quarta-feira, 28 de setembro de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 47




MARTINHO JÚNIOR

NAMBUANGONGO HERÓICO

I - A “Resenha histórico-militar das campanhas de África – 1961 – 1971”, 2º tomo, documento do Estado Maior das Forças Armadas Portuguesas elaborado pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África, não deixa margem para dúvidas: desde Março de 1961, altura em que Salazar deu a ordem “para Angola e em força”, que Nambuangongo, enquanto essa confrontação durou, foi uma referência de 1ª grandeza para a geo estratégia portuguesa.

Na região de Nambuangongo, os portugueses não só aplicaram uma das malhas mais densas de implantação de forças militares e dos seus serviços de inteligência, de ocupação e intervenção em Angola, como desde a “Operação Viriato” (http://www.rtp.pt/guerracolonial/?id=92&t=0#thumb92), foram experimentando a eficácia de todo o tipo de armas que a OTAN lhes ia fornecendo, desde os blindados “half track”, veículos com esteiras na retaguarda e rodas à frente, espingardas automáticas G-3 e HK-21 de origem alemã, aviões T-6 e Fiat G-91 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fiat_G.91 - http://www.areamilitar.net/DIRECTORIO/Aer.aspx?nn=28&P=77&R=FA), até aos bombardeamentos com “napalm” e desfolhantes…

Nambuangongo assistiu em Março de 1961 a uma das mais dramáticas e sangrentas iniciativas guerrilheiras da UPA no norte de Angola e, particularmente em 1965, ao esforço de luta do MPLA em direcção da sua 1ª Região Político Militar, com a entrada intacto do “Destacamento Cienfuegos” e depois com as tentativas dos Destacamentos “Kamy” (que foi praticamente dizimado ao atravessar as áreas de actuação da UPA) e “Ferraz Bomboko”, cujos integrantes foram detidos pelo regime de Mobutu, sendo obrigados a regressar à República do Congo (Brazzaville), tendo as suas armas sido arrestadas.

Na 1ª Região Política Militar o MPLA, com os enormes sacrifícios próprios duma resistência que foi sendo isolada e se constituiu numa enorme bolsa, ocorreram actos heróicos extraordinários que envolveram a população que compunha o movimento de libertação: tiveram de produzir por exemplo o seu próprio vestuário a partir da casca dum determinado tipo de árvores que por lá existe, buscavam o sal em algumas minas que se encontram dispersas na natureza em algumas das matas dos Dembos e utilizaram fossos dissimulados nos caminhos de pé de acesso às suas bases, tal como faziam os vietnamitas a fim de, com esses obstáculos procurar inviabilizar as incursões das tropas portuguesas e unidades autóctones como os Grupos Especiais.

O isolamento ocorreu desde 1965 até ao fim da campanha militar colonial, pelo que se pode imaginar a capacidade de resistência da população afecta ao movimento de libertação.

Os aspectos sócio-culturais dessa resistência deveriam ser imortalizados por exemplo através dum museu ao ar livre, que reconstituísse uma das bases que se implantaram na 1ª Região Política Militar, como por exemplo a base Brno, onde existem ainda alguns vestígios antigos desse tempo.

Esse museu poderia integrar um vasto projecto ambiental, tendo em conta a existência de condições naturais como as da Coutada do Ambriz, onde a FNLA aliás fazia também actividades de guerrilha e luta contra o colonialismo, a partir da Central do Alto Dande.

É lógico que em Nambuangongo existem antigos combatentes da UPA e do MPLA, que estiveram relacionados com as respectivas guerrilhas, cujos depoimentos, se recolhidos, ainda não foram publicados, estando-se a perder um enorme acervo histórico e de conhecimento humano no campo da antropologia, por exemplo.

Muitos desses antigos guerrilheiros são camponeses, fiéis às suas origens e às culturas existentes na região, alguns pouco letrados ou mesmo analfabetos, que recebem pensões no âmbito dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria e pouco mais…

Alguns desses guerrilheiros eram pioneiros nas bases do MPLA, ou mulheres membros da OMA, que participaram nos sacrifícios comuns do isolamento e da resistência.

