Luiz Gonzaga Belluzzo – Carta Capital
As economias mais frágeis da Eurolândia, as chamadas periféricas, continuam sob a estrita vigilância dos mercados financeiros, mas agora gozam de boa companhia. Chegou a vez de a Alemanha provar das poções amargas destiladas nas retortas dos senhores do universo. No último leilão de Bunds, títulos do Tesouro germânico, os investidores recusaram 2,35 bilhões de euros dos 6 bilhões oferecidos. “Isso é um completo desastre”, declarou um analista da Monument Strategies ao Financial Times. Ralph Unlauf, economista de um banco estatal dos Länder do Hesse e da Turíngia, afirmou que o fracasso do leilão é um “voto de desconfiança na Zona do Euro”.
Seja como for, o “desastre” não irrompeu na cena europeia como um raio em céu azul. Na esteira da desregulamentação financeira, a criação do euro estimulou a competição entre os bancos alemães, franceses, suecos, austríacos e ingleses, o que promoveu um impressionante “movimento de capitais” intraeuropeu. A maioria dos ditos PIIGS caiu na farra do endividamento privado, facilitado, entre outras coisas, pela redução dos spreads- entre os títulos alemães, o benchmark, e os custos incorridos na colocação de papéis públicos e privados dos países cujas moedas, se existissem, não proporcionariam tal moleza.
A exuberante expansão do crédito intraeuropeu gerou a bolha imobiliária espanhola e deflagrou uma explosão de consumo na periferia da Eurolândia e nos países do Leste do Velho Continente, os que ancoraram suas moedas no euro. A demanda frenética foi chuva criadeira para as exportações alemãs de manufaturados e, ao mesmo tempo, cavou buracos de dois dígitos na conta corrente dos pródigos eslavos e mediterrâneos. Nos tempos de euforia, os “gastadores” apresentavam contas correntes amplamente deficitárias e resultados fiscais superavitários.
Com a eclosão da crise, as medidas governamentais de socorro aos bancos com grande exposição aos consumidores endividados transferiram o estoque privado para dívida pública. Enquanto isso, as receitas dos governos despencavam, as despesas cresciam e os déficits se agigantavam.
Em meio à desconfiança quanto à solvência dos papéis soberanos, as lideranças europeias tropeçam em seus preconceitos e vacilações. Apresentada ao público comodestemida decisionista, Angela Merkel reagiu ao fracasso do leilão. Acorreu pressurosa aos microfones para acalmar os mercados e declarar sua inconformidade com a emissão de eurobônus em substituição aos títulos “nacionais” denominados na moeda única. Merkel teme pagar juros mais elevados nos eurobônus. No clima de desconfiança que impera na Europa, os temores e a hesitação da chanceler alemã estão prestes a desencadear uma crise bancária.
São muitos os analistas que diagnosticaram a doença congênita do euro. É desvairado definir um espaço monetário comum sem o apoio de um arranjo jurídico-político capaz de prover o fundamento fiscal para a gestão de uma moeda fiduciária. Sendo assim, desta vez é prudente prestar atenção no que os mercados “dizem”: não é possível prosseguir na moeda única sem que o devedor soberano esteja unificado.
Em artigo publicado no Financial Times em 29 de setembro, George Soros recomendou que as autoridade se entendessem a respeito da criação do Tesouro comum. Enquanto o acordo não for celebrado, diz, três providências devem ser tomadas: 1. Os bancos seriam colocados sob a direção do Banco Central Europeu em troca de garantias temporárias e permanente capitalização. 2. O BCE obrigaria os bancos a manter as linhas de crédito e os empréstimos. 3. O BCE permitiria o refinanciamento temporário a baixo custo de países comoEspanha e Itália. “As medidas acalmariam os mercados e dariam tempo para a Europa desenvolver uma estratégia de crescimento, sem a qual o problema da dívida não pode ser resolvido”, conclui.
Enquanto isso, esquenta o debate sobre a conveniência de se permanecer na moeda única ou cair fora da “prisão” que impede as desvalorizações cambiais. A controvérsia envolve a esquerda que pretende o avanço da Europa unificada. Eles também sublinham as dificuldades da construção europeia na ausência de um pacto federativo e de suas consequências fiscais. Os xenófobos à direita, não é difícil adivinhar, pretendem retornar imediatamente às moedas -nacionais.
À esquerda e ao centro, os defensores do euro consideram a proposta de saída da moeda única um recuo imperdoável que levará a consequências nefastas, tal como a guerra de desvalorizações competitivas e o calote na dívida denominada na moeda comum. Já a corrente radical do sindicalismo não deixa barato. Sugere chutar o pau da barraca: 1. Anunciar o default e propor a reestruturação da dívida. 2. Nacionalizar os bancos e as companhias de seguros; desmantelar os mercados de securities e de derivativos; controlar duramente os movimentos de capitais
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