domingo, 25 de setembro de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 46




MARTINHO JÚNIOR

LUTAR CONTRA O ELITISMO

I - “Lutar contra a pobreza” tem sido um dos slogans que muitos governos um pouco por todo o mundo e também aqui em África, têm utilizado para demonstrar que estão empenhados em políticas que se coadunam com os direitos humanos, que respondem perante o eleitorado que dizem representar, que assumem com responsabilidade seus encargos sociais, que demonstram sua vocação socialista, que sustêm a dignidade daqueles que lutaram pelo resgate do colonialismo, do “apartheid” e de suas sequelas…

Não há elite alguma, que mantenha a lógica capitalista em vigor (por que é do e com o capitalismo que ela se gera e nutre), que não “combata” agora a pobreza, que não “defenda” a opção nesse “combate” e faz transmitir por todos os meios mediáticos, desde os mais tradicionais (televisões, rádios, jornais…), até às vocacionadas “misses” de ocasião que se vão sucedendo nas miragens dos preconceitos dos novos ricos, o seu empenho, o seu vigor e o seu sacrificado trabalho nessa luta.

A“miss universo”, a angolana Leila Lopes, que segundo alguns ganhou no Rio de Janeiro com uma catapulta financeira e lobista chamada Odebrecht… também “vai lutar contra a pobreza”…

Como aqueles que se nutrem da lógica capitalista alavanca de todas as desigualdades vão alguma vez, algum dia, de facto, sem máscara e sem cosmética, de forma inquestionável “lutar contra a pobreza”?!...

O elitismo enquanto ideologia, comportamento, atitude, método prático, ou mentalidade, é um dos pratos servidos a frio pela aristocracia financeira mundial, em especial após o eclipse do socialismo real e o fim da Guerra Fria, para que aqueles que seguem o culto do poder de acordo com os padrões de sua sustentação capitalista só tenham uma forma de lidar com o subdesenvolvimento e a pobreza: na medida em que isso não belisque nem ponha em causa o estatuto de “classe superiora” capaz de até desenvolver aptidões de caridade para com os substratos sociais mais marginalizados do seu próprio povo...

É evidente que a ideologia do combate à pobreza, não levando em conta a razão e substância causal do subdesenvolvimento, nem se identificando com rigor com o povo, é apenas cosmética, propaganda demagógica e uma manifestação de elitismo, mentiroso e grotesco, pela carga de irresponsabilidade que carrega.

No “socialismo democrático” meio alaranjado meio azulado (já muito pouco rosa é), que existe em Angola, “luta-se contra a pobreza” por vezes da forma mais requintadamente subtil: pode-se até chamar à mesa duma gala das elites, numa noite de encantar, mercadores de pérolas como o próprio Oppenheimer, ou a eminência parda que dá pelo nome dum Maurice Tempelsman, que aliás são também grandes financiadores da outra luta, a que diz ser contra a SIDA…

Está-se muito longe do amor rigoroso que Agostinho Neto pessoalmente evidenciou de forma exemplar, nunca dando espaço a benefícios pessoais para além dos que lhe eram devidos pelo cargo que desempenhou da independência até à sua morte, muito menos abusando dos bens do estado angolano, privatizando, ou deitando mãos a fundos para fins pessoais, ou de grupo…

Está-se muito longe daquele critério firme de salvaguardar os bens e a propriedade do estado angolano, como bens e propriedade de todo o povo angolano e por isso merecedores de respeito e prova de honestidade e fidelidade…

Está-se muito longe do que o movimento de libertação cultivou com humildade, perseverança, com princípios humanísticos e de solidariedade, durante esses primeiros anos, tão longe que agora é justo perguntar-se se este “movimento de libertação” que se empenha neste tipo de caridade da “luta contra a pobreza”, não será uma “casa alugada” que é muito conveniente por que dá muito jeito à propaganda dum novo proprietário, muito bafejado pela sorte, apto a todo o tipo de pragmatismos, de utilitarismos e até de oportunismos…

Em Agostinho Neto faz-se lembrar a poesia, mas quantas vezes se esquecem as outras particularidades do homem total que ele foi!

Das intervenções de Setembro, poucas tiveram em conta esse homem total, o que revela também quão a sua personalidade pode ser menos conveniente para muitos.

De entre as intervenções, destaco a de Cornélio Calei, Vice Ministro da Cultura (Considerado inesgotável legado histórico de Agostinho Neto – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/8/38/Considerado-inesgotavel-legado-historico-Agostinho-Neto,2adc947b-b3b6-4f92-b2d2-fc2dec340633.html):

(…)“Disse que o legado do primeiro presidente de Angola está subjacente nas dimensões cultural, política, militar, humanista, filosófica, literária, internacionalista, e até mesmo a sua religiosidade, características presentes nas três facetas da sua vida e que não são fáceis de resumir.

Segundo o orador, a dimensão social de Agostinho Neto é manifestada pela sua preocupação com a condição social degradante dos angolanos na época, como consequência do trabalho forçado em que eram submetidos, como resultado da intensificação do capitalismo praticado pelo regime colonial.