II - Cinquenta anos depois do início das Campanhas Militares Portuguesas (Guerra Colonial – http://www.guerracolonial.org/index.php?content=18&category=4 – http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Colonial_Portuguesa), trinta e seis anos depois da independência e já com dez anos de ausência de tiros no país, Nambuangongo continua a ser um dos lugares mais isolados do norte de Angola, apesar da recuperação de infra estruturas e estruturas que se vai fazendo por todos os recantos do país.

Se Nambuangongo foi a região das mais sacrificadas na longa guerra que o colonialismo travou contra a 1ª Região, está agora numa periferia político-administrativa “pouco atraente” e, devido à sua situação físico-geográfica, há muito por fazer em termos de estradas, de pontes e de estruturas sociais.

Tal como Nambuangongo, praticamente todo o leste, onde o MPLA implantou a sua guerrilha, sofre do mesmo tipo de problemas e continua sub valorizado, perdendo-se com isso muito do respeito humano e dignidade que a história merece, o que comprova quão o homem está relegado para um 2º plano…

“A independência partiu de Nambuangongo”, afirmou o administrador municipal Van-Dúnem Oereira João Mbinda numa entrevista ao Jornal de Angola a 7 de Julho de 2009 (http://jornaldeangola.sapo.ao/14/7/entrevista_a_independencia_partiu_de_nambuangongo):

“Jornal de Angola - Como caracteriza a situação do município de Nambuangongo?

Van-Dúnem Pereira João - Há uma evolução significativa, comparativamente ao passado. Posso dizer que em relação aos últimos sete anos, tudo mudou ou está a mudar.

JA - Em que aspectos?

VPJ - O município beneficiou de uma nova malha rodoviária, que está a facilitar a circulação de pessoas e bens. A estrada que liga Caxito a Muxaluando está a ser asfaltada a partir da comuna de Kicabo, no município do Dande, e da comuna de Balacende. Os trabalhos de terraplanagem pararam, porque a empresa encarregada das obras alegou haver problemas com os custos. Mas isso não tem nada a ver com o Governo. É entre as subempreiteiras. Uma parte não está a honrar os compromissos assumidos. O equipamento de terraplanagem foi retirado das obras. Informaremos ao Governo Provincial do Bengo, para ver se a situação se resolve e o trabalho continua, pois o tempo é propício.
JA - Como é feita a circulação?

VPJ - Durante o período das chuvas tivemos constrangimentos muito grandes, fundamentalmente no troço entre Kicanga Sala e Muxaluando, a sede do município. São apenas seis quilómetros, mas a circulação era difícil. Muitas viaturas ficaram danificadas neste percurso e por isso a movimentação era feita a pé. Com a ajuda das empresas Soconinfa e Cafanda conseguimos arranjar uma alternativa que estamos neste momento a utilizar. A empresa Cafanda está igualmente a terraplenar o troço Muxaluando-Cagi Mazumbo-Kicunzo e Zemba para facilitar o trânsito para estas comunas, que era feito com muitas dificuldades.

Há também trabalhos de desmatação a partir do desvio de Balacende para Margarido e Kagi Mazumbo, que estão a ser efectuados pela empresa Africampos.

JA - São estradas de acesso às comunas de Nambuangongo?

VPJ - Não. Há também um trabalho levado a cabo na comuna da Bela Vista, no município do Ambriz. Hoje para ir ao Ambriz, a partir de Nambuangongo, já não é necessário chegar a Caxito. A partir da comuna do NGombe entra-se para a estrada do Zala, do Zala para a Bela Vista e está-se no Ambriz. Este é um grande ganho. O troço que sai da comuna de Kicanga Sala para Quixico também é aberto brevemente, havendo já uma empresa a trabalhar na estrada.

JA – A cobertura sanitária às populações é boa?

VPJ - Ainda não caminhamos para o bom. As obras deste sector pararam. O empreiteiro a quem foram adjudicadas as obras de construção dos centros de saúde das comunas de Canacassala e de Cagi Mazumbo desviou os recursos financeiros. A obra do centro de Canacassala ficou a meio e a do Cagi Mazumbo, ficou nos alicerces. A desculpa tem sido os constrangimentos da via.

JA - E aceita a justificação ?

VPJ - Não. Não pode servir, pois mesmo na comuna de Canacassala, onde não houve obstáculos desse género, as obras pararam. O Governo pagou a execução das obras até 90 por cento do seu valor total. Não havia razão para o empreiteiro abandoná-las.

