segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Genocídio silencioso: UM SEXTO DA HUMANIDADE NÃO TEM O QUE COMER





Militante do Campo - Há um genocídio silencioso no mundo. Talvez seja esse o melhor adjetivo para definir o tamanho da desgraça provocada pela insanidade humana.

900 milhões de pessoas subalimentadas no mundo. Ou seja, quase um sexto da humanidade não tem o que comer. 100 mil pessoas morrem ao dia no mundo devido à fome. Esses são alguns dados que o suíço Jean Ziegler, professor de sociologia em Genebra e na Sorbonne, e relator especial da ONU sobre o direito à alimentação disparou, em recente visita ao Brasil. Autor de ácidos estudos sobre a fome no mundo, Ziegler veio ao Brasil em agosto, para participar de um seminário.

Jean Ziegler afirma: "se juntarmos alguns males do subdesenvolvimento, tais como fome, epidemia, guerras induzidas pelas multinacionais, verificaremos que, no ano passado, houve um total de mais de 58 milhões de vítimas, segundo os critérios da ONU, 2 milhões a mais que o total de vítimas da II Guerra Mundial, a maior guerra da humanidade, que durou seis anos." O professor de sociologia não vê saídas à "ditadura mundial da desigualdade" e ao genocídio silencioso no planeta sem a realização de Reforma Agrária, o rompimento com o sistema financeiro mundial e a quebra da ideologia alienante do neoliberalismo, destinada a romper a resistência.

Para falar sobre a ditadura do capital financeiro, que segundo Ziegler é uma ditadura mundial que cria um mundo de total desigualdade, de riquezas imensas nas mãos de algumas oligarquias que são detentoras desse capital financeiro mundial, que gera riquezas muito grandes para alguns e miséria imensa e progressiva para a maioria, ele deu a seguinte entrevista ao Jornal Sem Terra.

JST - Que análise o senhor faz da situação econômica do mundo hoje, principalmente no que se refere aos países do Terceiro Mundo?

Jean Ziegler - Primeiramente, quero dizer que vivemos a ditadura do capital financeiro. É uma ditadura mundial que cria um mundo de total desigualdade, de riquezas imensas nas mãos de algumas oligarquias que são detentoras desse capital financeiro mundial, que gera riquezas muito grandes para alguns e miséria imensa e progressiva para a maioria. A população grave e permanentemente subalimentada no mundo soma cerca de 900 milhões de pessoas, aumentando a cada ano. Isso é quase 1/6 da humanidade, já que somos 6 bilhões de pessoas. A população subalimentada é destruída fisicamente por invalidez, sendo que 100 mil pessoas morrem por dia devido à fome.

Há 22 organizações especializadas em agricultura nas Nações Unidas. Uma delas, voltada para nutrição e agricultura, publicou um relatório revelando que a agricultura mundial, agora, poderia alimentar 12 bilhões de pessoas. Isso significa dar a cada indivíduo, diariamente, 2600 calorias. Ou seja, somos a metade de 12 bilhões e, a cada dia, morrem 100 mil pessoas vítimas da fome e centenas de milhões estão gravemente subalimentadas, são inválidas, incapazes de trabalhar e ter uma vida normal. Além disso, esse mal se transmite de geração a geração, sobretudo na Ásia do Sul e África, mas também aqui, porque cada uma em quatro crianças da América Latina com menos de 15 anos é gravemente subalimentada. Desse modo, há um genocídio silencioso num planeta que pode alimentar o dobro de sua população e uma reprodução biológica desse genocídio, pois há centenas de milhões de crianças que morrem na gestação, vítimas do mal desenvolvimento do feto ou do leite materno pobre em nutrientes, ou mesmo a falta de leite. Uma pessoa que morre de fome ou que tem uma vida sob a invalidez, com sofrimento permanente e crônico, é vítima de um assassinato e não de uma fatalidade. Há um culpado. É um massacre como o do Eldorado de Carajás. Os donos de multinacionais devem ser responsabilizados pelo crime. É possível identificar individualmente os assassinos. Esse é o quadro quando avaliamos somente o problema da fome. Entretanto, há outras questões, como a saúde. A Organização Mundial da Saúde faz, por exemplo, o inventário das epidemias que matam milhões de africanos, que não têm dinheiro para comprar medicamentos produzidos pelos grandes capitalistas. Os povos que vivem no hemisfério sul (4,2 bilhões de pessoas, ou seja, ¾ da humanidade) sofrem de tuberculose e malária e acabam morrendo, e os brancos da Europa, América do Norte e Austrália, que são 22% dos brancos no mundo, não sofrem isso. Epidemias matam, fome mata. Nos países subdesenvolvidos, 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável, que apresenta perigo à saúde. Há mais de 18 milhões de casos de diarréia resultante de água imprópria para consumo. Além das mais de 400 milhões de pessoas que morrem, ao ano, devido a problemas com a água. E se juntarmos todos esses números do subdesenvolvimento (fome, epidemia, guerras induzidas pelas multinacionais na África etc.), verificamos que, no ano passado, houve um total de mais de 58 milhões de vítimas, segundo os critérios da ONU. Dois milhões a mais que o total de vítimas da II Guerra Mundial, a maior guerra da humanidade, que durou seis anos, de 1939 a 1945. Ou seja, a III Guerra Mundial já está em curso no Terceiro Mundo.

