sexta-feira, 12 de agosto de 2011

LONDRES A ARDER




PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião

O primeiro-ministro britânico anunciou que irá tratar "com mão-de-ferro" os atos de criminoso vandalismo que nos últimos dias têm assolado as cidades de Londres, Manchester, Liverpool, Nottingham ou Birmingham... O que verdadeiramente se estranha é que a manutenção da ordem e a afirmação da autoridade do Estado não tenham sido asseguradas desde o início, o que certamente teria travado a escalada de violência que a expectativa de impunidade insuflou nos arruaceiros londrinos e rapidamente alastrou a outras cidades do Reino, prevenindo assim os danos irreparáveis que além da destruição de bens materiais provocaram, nos primeiros cinco dias, a morte de quatro vítimas.

Estes graves acontecimentos surpreenderam os governantes ausentes em gozo de férias que, relutantes, se viram obrigados a interromper. À semelhança da "primavera árabe" que assolou o Sul do Mediterrâneo no princípio do ano, alegadamente, ninguém previu que isto pudesse acontecer. À semelhança dos ativistas da Praça Tahrir, no Cairo, a velocidade das comunicações móveis dos rebeldes, também em Londres, parece ultrapassar a capacidade de discernimento dos governantes e a reação das autoridades. E se as semelhanças entre o Cairo e Londres ficam por aqui, também é verdade que, para outros, esta explosão de violência era há muito previsível. "Isto foi uma revolta que estava à espera de um pretexto", registava Mary Riddell no jornal "The Telegraph" de segunda-feira.

E o pretexto foi a morte de Mark Duggan, baleado pela polícia, até agora sem justificação, em Tottenham, no decurso de uma operação policial. Porém, os três jovens mortos em Birmingham, na madrugada de quarta-feira, não eram polícias nem arruaceiros: faziam parte de um grupo de cerca de 80 pessoas que se organizaram para montar guarda a uma "estação de serviço" da sua localidade, ameaçada de pilhagem. Haroon Jahan, mecânico de automóveis, com 21 anos, era o filho mais novo de Tariq que em vão o tentou ressuscitar. O pai, num emotivo apelo à calma, interrogava: "porque havemos de nos matar uns aos outros?" À noite, centenas de muçulmanos e hindus da comunidade local concentraram-se em vigília e entenderam não realizar a marcha pacífica que tinham previsto, para evitar provocações.

Mais do que bravatas a destempo, os cidadãos esperavam a proteção tempestiva das forças de segurança e firmeza na promessa de pronta reposição da ordem. Porém, o chefe do Governo preferiu a gíria militar para anunciar o lançamento de uma "contra-ofensiva" e, conforme noticiado na edição de quarta-feira do JN, mediu os adversários que escolheu e avisou-os: "Se vocês têm idade suficiente para cometer esses crimes, têm idade suficiente para enfrentar as punições". David Cameron dirigia-se aos adolescentes e às crianças que se têm destacado nos motins - o mais jovem de entre os autores das pilhagens até agora identificados tem apenas 11 anos. Esta linguagem belicosa e sedenta de retaliação destoa da sofrida contenção exibida pelos familiares das vítimas.

Pior do que isso: revela assustadora ligeireza na consideração dos motivos profundas deste surto de criminalidade urbana. "Crimes" não são a mera designação de qualquer ato abominável. São um conceito que estabelece um nexo entre a prática de um ato abominável e o seu autor, um juízo de censura sobre a conduta consciente de um adulto a quem se comina a respetiva sanção. Perseguir, julgar e condenar os criminosos responsáveis pelos assassínios, roubos e pilhagens é função essencial e diuturna do Estado. Reduzir a epidémica sublevação juvenil de que as cidades inglesas foram trágicas testemunhas, nos últimos dias, à mera criminalidade é estreita miopia. Nem chega acusar a "cultura dos gangues", denunciar o "estúpido egoísmo" e "total ausência de responsabilidade" de "bolsas doentes da sociedade" inglesa. Para já, sabemos que os cortes nas despesas com a Polícia vão ser revistos e que a vigilância apertada dos gangues juvenis será reforçada. Se ficarem por aí, é remédio certo para a catástrofe.

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