JA - Que medidas tomou?

VPJ - Pedimos autorização ao Governo da província, notificámos o empreiteiro, informamos as Obras Públicas, como órgão de tutela, mas infelizmente ele adoeceu. O processo está com as Obras Públicas.

JA - Na sede do município também há problemas?

VPJ - O centro de saúde da sede, construído pela empresa FDV, já tinha sido inaugurado em Novembro do ano passado e tem estado a satisfazer no mínimo. Estamos, neste momento, a construir o Hospital Municipal, mas as obras estão com um ligeiro atraso por causa dos impedimentos da via que não permitiram o transporte dos inertes de Kicanga Sala para a sede. Com o termo das chuvas e a regularização da via as obras vão recomeçar.

Acreditamos que até ao final do ano vamos beneficiar de muitas estruturas hospitalares, pois além destes investimentos, inseridos no quadro do Programa de Investimentos Públicos, vamos construir também alguns postos de saúde no âmbito do programa local, concretamente nas localidades de Kicanga Sala e Kicanga Samba, na comuna do NGombe. Em termos de quadros técnicos, a Direcção Provincial de Saúde do Bengo tem ajudado. No último concurso recebemos mais 15 técnicos. Hoje temos dois médicos e um técnico superior de laboratório.

JA - Qual é o quadro no domínio da educação e ensino?

VPJ - Podemos dizer que os passos dados têm sido seguros. Além das quatro escolas funcionais do I ciclo, construídas com carácter definitivo, foi inaugurada, recentemente, na sede do município, uma escola do II ciclo, que lecciona da décima à décima terceira classes. Podemos dizer que estão consolidadas as bases do ensino médio no nosso município. Começámos com um núcleo do ensino médio e hoje temos a felicidade de receber uma escola nova, construída desde a base, com seis salas onde já funciona o primeiro ano do II ciclo.

JA - Tem corrido tudo bem?

VPJ – Bem não, porque temos problemas gritantes provocados pela falta de professores. Temos estado a fazer uma campanha muito forte e felizmente estamos a ser bem sucedidos. Na escola do II ciclo já se pode falar em perto de 80 por cento de docentes, que asseguram o ensino.

Nas escolas do I ciclo há uma conjugação de esforços entre a Administração e o Governo da Província. Nesse último concurso, recebemos mais 15 professores que vão assegurar os dois ciclos de ensino”.

Seria normal que, tendo em conta os aspectos históricos inerentes ao movimento de libertação, Nambuangongo tivesse um muito maior acompanhamento e projecção em todos os angolanos e também na imprensa angolana oficial todavia, nem o facto de ter sido ali onde há cinquenta anos eclodiu um dos episódios do início da luta armada, nem o facto de ter sido ali onde a resistência enfrentou limites inimagináveis face ao poderio da opressão, faz com que o município seja lembrado.

Essa gritante falha de memória a tão poucos quilómetros de Luanda contribui para votar ao ostracismo muitos desses antigos combatentes que por lá permaneceram, numa altura em que se vão construir (é preciso acreditar que sim) um milhão de casas habitáveis e com urbanização: talvez algumas delas lhes dessem abrigo e às suas famílias, por que foi lá que “a independência partiu” e afinal quanto da independência ainda lá não chegou…

A nível público não se sabe pois se muitas das preocupações do administrador entrevistado foram resolvidas, se há frequência escolar por parte do universo de jovens em idade escolar, se os centros de saúde mereceram completa recuperação e estão funcionais, se os antigos combatentes estão a ter uma vida digna, se há construção habitacional urbanizada e em que termos, se há água potável no município e nas comunas, quais são os problemas de energia, qual o estado de funcionamento das cooperativas agrícolas que foram implantadas, o que se passa com as estradas, com as pontes, com a chuva, com os rios…

O vazio que existe, pelo menos em termos de informação pública, acerca de Nambuangongo, reflecte bem a nossa preocupação conforme a nossa última reflexão sobre a “luta contra a pobreza”, quando proliferam as ideologias, os comportamentos, as atitudes e as mentalidades que caracterizam o elitismo.