JST - Diante desse cenário, quais são as alternativas para os países pobres?

Jean Ziegler - Existem muitas armas. Há um problema grave para todos nós. Pablo Neruda, um grande poeta, disse: "As piores cadeias são as da cabeça". A grande predominância do modelo e pensamento neoliberais, de que são arautos a TV Globo, Banco Mundial, o império americano, que vê esse modelo como lei natural e a mão invisível do mercado como única maneira de animar a economia, distribuir a riqueza do mundo etc., é uma mentira de classe. É um clássico argumento. É preciso quebrar as imagens alienantes, as falsidades, as mentiras que são fábricas de ideologia para desarmar a resistência. A primeira luta de classe, ao meu ver, é essa luta teórica. E, depois, partir para o combate à situação material. A Polícia Militar que mata é, por exemplo, uma forma de repressão. O Brasil é um país muito poderoso, um laboratório da revolução mundial, e por isso estou com muito otimismo. É formidável ver a organização do Movimento dos Sem Terra hoje no Brasil. É incrível.

JST - Como senhor vê a questão da Reforma Agrária e qual o papel dela neste contexto mundial?

Jean Ziegler - Não há como resolver o problema sem Reforma Agrária. Precisamos de uma reforma para quebrar a tirania mundial do capital financeiro que determina tudo, a propriedade da terra, o comércio. Nesse sentido, tenho uma verdadeira admiração pelo MST. É um verdadeiro movimento revolucionário.

JST - E como o senhor avalia iniciativas como o Fórum Social Mundial?

Jean Ziegler - São muito boas e essenciais. O único problema é que devemos trazer africanos e árabes também, dar a luz a outros continentes. O Che não pôde participar da Conferência Tricontinental, em janeiro de 1966, mas a idéia do Che de criar frentes de resistência era muito importante. O MST é uma frente de resistência. Se houver muitas dessas frentes, as forças de repressão, mesmo do império americano, perdem intensidade, e um novo mundo pode surgir rapidamente. Se analisarmos o Brasil, por exemplo, que está em grande parte entregue às multinacionais, à burguesia, o inimigo é terrível, com certeza. Todavia, se esse inimigo tem muitos adversários, ele não pode resistir por muito tempo.

JST - As elites insistem em dizer que o Fórum Social Mundial não apresentou propostas concretas de solução. O que o senhor pensa disso?

Jean Ziegler - Não há problema nisso. Não é essa nossa tarefa, não é possível projetar um modelo. Seria arrogância total. Sabemos o que não queremos e ao quê somos intolerantes. Como a fome, por exemplo. Um deputado federal da Suíça lutava sempre em seu mandato contra o ciclo bancário, pois a Suíça é o país mais rico do mundo, em termos per capita. Não tem matéria-prima, mas tem o capital do mundo inteiro, advindo inclusive da corrupção, criando uma riqueza incrível para a oligarquia bancária. Eu não quero, como suíço, viver bem do sangue dos povos do mundo. E por isso quero quebrar o ciclo bancário, acabar com a fuga de capitais, com a pilhagem financeira; eu sei o que não quero. E o destino coletivo dos suíços, quando essa ditadura do capital for quebrada, depende do mistério da liberdade. O caminho se faz ao caminhar, como diz o grande poeta Antônio Machado. E esse é um processo revolucionário.

JST - E sobre a dívida externa. O senhor acha que o Brasil deve romper com o sistema financeiro, com a moratória da dívida externa?

Jean Ziegler - Totalmente. Não há outra possibilidade.

*Jornal dos Trabalhadores Rurais sem Terra

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