MARTINHO JÚNIOR, Luanda
UMA FRONTEIRA COM ESPERANÇA
Em Angola o homem tem sido extremamente limitado, quer pelas conjunturas históricas que muitas vezes foi obrigado a viver, quer pelas suas próprias fraquezas e inaptidões.
Mas o homem, sobretudo o homem angolano, tem hoje mais que nunca, desde que em 2002 se conseguiu a ausência de tiros em todo o espaço nacional, oportunidade para se superar, com alguma vontade, lucidez e coragem.
Apesar da falta de estratégia, particularmente no que diz respeito às previsões e programas de muito longo prazo, há impactos sócio-culturais importantes que, não havendo alternativas, é necessário melhor conceber e equacionar!
Para muitos foi demasiado ousado o anúncio de que Angola iria construir um milhão de casas, um milhão que pode contribuir para o início de impactos sócio-culturais de vulto na sociedade angolana e conduzi-la a um patamar de sustentabilidade que nunca foi antes alcançado.
É evidente que a esse milhão, outros milhões se deverão seguir, pois a população angolana, em que as camadas jovens são predominantes, está a aumentar.
É um desafio, esse milhão de casas: podemos alcançá-lo em poucos anos se a ausência de tiros continuar a ser amadurecida, se a motivação da sociedade se concentrar nesses objectivos e isso apesar de alguns sectores das novas elites angolanas se terem rendido ao “apartheid” social que se tornou visível em algumas das nossas cidades.
De todos os projectos em curso, tenho tido a oportunidade de acompanhar um dos que se destina às camadas sociais mais fragilizadas de Luanda: os Zangos.
Os Zangos têm sido local de acolhimento de milhares e milhares de famílias que são obrigadas a sair das áreas tradicionais de sua habitação suburbana, em função das enormes transformações em curso em Luanda, em especial famílias que viviam em péssimas condições de salubridade, de higiene, de sanidade pública, em pleno “muceque”…
Por exemplo: algumas das famílias que tiveram de ser deslocadas do Capalanga por causa da enchente produzida na lagoa artificial receberam casa nos Zangos!
Das lagoas do Cazenga serão removidas, segundo as estimativas, 50.000 famílias, tendo sido já contempladas as primeiras 240, que foram instaladas no Zango IV.
As condições básicas de urbanismo foram conseguidas nesse vasto “canteiro de obras”, num imenso planalto que se estende de Viana até Calumbo, na margem direita do rio Quanza.
Os Zangos tiveram e mantêm perspectivas sequenciais de expansão: começou-se com o Zango I e agora já se vai no IV, sempre em direcção sudeste, com a contribuição e intervenção de vários empreiteiros das mais distintas origens.
A moradia base é feita sem alicerces, com uma altura reduzida de parede, coberta com chapa zincada, mas possui três quartos, um corredor, uma sala comum e dois nichos: uma casa de banho e uma cozinha; cada moradia tem direito a um quintal que à partida permite circulação de ar e é propiciado um ambiente aceitável para cada agrupamento familiar.
As casas possuem pequenas foças, quase sempre insuficientes para o tipo de famílias angolanas bastante numerosas, mas podem ser alvo de melhorias, inclusive para aqueles que tenham parcos recursos.
Nas urbanizações, duma forma geral, está garantida energia e água e cada residência é entregue aos moradores com um pequeno reservatório!
A estimativa média para a sua construção inicial é entre 7.000 e 10.000 Usd, custos suportados pelo estado, desconhecendo eu o valor médio que os empreiteiros recebem (são eles que não só constroem as moradias, mas também preparam terrenos, arruamentos, esquadrias, água e luz…).
As urbanizações possuem insuficiências de ordem física e humana:
- Não há drenagem de águas da chuva;
- Os arruamentos, fora dos eixos principais, são de terra batida;
- Há muito poucos espaços verdes e esplanadas;
- Os esforços de gestão no sentido de preservar espaços vazios não são bem sucedidos desde logo no Zango I.
- Não há suficiente mobilização humana no sentido de melhor se garantir um nível aceitável de higiene e salubridade.
O padrão urbanístico e da construção, pode e deve servir como modelo básico para as áreas urbanas e rurais em todo o país, mesmo que as empreitadas sejam em regimes de auto construção e os materiais sejam locais (por exemplo o emprego de adobe); todavia há que melhorar muita coisa que é possível melhorar.
Em todos os bairros criados há a necessidade prévia de se fazer uma análise adequada de solos: há os que são permeáveis, mas também há aqueles que não absorvem água e por isso levam à expansão de charcos.
