RUI MARTINS, Berna – DIRETO DA REDAÇÃO
Berna (Suiça) - O desabafo da titular do Conselho de Emigrantes, Ester Sanches Naek, teve o efeito de uma explosão reboando em todas regiões onde existem associações ativas de emigrantes. O texto, publicado com foto aqui no Direto da Redação, foi acolhido por dezenas de blogs brasileiros, emigrantes e teve destaque nos grupos do Facebook.
E, pela primeira vez, o Itamaraty saiu daquela postura distante de diplomata, publicando uma carta aberta no site reservado aos emigrantes, o Brasileiros no Mundo, assinada pelo ministro-conselheiro Aloysio Dias Gomide, chefe da Divisão das Comunidades Brasileiras no Exterior, órgão ainda recente, que fica subordinado à Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior.
A bronca da Ester foi a gota d´água que fez transbordar o opaco vaso, já cheio de frustrações, indagações não respondidas, tentativas de interlocuções reduzidas ao monólogo. O pano de fundo causador da crise era a expulsão do suplente. Quatro meses depois de terem sido enrolados na farinha rançosa da intolerância, muitos titulares chegavam à conclusão de que as críticas levantadas pelo suplente eram procedentes e correspondiam exatamente ao formato do Conselho de Emigrantes, cuja falha principal é a de estar sob a severa tutela do Itamaraty.
Aloysio Dias Gomide fez sua estréia na mídia emigrante explicando que, apesar dos pedidos de emigrantes e de titulares do CRBE, não podia intervir, exceto no caso específico de solicitação de processo por atitude desrespeitosa ou não condizente com o Conselho. Deu, portanto, a idéia, e aproveitou para manifestar seu desapontamento e estranheza diante do ocorrido e das intenções declaradas de Ester Sanches de fazer campanha contra o CRBE.
Como naquele exato momento, os titulares estivessem votando pela reintegração do suplente, por delito idêntico, deveria realmente ser desanimadora a constatação de que a erva daninha da contestação parecia ter infectado uma titular do Conselho.
E para reforçar seu arrazoado, Aloysio Gomide enumerou as iniciativas daquela repartição do Itamaraty para concretizar os pedidos da comunidade emigrante. Infelizmente, para os infectados pelo virus que ameaça se transformar em pandemia entre os emigrantes, é justamente aí a razão da contestação – os emigrantes querem assumir totalmente sua responsabilidade e liberar o Itamaraty dessa carga suplementar de tutelar, dirigir e conter os emigrantes.
Longe estaria o ministro-conselheiro Aloysio Gomide de imaginar que seu “pito” na indisciplinada titular, tivesse um efeito justamente contrário. Em lugar de um diplomático debate de luvas de pelica com luvas de veludo, Ester, que vai virando star dos emigrantes, puxou o pano da mesa e estilhaçou os cristais das boas maneiras.
Reproduzo trechos da resposta de Ester Sanches ao seu puxão de orelha.
E agora? Porque a minha opinião diverge da SGEB serei expulsa como quizeram fazer com o Rui?
Eu revelei coisas da comunidade porque para mim está tudo bem! Eu não preciso do sistema brasileiro para me ajudar. Graças a Deus, conquistei um espaço, dentro das comunidades em que vivo, de respeito, carinho e muita atenção.
Fui convidada para as posses de dois presidentes americanos Bush e Obama, pelo trabalho que desenvolvo junto às comunidades e por isso eles me respeitam.
Isto foi mérito de uma brasileira. Sou a única brasileira Juiza de Paz nos EUA; sou capelã, notário publico. Tenho dois cursos superiores, um de especialização e iniciei o mestrado sobre desenvolvimento econômico de comunidades. Tudo pensando na comunidade brasileira.
Destaco-me dentro de muitas comunidades e o meu governo brasileiro oferece-me desprezo? O meu governo brasileiro, a minha Patria que amo de paixão, que levanto a bandeira para defender e divulgá-la positivamente aqui fora, não me valoriza?!
Luto pelo povo porque foi por ele que me candidatei. Sacrifico a minha familia para excercer esta posição e por isso não vou me calar. A reunião de trabalhadores de Boston não contou com os demais conselheiros na organização e até o Fausto, que tinha a sua opinião contrária na primeira reunião, foi deixado de lado na organização, pois ele é "trouble maker!"
Vamos ser realistas! O CRBE não funciona. Temos que ter um órgao que realmente nos envolva, nos valorize, nos dê atenção, não nos ignore e muito menos não nos expulse quando as nossas idéias divergem das demais.
E saibam que ainda sou Conselheira, pois não mandei a minha carta de renúncia, mas não vou ficar mendingando este cargo não. Já observei que me tiraram da lista e desde a reunião de Brasília não recebo informações. Eu peço que me respeitem porque fui eleita pelo povo para fazer o que é melhor para ele.
Sou uma cidadã brasileira, uma lider comunitária, uma VOLUNTÁRIA antes de ser Conselheira. Tenho um filho de 12 anos que tem cidadania brasileira e um esposo paquistanês que admira o nosso povo e o nosso país.
