sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O “DAY AFTER”




JOSÉ MANUEL PUREZA – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

Quatro notícias de ontem. Primeira: a Fitch decidiu baixar o rating de Portugal para "lixo". Entre os motivos para essa decisão está a revisão em alta dos valores da recessão que vai afectar a economia portuguesa e a inerente noção de que a qualidade dos activos bancários vai deteriorar-se e de que a dívida só tende a aumentar.

Segunda notícia: os juros da colocação de dívida com maturidade de dois anos, ontem registados, subiram em Portugal e atingiram máximos históricos (118%) na Grécia. Terceira notícia: a Alemanha não conseguiu colocar em mercado metade da dívida a 10 anos que pretendia, o que foi explicado pelos analistas como resultando dos extremos receios dos mercados acerca da rápida degradação da situação económica e financeira em toda a zona euro. Na verdade, os juros das dívidas francesa e belga entraram já em espiral de crescimento, o que levou a Moody's a ameaçar pôr fim ao triplo A do rating de França. Quarta notícia: a greve geral em Portugal registou uma mobilização sem precedentes em todos os sectores.

Lembrava ontem o Financial Times que foi tarde demais que os passageiros de primeira classe do Titanic tomaram consciência de que no naufrágio do navio eles naufragariam também. É uma metáfora certeira para a crise europeia. A tese de que quando o fogo da crise chamuscar as barbas da Alemanha e da França então tudo se resolverá é dramaticamente ilusória. A verdade é que o fogo já está nas suas casas. E eles continuam a regá-lo com gasolina. O que leva Angela Merkel e Nicolas Sarkozy a insistir na receita da austeridade recessiva é muito mais que o seu visível desdém para com as economias da periferia europeia: é o fundamentalismo ideológico que transforma o défice zero em dogma, mesmo - e sobretudo - quando isso acarreta a incineração do mais ténue vestígio de serviço público e de Estado social, seja na periferia seja nos seus próprios países. Não se arrependem porque é precisamente isso que querem em primeira linha. Na sua delirante irresponsabilidade, mostram estar convictos de que se for preciso destruírem a União Europeia para manterem os juros do financiamento das suas economias baixos - sim, a França e a Alemanha também se endividam... - levarão o projecto até ao fim. Sucede que, entretanto, as notícias de ontem mostram que Alemanha e França estão já a começar a naufragar nesse naufrágio que provocaram à União Europeia. Talvez dêem sinais de preocupação quando o ângulo de inclinação do navio for já de dimensão irreversível. Tanto pior para eles e para nós: a orquestra no tombadilho toca já as últimas valsas cuja melodia se mistura com o mergulho final do barco.

Foi por tudo isto que a greve geral de ontem em Portugal foi tão importante. Porque, não sendo a crise em que nos estão a afundar uma crise portuguesa, é aqui que a podemos e devemos combater nos seus fundamentos. Quando Vítor Gaspar diz com leveza que afinal a recessão - ou seja o empobrecimento - da nossa economia vai ser mais grave do que ele previa, confessa assim que quem nos governa não tem a mínima noção dos efeitos das suas decisões. Ou melhor, que a tem mas se está basicamente nas tintas para isso. Afinal de contas foi este Governo que nos brindou com esse expoente da novilíngua orwelliana de que é empobrecendo que ficaremos mais ricos. Trazer para a rua a consciência da imensa irresponsabilidade que tudo isto significa para o país foi um acto de patriotismo sem o qual a tecnicidade das alternativas não terá sentido. O que ontem tanta e tanta gente disse ao país foi que diante da alucinação ideológica que condena Portugal a naufragar a abstenção é o som da valsa da orquestra do tombadilho. Ou do foxtrot, se for uma abstenção violenta.

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