É importante que as famílias resgatadas a áreas onde o paludismo e as diarreias eram crónicos, beneficiem de saneamento que leve ao impedimento da proliferação dos charcos, ou da expansão de águas das foças, que levando por seu turno à proliferação de insectos e de mosquitos, conduzem à incubação das doenças que mais matam em Angola.
Integrar nas comunidades conceitos básicos de prevenção sai de certo mais barato e é muito mais racional que andar a combater desesperada e sistematicamente essas doenças, mesmo que se aumentem os cuidados de desinfestação e se construam muitos postos sanitários para a assistência.
Quando os Zangos se iniciaram, toda a natureza relativamente árida da região foi remexida e daquele planalto, houveram espécies animais que migraram ou desapareceram, à medida que o homem se foi instalando, enquanto outras continuaram resistentes.
Como na área nunca houve desratização, à medida da concentração humana assim os ratos, que antes existiam na natureza de forma equilibrada, vão agora proliferando, o que tende a fazer aumentar as doenças.
No Zango I, o primeiro dos Zangos a ser criado, os erros de gestão humana foram-se acentuando:
- Os espaços vazios foram desaparecendo;
- As possibilidades de amplas zonas verdes também;
- A concentração humana aumentou de forma menos adequada em termos de salubridade, saneamento e higiene;
- A densidade de ocupação não é a razoável, se comparada às necessidades de vida urbana, levando em atenção até as imensas amplidões do país;
- Os riscos de proliferação de doenças tendem por conseguinte a aumentar, depois das satisfatórias expectativas iniciais.
Os gestores locais queixam-se da imperatividade das interferências a partir do próprio Governo Provincial: os gestores que fazem parte da administração provincial são receptivos aos interesses que visam ocupar os espaços vazios destinados a áreas comunitárias ou sociais e vai daí, estão abertos a que se instalem pequenos negócios, comércios a retalho de todo o tipo, pequenas oficinas e iniciativas de todo o género, sem respeitar as esquadrias da urbanização, sem levarem em conta as insuficiências de salubridade e saneamento e sem se importarem de inculcar procedimentos básicos saudáveis.
Em reflexo da cobiça estimulada pelos vários patamares administrativos, a especulação mobiliária instalou-se como um vírus também nos Zangos: cada “base” tem agora preços que oscilam entre os 15.000 e os 40.000 Usd, em relação a moradias sem alterações do traço original.
Os moradores por seu turno, procuram construir anexos para alugar, diminuindo nos quintais os espaços, a circulação de ar e não cuidando da possibilidade da plantação de árvores.
As zonas verdes, as poucas originalmente concebidas, não estão a merecer cuidados suficientes, também por força das ocupações anárquicas, pelo que o ambiente tende a deteriorar-se.
O Zango I está-se a transformar num “muceque” similar ou parecido àquele tipo de “muceques” de onde a maior parte das pessoas que foram removidas são originárias, ou seja: está-se a perder a oportunidade de garantir melhores condições de vida nas áreas de recepção e acomodamento das comunidades, ali onde os grupos sociais de menores recursos estão a ser implantados!
Não sabemos se o estado angolano está atento a este tipo de problemas que contrariam as iniciais intenções, mas se não estiver o resultado será a manutenção dum padrão de vida pouco digno e pouco saudável senão mesmo insustentável.
É necessário e urgente que grupos de estudo multi sectoriais, a nível central e provincial, acompanhem ao pormenor os impactos estruturais, sócio-culturais e ambientais, mais do que continuarem, sem reflexão, a construir para depois dar origem a esse tipo de contrariedades.
Há experiências novas que os angolanos estão já a viver que merecem cuidados intensivos garantes dum modo de vida saudável ainda que rústico, por que é todo o povo angolano que pouco a pouco irá ganhar com isso.
As universidades estão a preparar poucos sociólogos e poucos psicólogos, para citar duas actividades imprescindíveis.
Desse modo poucas estatísticas e sensos existem, pelo que os dados disponíveis são sempre deficientes ou insuficientes, o que se vai reflector depois no resto das actividades, nos programas de toda a ordem e na planificação possível na própria economia, pois há muita coisa que não é o “mercado” que vai resolver!
A tendência para se dar atenção especial ao cimento e ao alcatrão, colocando o homem muitas vezes à margem, causa distorções de todo o tipo que, à medida que o tempo passa e vão surgindo novas gerações, contribuem para desajustamentos e mais desequilíbrios, que por seu turno causam marginalidade, tensões, crimes e roturas sociais e psicológicas.
Saibamos conferir às humanidades e ao conhecimento científico capaz de equacionar bons ambientes naturais, aquilo que é prioritário: construir no homem e na natureza, com esmero, paciência e amor, a solidária felicidade que se merece depois de tantos séculos de solidão!
*Foto tirada a 2 de Setembro de 2011: Zango IV – pronto a habitar!
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