Os Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria deveriam estar neste momento, por exemplo, a beneficiar da construção das casas que foram erigidas pelo “Consórcio Comandante Loy SA” (http://www.ccloy-sa.com/index.php?option=com_content&task=view&id=19&Itemid=1), mas também nesse grupo subsistem os problemas que levam à não entrega do que já está pronto:

1 – O valor da aquisição, estimado à volta dos 70.000 USD, não pode ser coberto por créditos a quem recebe 16.000,00 Kwz mensais.

2 – Há problemas de organização, administração e gestão desse consórcio (inclusive questões de ordem financeira), que apontam para um fiasco da iniciativa; a atestar isso pode-se verificar que na página internet, deixam de haver sinais a partir de Fevereiro de 2010!

O Consórcio ficou-se pelo “lançamento de pedras” (http://www.ccloy-sa.com/index.php?option=com_content&task=view&id=27&Itemid=2)!...

Será que estão à espera que a maior parte dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria morram, “facilitando” desse modo as coisas?...

Para se perceber que afinal Nambuangongo existe e que existe um enorme tributo que não está solvido em relação às comunidades heróicas que alimentaram a resistência nos Dembos por identificação com o movimento de libertação, com o povo angolano e para com África, houve em 2010 uma visita ilustre, a visita de Manuel Alegre, candidato à presidência portuguesa (http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/politico_portugues_manuel_alegre_visita_municipiode_nambuangongo).

Nambuangongo, onde esteve integrado na força militar de ocupação portuguesa, foi para Manuel Alegre a revelação da encruzilhada duma tensão entre o sentido da vida e as trevas da opressão.

O sentido da vida vestia-se até com casca de árvore, por que nada mais possuía para cobrir sua nudez, tinha fome, até o sal tinha de descobrir na floresta, definhava com a miséria, com o paludismo endémico, mas teimosamente manteve-se de pé e enfrentava as trevas da opressão, o poder das armas que a OTAN colocou à disposição de quem pretendia perpetuar fascismo e colonização!

Por incrível que isso possa parecer, era a guerrilha que correspondia até aos incentivos ambientais e ecológicos, por via duma cultura que soube até tirar partido da natureza, sem a ferir, que se contrapôs às poderosas armas da OTAN, na mais densa ocupação militar durante os treze anos de Guerra Colonial em Angola, treze anos em que o “napalm” e os desfolhantes não respeitaram nem o homem, nem a Mãe Terra!

Há cinquenta anos que essas armas da OTAN em África estão sempre do lado da rapina e das trevas da opressão, agora talvez mais dissimuladas, mais subtis, mas omnipresentes por que foram reforçadas com os conceitos do AFRICOM e as novas elites, por que não possuem memória histórica, são capazes até de embarcar nesses “novos conceitos”, recorrendo até a novas tecnologias… em mais uns quantos “Jogos Africanos”!...

Por isso, quando Manuel Alegre (o homem e não só o poeta) recorda Nambuangongo,  (parece-me ser dever lembrar “Nambuangongo meu amor”), é tempo de resgatar todos os Nambuangongos do subdesenvolvimento, da marginalidade, das periferias e do esquecimento, sem preconceitos elitistas, sem os “mercados” fundamentalistas do neo liberalismo, sem rapaces parcerias que estimulam egoísmo, nem domínio que obstrui justiça social, sem desequilíbrios, nem foço de desigualdade, mas sobretudo respeitando tão indómita cultura de libertação, com solidariedade, com paz, com identidade, com dignidade, com o aprofundamento da democracia, respeitando toda a pureza e energia com sentido de vida que vem das profundezas da vontade do ser humano.

O tributo a Nambuangongo é antes de mais um tributo aos homens que, arrostando com todos os sacrifícios e riscos, tendo como única aliada a própria natureza, tornaram possível levar avante essa saga que teve seu início e perdura de geração em geração em busca de mais amor, justiça, paz, democracia e felicidade.

III - Nambuangongo Meu Amor

Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo
Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre.
Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.
É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exactamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo.

http://pt.weblog.com.pt/arquivo/cat_manuel_alegre.html

Martinho Júnior, Luanda.

Foto: “Operação Viriato” – http://www.guerracolonial.org/index.php?content=175

1 comentário:

Anónimo disse...

A NÃO PERDER:

FOI HÁ 50 ANOS - http://sites.google.com/site/tchiweka/Home/50-anos

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