FERNANDA CÂNCIO – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião
Como negociar com alguém que mostrou não aceitar o direito do outro a existir? A pergunta é de Obama, em Maio deste ano. No seu arrebatado discurso sobre Médio Oriente, primaveras árabes e legítimas aspirações de todos à liberdade e à democracia, o Presidente americano reconhecia a dificuldade israelita no diálogo com os palestinianos, lembrando serem estes representados pela Fatah de Abbas, que governa a Cisjordânia, defende o diálogo e aceita a existência de Israel, mas também pelo Hamas (em Gaza), que os recusa.
No mesmo discurso, porém, Obama rejeitou as aspirações de Abbas ao reconhecimento do Estado palestiniano como membro de pleno direito da ONU: "Acções simbólicas com o objectivo de isolar Israel na ONU não criarão um Estado independente." Na semana passada, Obama anunciou que os EUA vetarão a proposta no Conselho de Segurança. "Não existe um atalho para o fim de um conflito que dura há décadas. Terão de ser os israelitas e os palestinianos - não nós - a chegar a acordo nas questões que os dividem: fronteiras e segurança; refugiados e Jerusalém."
É verdade que nada pode substituir um acordo entre israelitas e palestinianos. Mas não o é menos que existem, desde 1967, quase centena e meia de resoluções do Conselho de Segurança da ONU em relação ao conflito, incluindo a exigência de retirada dos territórios ocupados em 1967 (Gaza, Montes Golã e Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental), totalmente ignoradas pelos israelitas sem lhes ser por isso imposta qualquer sanção. Como, aliás, não surtem qualquer efeito as exigências de sucessivos governos dos EUA, incluindo o actual, a Israel no sentido de acabar com os colonatos nos territórios ocupados - ainda esta semana o Executivo israelita anunciou a decisão de reforçar um na Cisjordânia.
É "só" simbólico aceitar o Estado palestiniano como membro da ONU? Não resolve nada? É certo: não é mágico. Trata-se apenas da admissão formal de dignidade e existência, a certificação de que para a ONU e para o seu Conselho de Segurança israelitas e palestinianos valem o mesmo. E esse, claro, é o problema.
Os EUA vão vetar; Portugal, a crer nos trocadilhos tontos do PM - com "paz" e "papel" (peace e piece of paper), dizendo que quer a primeira e não o segundo - votará contra ou abster-se-á. É só um papel? Os tratados de paz assinam-se em papéis; as mais de 130 resoluções sobre Israel do Conselho de Segurança são papéis. Propor aos palestinianos um estatuto de "Estado observador", à semelhança do que goza o inexistente Vaticano - ou seja, uma espécie de cortesia sem direito de voto - é, além de insultuoso, a afirmação de que a ONU (criada por um papel, já agora) não considera a existência efectiva, igual, de um Estado palestiniano a não ser que Israel, o ocupante, o país que lhe manda as resoluções para o lixo, conceda. O Hamas agradece.
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