terça-feira, 22 de novembro de 2011

POBRE EUROPA




PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião

A visão do Mundo de que a Europa foi exemplar testemunho no passado entrou agora em crise (...). E pelos caminhos que está a tomar, a Europa não vai conseguir chegar a lado nenhum

Predominou até aos nossos dias a ideia de que as sociedades democráticas devem ser inclusivas, que os grupos de pessoas mais fracas ou vulneráveis, seja pela sua condição real seja por preconceito, não devem ser marginalizados e afastados dos processos de tomada de decisão sobre os assuntos do interesse colectivo. Por isso, progressivamente, foi extinta a escravatura e a servidão, foi reconhecido o direito de voto às mulheres e foi-se expandindo o sufrágio universal.

E é claro que este processo não podia ficar limitado aos chamados direitos "civis" ou de "participação política". Reconhecendo a notória assimetria entre a condição do trabalhador e a do empresário, foi instituído o direito à negociação colectiva para compensar as circunstâncias desvantajosas em que, de outra forma, o trabalhador individual teria de acertar com o empregador os direitos e os deveres inerentes à relação laboral a constituir. E porque se verificou que isto não era ainda suficiente, foi necessário fazer novas leis para proibir a exploração do trabalho das crianças, estabelecer um limite máximo da duração da jornada de trabalho, instituir um dia de descanso semanal, exigir um fundamento razoável para o despedimento de um trabalhador, atribuir o direito a uma pensão na velhice como compensação de uma vida inteira de trabalho.

Estes direitos, para se distinguirem dos primeiros, foram outrora designados impropriamente por "direitos sociais", como se uns e outros não fossem exigência elementar de uma convivência decente entre seres humanos "livres e iguais". E por isso mesmo, foi-se impondo o reconhecimento de que não havia justificação para excluir deste entendimento generoso e racional os nacionais de outros países, que por serem oprimidos nos territórios onde tinham nascido ou por buscarem um destino mais ameno e esperançoso, procuraram refúgio e ocupação digna em paragens remotas. E assim, foi-se consolidando a ideia de que aos estrangeiros - refugiados ou imigrantes - não podiam ser negados os direitos que inicialmente apenas se reconheciam aos cidadãos nacionais. Aliás, foi o grande sucesso da adopção destes princípios que criou o prestígio mundial alcançado pela Europa e o motivo que iria atrair para o Velho Continente famílias inteiras oriundas de outras terras e culturas, falantes de línguas estranhas e crentes de diversas religiões que contribuíram para o florescimento económico e o bem-estar das nossas sociedades democráticas e cosmopolitas.

Aparentemente, esta visão do Mundo de que a Europa foi exemplar testemunho no passado entrou agora em crise. A universalidade dos direitos, a coesão social, a integração económica, a união fiscal e a construção política europeias enfrentam ameaças sérias de desagregação. As exigências de competitividade e de produtividade sobrepõem-se aos conceitos de decência, dignidade, solidariedade e justiça. A escassez de recursos torna obsoleto o princípio da equidade. O envelhecimento da população e o crescimento do desemprego são pretexto para o corte de pensões e dos apoios aos desempregados. As tensões sociais criadas pelo pluralismo cultural inspiraram reacções conservadoras e populismos que conseguiram impor crescentes restrições à imigração, acatadas por governos legítimos. Sem "poderes soberanos" para emitir moeda ou alterar as taxas de câmbio, os países da Zona Euro, como fruste contrapartida por terem aceitado partilhar a sua soberania monetária, são agora obrigados a pagar as suas "dívidas" - que só por ironia se continua a designar por "soberanas" - à mercê das condições ditadas pelos especuladores nos mercados financeiros "desregulados".

Reforçam-se os nacionalismos e surgem afloramentos xenófobos, ao mesmo tempo que se afirma um modelo intergovernamental onde a Europa se exprime e preferencialmente se faz representar através dos governantes alemães ou das pomposas cimeiras franco-alemãs, em detrimento da Comissão Europeia e dos restantes titulares dos órgãos próprios da União. Por tais caminhos, a Europa não vai conseguir chegar a lado nenhum.


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