Tendo recebido uma educação religiosa dos seus pais, Agostinho Neto apercebe-se e interioriza imediatamente a situação deplorável do povo angolano, caracterizada pela descriminação dos negros submetidos ao trabalho forçado pelos colonialistas portugueses, criando nele um sentimento de repúdio. Ai começa a manifestação da sua dimensão social, pronunciou.

Neste quadro, continuou Cornélio Calei, Agostinho Neto se bateu sempre para a libertação do homem contra a opressão na sua amplitude, e não uma libertação formal com o içar de bandeira, mas sim devolver a dignidade e o poder ao povo angolano para que pudesse definir o seu próprio destino.

O responsável resumiu a vida do fundador da nação em três facetas: como mensageiro, usando a poesia como arma de mobilização; como combatente, destacando a sua liderança à guerra de libertação nacional durante a guerrilha; e, finalmente, como primeiro presidente de Angola e comandante-em-chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA)”.

Os elitistas angolanos não aprenderam, com a dedicada vocação de Agostinho Neto, a histórica lição de angolanidade do seu comportamento, de sua atitude, do seu amor misto de humildade e rigor, de sua consciência de patriota que via no socialismo um caminho a desbravar para se continuar o resgate para além da luta contra o colonialismo, do “apartheid” e de suas sequelas, até à luta contra o subdesenvolvimento e o neo colonialismo! 
  
II - A grande prova social do cinismo das elites que apregoam que lutam contra a pobreza com ideologias que estão marcadas pelo ferro em brasa do elitismo, ocorre com os antigos combatentes e veteranos da pátria angolana, especialmente por via do que acontece nas áreas rurais.

Muitos antigos combatentes e veteranos da pátria angolanos, especialmente aqueles que ficaram à margem da Caixa de Segurança Social das FAA, ou do Fundo de Pensões, estão a passar por imensas dificuldades, sentindo muitos deles que um dia foram usados, para agora serem deitados fora…

Grande parte desses combatentes foram guerrilheiros do MPLA no Leste, ou ainda na 1ª Região e, apesar da independência, não saíram de sua condição originária: mantêm-se nas mesmas áreas rurais de sua origem e onde muitos deles fizeram a guerrilha, com o mesmo enquadramento sócio cultural que sempre tiveram ao longo de suas vidas.

Num dos meus últimos escritos (“Só falta chamar a NATO” –http://paginaglobal.blogspot.com/2011/09/rapidinhas-do-martinho-40.html), toquei ao de leve neste assunto por causa dum “defensor” dos ricos, ou seja das novas elites, que dá pelo nome de José Ribeiro e é “só” Director do Jornal de Angola:

“Há milhares de antigos combatentes angolanos que não tendo sido reconhecidos como tal esperam ainda um sinal de dignidade em relação ao seu passado, pois nem sequer um documento emitido pelo estado possuem, um documento que ateste com veracidade os seus anos de serviço, quando se lutava contra o colonialismo e sobretudo contra o apartheid e as suas sequelas.

Se alguns desses antigos combatentes conseguem-se virar, mesmo sem acesso às Caixas Sociais, aos Fundos de Pensões e às Pensões dos Antigos Combatentes, uma parte substancial deles é por que trabalham, apesar da idade.

Muitos deles são guardas das empresas de protecção e segurança abertas pelos ricos, ou membros das brigadas de fiscalização, ou até humildes trabalhadores de limpeza…

Pela via do trabalho muitos conseguem apenas esvair-se na luta diária, em função dos encargos inerentes às suas responsabilidades sociais num país cuja capital é a mais cara do mundo, mas há outros que pela sua avançada idade já nem sequer essa capacidade têm…

Muitos antigos combatentes têm apenas uma Pensão, que agora recebeu um aumento de cerca de 50%: passaram a obter um pouco mais de 16.000,00 Kwz, ou seja, cerca de 160 USD, ou 115 Euros!...

O Ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, Kundipahiama, está a cumprir com o que prometeu, mas isso só ilustra e sublinha, o fosso das desigualdades e a injustiça que estamos com ela!

A defesa (é uma palavra que está na moda, agora só se defende e o José Ribeiro, como se estivesse a tchilar em pleno canal 2 da TPA, defende os ricos angolanos)… a defesa dos ricos impede que agentes como o José Ribeiro percebam o que é matematicamente óbvio: quantos desses antigos combatentes, que recebem só a quantia de 16.000,00 kwz, poderão ser sócios, por exemplo, da Cooperativa que dá acesso ao Condomínio Caju, em Talatona, um dos condomínios da SONANGOL?!”...

O Ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria tem deixado subentendido muitas afectações que não se coadunam com a dignidade que deveria ser dada àqueles que são abrangidos pela actividade do Ministério e há inclusive peças de suas intervenções, publicadas pela ANGOP, que não deixam margem para dúvidas.

