quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Reestruturação na televisão pública: GRUPO PROPÕE REDUZIR INFORMAÇÃO NA RTP



Público

Três dos dez elementos que integravam o grupo de trabalho que o Governo nomeou para a definição do conceito de serviço público de comunicação social demitiram-se e já não assinam o documento que deverá ser entregue ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, na próxima segunda-feira (e não amanhã). Nesse documento, propõe-se a redução do peso da informação na televisão pública, o que provocou o último afastamento. Na proposta de reestruturação da RTP, que o Governo apresentou recentemente, defende que a informação deve ser o eixo estruturante da televisão pública.

As demissões de João Amaral, jurista e director de edições gerais do Grupo Leya, e do jornalista e ex-director da Rádio Renascença e do PÚBLICO, Francisco Sarsfield Cabral, ocorreram em Outubro, mas foram mantidas em sigilo. A estas juntou-se a da ex-jornalista e actual pró-reitora da Universidade do Minho, Felisbela Lopes, o único membro do grupo doutorado em Informação Televisiva.

"Saio porque não assino nenhum documento que não considera a informação o eixo estruturante do serviço público e porque algumas das sugestões que estão incorporadas no documento colidem com aquilo que defendo para o serviço público", declarou. "Fico boquiaberta perante um documento que propõe a redução da informação na RTP", disse, sublinhando que "qualquer tese que vá no sentido do encerramento da RTP Informação contará com a minha oposição".

De resto, Felisbela Lopes refere que um dos estudos que fez recentemente e que constam do seu livro denominado A TV dos Jornalistas, que será lançado ainda esta semana, documentam que a RTP Informação "é essencial, por exemplo, para haver diversidade geográfica ao nível dos convidados chamados a estúdio". Em análise ao longo de um ano consecutivo de informação televisiva nos seis canais (RTP, RTP Informação, SIC, SIC-Notícias, TVI, TVI 24) estiveram 1673 emissões e 2158 convidados. Por outro lado, a pró-reitora mostra surpresa pelo facto de o documento ter um considerando sobre a ERC, quando o ministro não mandatou o grupo para pensar o órgão de regulação dos media.

TV pública, precisa-se?

O relatório, que conheceu "cinco versões", tem cerca de 30 páginas e parte de três pressupostos: a intenção do Governo privatizar um canal da RTP, a questão financeira e ainda a premissa constitucional de existência de um operador de serviço público de televisão. Neste cenário, o relatório procura definir o que deve ser o serviço público e como devem funcionar os meios que o Estado manterá, incluindo a agência Lusa e a rádio pública, disse ao PÚBLICO um dos membros que não quis ser identificado. Nestas balizas do funcionamento entra a discussão sobre a publicidade – que na RTP está limitada a seis minutos por hora e nos privados é o dobro.

"O serviço público é aquilo que os privados não fazem igual ou melhor. E por isso o serviço público não é para competir com os privados: é para ser melhor que eles". Este é um ponto claro para o grupo. "O que é discutível é o número de canais para levar a cabo esse serviço público." Embora parta do pressuposto de que um canal da RTP é para privatizar, o relatório não se pronuncia sobre a privatização. Mas uma questão fulcral para o conteúdo do relatório é mesmo a interrogação de que, se não há imprensa do Governo, por que razão há uma televisão.

Daí que sejam analisados os vários canais do universo RTP para perceber quais os que se justificam no âmbito do serviço público. Se o canal internacional é considerado como indiscutível serviço público, já a RTP Memória fica de fora de tal filosofia. Aliás, para o grupo de trabalho seria mais urgente resolver o problema do arquivo da RTP - que precisa de tratamento, instalações condignas e deveria estar mais acessível aos cidadãos - do que criar um canal-memória. A mesma fonte revelou ainda que, em matéria de informação, o que a preocupa "é a manipulação da informação".

Mas nem todas as demissões terão que ver com o conteúdo do relatório. João Amaral, o primeiro a sair, alegou exclusivamente razões de ordem pessoal na curta carta que entregou a Miguel Relvas. Contactado pelo PÚBLICO, o jurista recusou avançar pormenores, centrando o seu afastamento na esfera de motivos pessoais. "As razões, guardo-as para mim. Entendi que devia sair", disse.

Já Sarsfield Cabral, que é contra a privatização da RTP, tem outras razões, considerando que as declarações que o ministro Miguel Relvas fez sobre questões que estavam a ser discutidas pelo grupo esvaziaram de alguma maneira o trabalho que estava a ser feito. "Estive fora e, por essa razão, faltei a reuniões do grupo de trabalho. Quando cheguei, tive acesso às declarações do ministro e perante o que ouvi entendi que não fazia sentido continuar a fazer parte daquele grupo de trabalho", disse, sublinhando que durante a sua ausência "foram dadas directrizes que retiraram sentido à sua participação". O coordenador do grupo, João Duque, recusou comentar as demissões, argumentando que elas tinham sido apresentadas ao ministro dos Assuntos Parlamentares. Depois de conhecidas as demissões, o BE apresentou ontem um requerimento a solicitar a audição dos demissionários, com carácter de urgência.

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