideais definiram minha escolha profissional, que é a Defensoria Pública, e no único país da Ásia a adotar esse modelo de acesso à Justiça.

AI – Quais as atribuições dos Defensores Públicos Federais brasileiros em missão no Timor-Leste?

RR – Eu fui designado para duas missões distintas em Timor-Leste. Na primeira, entre agosto de 2007 e julho de 2009, desempenhei as funções típicas de Defensor Público no âmbito de um acordo de cooperação firmado entre o PNUD e a ABC com o objetivo de capacitar os profissionais timorenses e treiná-los para a execução do ofício de Defensor Público.

Na segunda missão, que durou de julho de 2009 a julho de 2011, em razão da experiência até então adquirida, atuei como Defensor Público Assessor, auxiliando o Defensor Público-Geral de Timor-Leste a organizar e a desenvolver administrativa, normativa e institucionalmente a Defensoria Pública daquele país no contexto de um memorando de entendimento celebrado entre a DPU e a Defensoria timorense, que também contou com o apoio do PNUD.

AI – Como são as condições de vida e de trabalho naquele país?

RR – Timor-Leste é ainda um país em construção e, como tal, enfrenta um processo natural de organização normativa e administrativa em nível estatal, o que implica, necessariamente, um ambiente desafiador e repleto de obstáculos a serem superados. O intuito é identificar de que maneira a máquina administrativa e governamental timorense irá funcionar de forma mais efetiva e capaz de atender aos anseios da nação que se forma.

Os problemas de infraestrutura e recursos humanos fazem parte dos desafios que devem ser vencidos com o apoio dos internacionais, que devem ter paciência e buscar vias alternativas para alcançar os objetivos pretendidos, tendo muitas vezes que fazê-lo em poucas horas ou minutos, já que na Defensoria Pública se lida com situações emergenciais o tempo todo.

AI – Que desafios a DPU enfrenta na missão de consolidar o estado democrático de direito timorense?

RR – O ordenamento jurídico timorense foi inspirado no sistema legal de Portugal, onde, assim como nos demais países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), à exceção do Brasil, não se previu a Defensoria Pública como instituição estatal responsável por garantir o acesso à Justiça.

Nesse contexto, o sistema de Defensoria Pública, apesar de vigente no ordenamento jurídico timorense, enfrenta certa resistência por parte de profissionais internacionais oriundos de países onde não há modelo semelhante, em uma luta diuturna pelo equilíbrio entre as instituições do sistema judicial.

É também inegável que os princípios garantistas e democráticos que norteiam a Defensoria Pública esbarram em resquícios de inquisitorialismo presentes em um sistema judicial que ainda busca uma identidade e luta pela consolidação da democracia.

AI – A diversidade cultural e linguística influencia a Justiça de Timor-Leste?

RR – O sistema judicial formal de Timor-Leste passa por um processo de consolidação frente aos mecanismos tradicionais de Justiça utilizados cotidianamente pelas comunidades para a solução dos conflitos. Os costumes timorenses têm sido inevitavelmente absorvidos pelo sistema judicial formal, e a chamada “justiça tradicional” encontra-se em processo de regulamentação enquanto valioso mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos sociais.

A Defensoria Pública assume um importante papel nesse processo, na medida em que passa a se inserir nas comunidades e a conduzir as mediações com o intuito de compor os conflitos, evitando a movimentação desnecessária da máquina judiciária, mais lenta, e, por vezes, menos eficaz.

Apesar de o Português e o Tetum serem as línguas oficiais de Timor-Leste, apenas uma parcela muito pequena da população fala o Português, sendo certo que o ordenamento jurídico timorense tem por base a Língua Portuguesa, o que ainda limita o conhecimento e a compreensão da imensa maioria da população acerca de seus direitos e deveres legais.

AI – Estima-se algum prazo para a permanência da Defensoria Pública da União nessa missão de cooperação?

RR – Para se tornarem Defensores Públicos, os juristas timorenses têm que obter aprovação num curso de formação de dois anos e seis meses de duração. Desde a independência, foram formados apenas 16 Defensores Públicos, número insuficiente à promoção de acesso à Justiça aos quase um milhão de indivíduos carentes em todo território nacional.

Nesse cenário, os Defensores Públicos internacionais são importantes tanto para a prestação da assistência jurídica como para o processo de capacitação dos profissionais timorenses. Atento a isso, o Governo timorense traçou um plano estratégico para o desenvolvimento do sistema judicial nos próximos 30 anos, em que prevê a participação de profissionais internacionais para garantir o processo de formação e capacitação contínua dos seus juristas.

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