De entre essas peças, destaco “Ministro fala dos programas para antigos combatentes e veteranos da pátria” –  (http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/sociedade/2011/8/38/Ministro-fala-dos-programas-para-antigos-combatentes-veteranos-patria,61e4290a-b11b-44ba-8402-55d7a03294cb.html), assim:

“Ndalatando - O ministro angolano dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, Kundy Paihama, falou quarta-feira dos programas do Executivo destinados ao reconhecimento e dignificação dos cidadãos assistidos pelo seu pelouro, tendo em conta a sua participação nos processos que culminarão com a proclamação da independência (1975) e conquista da paz (2002).

Durante um encontro mantido com os antigos combatentes e veteranos da pátria radicados na província do Kwanza Norte, Kundy Paihama revelou que face a exiguidade do fundo de pensão atribuído aos seus assistidos, o seu pelouro está empenhado na mobilização dos mesmos, de modo a encontrarem outras fontes de rendimento, evitando assim a dependência exclusiva da ajuda do Estado.

Assim, o ministro revelou que apesar das atenções estarem viradas ao Programa de Reconstrução Nacional, o Estado quer sanar os problemas dos antigos combatentes, por via da promoção de iniciativas de formação profissional, académica e demais apoios tendentes a elevação das condições de vida desta franja da sociedade e suas respectivas famílias.

Kundy Paihama mostrou-se, por outro lado, desapontado em relação as reclamações dos assistidos face ao mau atendimento de que têm sido alvo por parte de funcionários do sector.

Em seu entender, isto demonstra uma falta de patriotismo e de amor ao próximo e obrigará a instituição a tomar medidas contra os trabalhadores que continuarem a pautar por tal conduta.

A ocasião serviu ainda para o ministro auscultar os principais problemas que afligem os assistidos na província, sobretudo a liquidação de algumas pensões em atraso, direito a assistência médica, isenção do pagamento do consumo de água e luz, falta de habitação, entre outras.

Kundy Paihama garantiu a resolução de algumas questões nos próximos dias e entregou um tractor agrícola com as respectivas alfaias à Associação dos Antigos Guerrilheiros das Ex-Fapla (Ascofa), com vista a apoiar a actividade agrícola dos antigos combatentes organizados em cooperativas e associações de camponeses.

Na sua visita à província, o ministro Kundy Paihama fez-se acompanhar de altos funcionários do sector e distintos responsáveis de várias organizações de apoio aos deficientes físicos e aos antigos combatentes e veteranos da pátria.

A mesma enquadra-se numa digressão que efectua às 18 províncias do país, visando a avaliação do actual funcionamento do sector e da assistência prestada aos antigos combatentes.

O Kwanza Norte constitui, assim, a décima sétima província visitada por Kundy Paihama, que deverá trabalhar, nesta quinta-feira, no Kwanza Sul, a última etapa da sua digressão pelo país”.

É evidente que, ao afastar o homem do centro de suas preocupações e atenções, ao suster uma democracia que abre tão poucos espaços à cidadania e à participação, ao conferir-se cada vez mais “abertura” às ideologias neo liberais e práticas elitistas, o subdesenvolvimento crónico manteve-se e instalou-se a pobreza sem alternativas em vastas regiões rurais.

Essa situação de marginalidade afectou entre outros os próprios membros antigos combatentes do MPLA, antigos guerrilheiros, muitos deles pouco letrados, mas fiéis aos usos e costumes de suas áreas de origem e à sua condição de camponeses.

Como é que, ao manter tal tipo de marginalização aqueles que afirmam “defender a luta contra a pobreza” podem ganhar credibilidade?

Como se pode fazer a luta contra a pobreza, sem atender à história e aos recursos humanos do movimento de libertação, sem se assumir que “o mais importante é resolver os problemas do povo”?

Como aqueles que deveriam merecer prioridade, se estão a tornar nos últimos a terem um acesso mínimo aos benefícios da independência?

As políticas de recuperação de infra estruturas e estruturas não bastam, como não bastam as medidas que estão a ser implementadas no quadro da lógica capitalista que se faz prevalecer, por que elas põem a nu o deficit de humanismo que atinge os próprios recursos humanos que historicamente se mobilizaram no âmbito do movimento de libertação!

Foi fácil, a título de exemplo, construírem-se condomínios para as novas elites, mas quão difícil está a ser enquadrar os antigos combatentes nos programas habitacionais em curso, na maior parte dos casos por que eles não possuem recursos, especialmente nas áreas rurais, a fim de conferir um mínimo de dignidade à ponta final de suas vidas!

Se assim é em relação a esses substratos sociais do povo angolano, como é em relação aos outros?

Não é com ideologias e práticas elitistas, que não põem em causa a lógica capitalista, nem o neo liberalismo com o qual se promove este modelo de globalização, que alguma vez, alguém de boa fé e se diz animado de humanismo, poderá realmente “lutar contra a pobreza”!

Martinho Júnior, Luanda.

Foto: (l to r) President dos Santos, Maurice Tempelsman (CCA Chairman Emeritus and Chairman of the Board, Lazare Kaplan International Inc.) - http://www.africacncl.org/Whats_New/CCA_Dinner(dosSantos).asp

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