Ainda que o Brasil disponha de poucos recursos se comparado à China, especialistas afirmam que a ajuda à UE pode ser vantajosa e lembram que uma recessão nesse importante parceiro comercial não interessa ao Brasil.
Sem enxergar uma solução definitiva para a crise da dívida que atinge em cheio países como Grécia, Itália e Espanha, a União Europeia (UE) tem considerado a possibilidade de pedir ajuda aos países emergentes, entre eles a China e o Brasil, a fim de obter recursos e tentar recuperar a saúde financeira do bloco.
Para especialistas, uma eventual ajuda do Brasil dificilmente daria um grande empurrão às economias europeias abaladas pelas dívidas. A crise é grave e o Brasil não dispõe de um aporte tão grande de recursos para estancá-la, avaliam.
Alguns observadores afirmam, porém, que a crise poderia ser uma boa oportunidade para o país aprofundar as relações com os europeus e ganhar mais espaço no cenário internacional.
Nesta terça-feira (08/11), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reafirmou o interesse brasileiro em disponibilizar recursos para ajudar a Europa a superar a crise. Mantega negou, porém, que o Brasil já tenha apresentado uma proposta de ajuda no valor de 10 bilhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo especulado pela mídia brasileira.
"Ainda não foi feita proposta concreta, com números. Mas isso não quer dizer que no futuro isso não possa acontecer", afirmou Mantega em sua primeira declaração após a reunião de cúpula do G20 na semana passada, em Cannes.
Durante o encontro dos líderes das 20 maiores economias do mundo, a presidente Dilma Rousseff ressaltou que o Brasil deve ajudar, não diretamente, por meio compra de títulos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, mas sim através do FMI.
"O Brasil estava disposto a fortalecer o FMI, juntamente com outros países, inclusive os Brics. Mas isso dependia de os europeus cumprirem as tarefas que se dispuseram a fazer, como organizar o fundo europeu, utilizar mais o Banco Central Europeu, que não está sendo usado até onde poderia, e resolver o problema da Grécia", afirmou o ministro.
Importante parceiro econômico
A ajuda aos europeus é vista com uma grande dose de ceticismo pelo economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale. Ele ressalta que o Brasil, cujas reservas são de 352 bilhões de dólares – um décimo das reservas da China, em torno dos 3,2 trilhões de dólares – não conta com recursos suficientes para ajudar "minimamente" a Europa.
"Isso não tem o menor sentido", afirma Vale. "Além disso, a contrapartida que poderíamos pedir aos europeus seria uma maior diminuição dos subsídios agrícolas no continente, algo difícil de imaginar agora, no meio dessa crise."
Já Claudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria Internacional de Negócios ex-economista sênior do Banco Mundial, afirma que é fundamental o Brasil mostrar solidariedade com os europeus, ainda que o alcance da ajuda brasileira seja limitado.
"Tudo o que for feito para reverter o pânico que existe hoje – particularmente a sinalização dos grandes países emergentes que têm recursos e forem agora de forma cooperativa apoiar a Europa – são movimentos simbólicos importantes", afirma o economista.
Ele destaca ainda que a União Europeia é um importante parceiro comercial do Brasil. Mesmo com uma significativa queda, nas últimas duas décadas, da participação do bloco no total das exportações brasileiras, a UE ainda é destino de cerca de 21% dos produtos nacionais – segundo dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior relativos a 2010 e 2011.
"A última coisa que o Brasil quer é ver a UE mergulhada numa recessão. E já estamos muito perto disso", diz Frischtak.
Ao falar sobre a ajuda brasileira ao Velho Continente, Mantega ressaltou que a crise já está ocasionando uma saída de capitais dos países emergentes, especialmente os que não têm elevadas reservas. Ele destacou, porém, que o Brasil ainda não foi afetado. "Se os emergentes forem atingidos [pela crise], a situação internacional vai ficar pior", ressaltou o ministro.
Ganhos variados
Há ainda outras maneiras de aproveitar oportunidades surgidas com a crise. O cientista político brasileiro Tim Wegenast, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, também afirma que uma maior intensificação das relações entre Brasil e Europa poderá trazer dividendos políticos e econômicos. Ele ressalta que, além de comprar títulos da dívida, o Brasil pode realizar investimentos estrangeiros diretos, como pretende fazer comprando empresas em Portugal.
"Uma aproximação em momento de crise pode ainda gerar iniciativas interessantes. As possibilidades de benefícios para o Brasil são evidentes. Um exemplo disso seria maior acesso ao know how europeu, sobretudo alemão, em energias alternativas e tecnologias de ponta", afirma Wegenast.
Um eventual aumento da contribuição brasileira junto ao FMI poderia ainda influenciar na atual renegociação para ampliar a participação do país no fundo, inclusive nas decisões, com maior número de cotas. "Existe uma questão de poder político dentro do fundo monetário", ressalta Frischtak.
A atual crise da dívida europeia, que se segue a uma forte crise financeira que abalou a confiança na economia dos Estados Unidos, continua a fazer com que investidores dos países desenvolvidos enxerguem o Brasil com bons olhos. Sérgio Vale lembra que neste momento há poucos países no mundo que podem ser considerados interessantes para os investidores. "Um deles é o Brasil", afirma o economista.
Além de ter um mercados doméstico grande e crescente, o Brasil oferece vantagens diante dos parceiros emergentes dos Brics (também reúne Rússia, Índia, China, África do Sul) por sua estabilidade institucional. Isso também faz com que seja importante para o país marcar posição no cenário internacional.
Autora: Mariana Santos - Revisão: Alexandre Schossler
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