Seria muito mais humano de vossas partes tentar saber o que nos aflige, o que nos deixa para baixo e como ajudar para que possamos continuar contribuindo, do que nos ignorar e nos deixar de lado.
Tomei a liberdade de transcrever essa revolta, compreensível, porque Ester tornou público esse desabafo e enviou para a mídia emigrante.
Houve muitos comentários no Facebook, sobre a carta do conselheiro-ministro Aloysio Gomide a Ester Sanches, mas o melhor comentário que me chegou foi o do suplente do CRBE eleito pelos emigrantes que vivem na costa oeste americana, o ponderado Sérgio Mello.
Transcrevo também esse importante comentário, porque fará sem dúvida parte dos documentos responsáveis pela conquista da independência dos emigrantes e pelo fim da tutela exercida sobre eles pelo Itamaraty. E porque neste momento, o Direto da Redação tem uma papel importante junto aos emigrantes.
Lembro igualmente a todos que esse quente debate e a criação da Frente de Emancipação dos Emigrantes serão os temas dos encontros em Boston, dia 5, Nova Iorque, dia 7, e Newark, dia 8, em locais e horários que estão sendo divulgados pelas comunidades locais e pelo Brazilian Times.
Segue o documento do suplente Sérgio Mello:
Aqui vai minha OPINIÃO sobre a carta do SGEB à Ester:
1) `pelo próprio formato como foi montado o CRBE`
- Este `formato` é chamado `Formato Frankenstein`: incapacitado de falar, apenas obedecer ordens do criador, corpo dormente que se move mediante a choque, mesmo que totalmente descoordenado. O final da estória do Frankenstein é bem conhecida.
2) `ampla autonomia`
- O CRBE não tem `ampla autonomia` pois não tem verba.
3) `gradual surgimento de lideranças genuínas`
- Frase mais apadrinhadora que já escutei. O pior é que implica que as eleições do CRBE não resultaram em lideranças `genuínas` (!). Lideranças genuínas já existem, e estas se renovarão como necessário. Talvez estejam se referindo a lideranças no `Formato Frankeinstein`, que realmente podem ser problemáticas.
4) "nos sintamos desapontados quando testemunhamos, por parte de membro do CRBE, falta de confiança nesse projeto".
- Mais corretamente deveria-se referir a membros, no plural, e nem esta é a primeira vez que testemunham nossa falta de confiança. Existe um corpo enorme de mensagens de insatisfação, muito consistentes entre si, de pelo menos uma dúzia de membros durante estes 9 meses. O problema é justamente não terem reconhecido, aprendido ou sequer respondido nada sobre estas mensagens.
5) `Lideranças agregadoras`:
- Isto é exatamente o que está sendo destruído. Com eleições políticas muito mal conduzidas, colocaram líderes locais uns contra outros em busca dos mesmos votos. Isto não é agregar, é dividir.
6) 1 resposta em 9 meses:
- Isto seria considerada boa `comunicação` se tivesse sido enviada pelo próprio Barão do Rio Branco. O MRE não está interessado nas formas efetivas de tentar conhecer a diáspora. Infelizmente, a mãe e criança brasileiras que morreram de fome na Alemanha não conseguiram esperar tanto tempo.
7) "processo evolutivo, que requer aprendizado mútuo governo- lideranças":
- Como, se perguntas diretas não são respondidas?
8) `e, sobretudo, ajustes das expectativas de ambas as partes - ajustes que vêm sendo efetuados com êxito pela quase totalidade dos seus membros.`:
- As expectativas certamente estão se ajustando. Pois pensávamos que o CRBE era do imigrante e para o imigrante, que já se `ajusta` como pode no exterior. Nota-se que não existe menção de `ajuste` por parte do SGEB.
9) `De nosso ponto de vista, portanto, o CRBE vem funcionando a contento`:
- Ótimo saber a quem o CRBE está satisfazendo. Pena que não se importaram em perguntar aos imigrantes, ou aos suplentes antes de tal declaração. Portanto o adiamento da Conferência deve ter sido por tão alto desempenho.
10) `Vemos com estranheza, portanto, as declarações da Conselheira Sanches-Naek, a qual, ao invés de dedicar-se ao trabalho concreto de cumprimento dos mandatos específicos da comunidade brasileira, como o fazem seus colegas do grupo, declara haver decidido - sem qualquer mandato explícito daquela própria comunidade de que se tenha conhecimento`. :
- A Conselheira Ester tem trabalhado e financiado suas iniciativas de forma autonoma. Sendo ela autonoma e eleita, o mandato dela está estabelecido, e é o eleitorado dela quem decide. O MRE não conhece as consultas que ela fez com a comunidade para chegar a conclusão que ela chegou.
No mais, a lista de projetos não tem nada haver com o CRBE.
"Transparência na política significa ser capaz de admitir que não sabem certas coisas”. Sérgio Mello.
*Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress
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