domingo, 6 de novembro de 2011

Democracia de barriga vazia ou ditadura de barriga cheia? A escolha parece e é simples!




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

Em Portugal há muita gente, cada vez mais gente, que nem sabe se tem barriga...

Rui Boavida, da Lusa, escreve que “dois académicos da universidade espanhola Pompeu Fabra concluíram pela historia, pela matemática e pela economia o que muitos políticos aprendem na pele -- que a austeridade provoca contestação social, e que mais vale subir impostos do que cortar benefícios”.

"Quanto mais corto nos benefícios sociais, mais agitação social tenho. O nível expectável de agitação aumenta maciçamente à medida que cai a despesa do Estado", disse à Agência Lusa, Hans-Joachim Voth, um dos autores do estudo, resumindo a investigação que fez com Jacopo Ponticelli, com o título "Austeridade e Anarquia: Cortes Orçamentais e Agitação Social na Europa, 1919-2009".

No estudo, os dois investigadores olharam para os movimentos de contestação social, incluindo motins, manifestações, greves gerais, assassinatos políticos, crises governamentais e tentativas de revolução, ao longo de 90 anos, em 26 países, incluindo Portugal.

Um período que envolveu uma guerra mundial, assassinatos de presidentes e líderes políticos, nascimentos e mortes de nações, o fim da colonização e inúmeras revoltas e revoluções.

Ponticelli e Voth, investigador de História Económica, concluíram que os países que escolheram aumentar os impostos em vez de reduzir as prestações e serviços sociais enfrentaram menos contestação nas ruas.

"Subir impostos quase não teve efeitos, em comparação com os cortes na despesa. Quem paga impostos tem emprego e portanto, tem muito a perder, enquanto quem recebe transferências sociais - grande parte da despesa pública nos países observados - tem pouco a perder e sente que não é parte interessada na sociedade", explica o investigador.

"Ao ver o Estado cortar a despesa, ao dizer aos mais pobres que eles não têm prioridade, um número significativo vai decidir que este não é o género de sociedade em que querem viver", acrescenta Voth, que compara o fenómeno a um fogo - o fósforo pode ser uma causa exterior, mas o combustível são as razões que levam "tantas pessoas dispostas a assumir o pior e a decidir invadir as ruas" e partir para as formas mais extremas de contestação.

O investigador admite que, extrapolando para o futuro as conclusões do passado, é possível recear que o espectro da contestação aumentada ameace a Europa nos próximos anos, até porque, diz Voth, a revolta "tem a ver com as expectativas" e a classe média, que se habituou a esperar do Estado muito mais, deverá engrossar a massa contestatária.

"Se tudo desabar na agitação social, haverá um segundo ciclo em que nos vamos deparar com menos crescimento e receitas fiscais ainda mais baixas. Depois tem que se cortar outra vez e vamos acabar numa espiral, vamos acabar por destruir grande parte do tecido social e político que mantém a estabilidade na Europa", prevê Voth.

O investigador, nascido na Alemanha há 43 anos, diz mesmo que, no caso da crise na Grécia, a Europa vai "olhar para trás e ver que perdeu uma oportunidade gigante" para reforçar o continente e corrigir uma política económica e financeira que Voth compara mesmo àquela que levou à ascensão de Adolf Hitler.

"É o que os alemães viveram no início da década de 1930. A cada ano, o governo tomava novas medidas orçamentais, reduzia os salários da função pública, tentava equilibrar o orçamento e sempre que fazia isto a economia contraía ainda mais, as receitas fiscais era ainda mais baixas, o governo tinha de cortar mais e, no final, destruiu a democracia alemã.

"Repetir este erro é completamente imperdoável, em 2011", concluiu Voth.

No caso português, todos sabem (embora uns mais do que outros) que a economia entrou, mais uma vez e sempre para o lado dos mais fracos, em derrapagem e que, a todo o momento, pode fazer mais um buraco no fundo.

Se calhar o país ainda está a tempo de evitar que o povo saia à rua para, ao estilo recente da Grécia, dizer que não podem ser sempre os mesmos a pagara crise.

Numa coisa, reconheço, Pedro Passos Coelho, como antes José Sócrates, tem razão. Agora não são exactamente os mesmos a pagar a crise. Ou seja, são os mesmos de sempre e mais uns milhares que até agora tinham escapado. Do outro lado, aí sim, continuam sempre os mesmos (banqueiros, administradores, gestores, empresários, políticos).

Chegados a esta fase negra, já não adianta mudar de ministros. E para mudar as políticas é necessários mudar de Governo. Mas qual é a alternativa? Não há. E se não há, o melhor é mudar de políticos (os que há são – quase - todos farinha do mesmo saco) ou, quem sabe, até de sistema político.

É que entre um sistema em que poucos roubam e um em que muitos roubam, não me parece difícil escolher.

E para a economia voltar a funcionar é urgente dar oportunidade ao primado da competência e não, como o fez este Governo, ao da filiação partidária, do compadrio, da corrupção e de outras virtudes horizontais.

Como diz o meu amigo Gil Gonçalves, e a pensar como ele há cada vez mais gente, é preciso que haja outro 25 de Abril daqueles a sério: “Não para tirar uns e pôr outros e continuar tudo pior... para roubarem”.

Isto porque, diz ele e cada vez mais boa gente, nem no tempo do Salazar faziam essas coisas. “Agora rouba-se democraticamente. Aliás, cada vez mais me convenço, que a democracia inventou-se para se poder roubar à vontade”.

E a vida tem destas coisas. Depois admirem-se que entre uma ditadura de barriga cheia e uma democracia com ela vazia, os portugueses não tenham dúvidas em escolher. E, note-se, já há muita gente que nem sabe se tem barriga...

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: ENTRE A LONGA POBREZA E A POBREZA LONGA

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