terça-feira, 20 de dezembro de 2011

América Latina: Crise do euro é lição para o Mercosul, diz presidente uruguaio




Crise europeia da dívida serve para atenuar clamores por uma moeda comum no Mercosul, afirma José Mujica. "Não pode haver unidade monetária se não forem estabelecidas previamente políticas fiscais comuns."

O Mercosul pode tirar algumas lições da crise da dívida que enfrentam os países da zona do euro, afirmou o presidente temporário do bloco americano, José Mujica. "Uma das lições mais esclarecedoras que nos deixou a crise da zona do euro é que não pode haver unidade monetária se não forem estabelecidas previamente políticas fiscais comuns efetivas", afirmou o presidente do Uruguai em entrevista à Deutsche Welle.

"O que ocorre na União Europeia serviu para atenuar o ímpeto com que vínhamos clamando por uma moeda regional. Temos muito a resolver no Mercosul antes de alcançar esse objetivo", ressaltou Mujica, que chegou à Alemanha neste sábado (15/10), cumprindo a segunda estação de seu breve giro pela Europa, entre a Noruega e a Bélgica.

O também atual presidente do Mercosul visitará a capital institucional da União Europeia com vistas a reavivar as negociações entre os europeus e o mercado comum da América do Sul, estagnadas devido à crise na zona do euro.

A Deutsche Welle o entrevistou na casa oficial de hóspedes do senado da cidade-Estado de Hamburgo.

Deutsche Welle: O senhor veio à Alemanha acompanhado por sete de seus ministros e uma delegação de 30 empresários. Que espera desta viagem, como chefe de governo do Uruguai e presidente temporário do Mercado Comum do Sul?

José Mujica: Venho recordar ao empresariado alemão que o Uruguai é um país estável, que leva a sério os compromissos que assume, e, embora pequeno, é uma porta de entrada nada desprezível para o Mercosul. E como representante do Mercosul, venho continuar as negociações pendentes com a União Europeia. Tempos como estes, em que os europeus têm problemas internos, não propiciam os acordos de livre comércio que ambos os blocos tenta firmar há anos; porém nosso dever é insistir nisso, pois convém à nossa região ter relações comerciais diversificadas.

Os vínculos entre a América Latina e a China apresentam aspectos muito favoráveis, mas, falando estrategicamente, quanto mais diversificadas que sejam nossas relações comerciais, mais segurança nossas economias terão no futuro. Por outro lado, é importante para nós mantermos os pés na terra e dizer à Europa: "Acorda! Dá-te conta que o espaço que não ocupares, a China vai ocupar e em prazo muito curto". A China é o cliente número um do Brasil e o segundo tanto da Argentina como do Uruguai, em pouco tempo será o primeiro. Queremos reforçar nossos laços com a Europa, pero para bailar se necesitan dos [para dançar são necessárias duas pessoas].

A Europa tem seus problemas e olha em direção a outras partes do mundo: nós viemos para dizer a ela que volte os olhos para o Sul. Aqui vamos nos reunir com os empresários alemães e com a chanceler federal Angela Merkel: queremos compartilhar com ela a visão que se tem na América do Sul da situação que atravessa a União Europeia. Estamos muito preocupados com a crise do euro. Suas sequelas não se fizeram sentir com força em nossa região – as economias de nossos países estão crescendo 6%, 7% ou 8% – mas essa crise é tão grande que em algum momento começaremos a perceber seus efeitos.

A União Europeia teme sucumbir à prova de fogo que constitui a crise do euro. Ao mesmo tempo, muitos falam de uma década iminente de prosperidade latino-americana. O senhor não crê que esses cenários tão contrastantes venham a estimular as acidentadas negociações entre a União Europeia e o Mercosul?

Digamos assim: em meio a tanta insegurança e incerteza anuncia-se uma boa oportunidade para muitas das empresas prósperas do bloco comunitário. As chances de investimento, que escasseiam na Europa neste momento, podem ser encontradas na América do Sul, e é natural que seja assim. Contudo, não compartilho dessa visão apocalíptica de que a União Europeia vá se dissolver. Apesar da gravidade da situação, ela vai superar esta crise porque tem história, tem recursos e tem talentos. Seu problema atual se origina no fato de a economia financeira mandar sobre a política, quando deveria ser o inverso.

O que os líderes do Mercosul aprenderam com a crise da Eurozona?

Uma das lições mais esclarecedoras que nos deixou a crise da zona do euro é que não pode haver unidade monetária se não forem estabelecidas previamente políticas fiscais comuns efetivas. Isso nós não sabíamos, pensávamos que era ao contrário, que uma moeda comum nos alinharia nos demais setores. E o que ocorre na União Europeia tem servido para atenuar o ímpeto com que vínhamos clamando por uma moeda regional. Temos muito a resolver no Mercosul antes de alcançar esse objetivo, e cada passo é um desafio sério, pois ainda nos custa muito aceitar a noção de supranacionalidade.

Apesar da crise, a União Europeia segue mostrando-se disposta a ampliar sua lista de países-membros. Como avança o processo de expansão do Mercosul?

No momento temos uma grande assimetria no Mercosul. O bloco está formado por dois países pequenos – Uruguai e Paraguai – e dois muito grandes – Brasil e Argentina. Para os países pequenos, seria muito importante o ingresso da Venezuela. E, embora estejamos conscientes de que isso não agrada a outras partes do mundo, que têm bronca do presidente venezuelano, Hugo Chávez, temos que recordar que os governos passam e as nações ficam, e que a Venezuela tem uma das principais reservas de petróleo do planeta. Agora que a Venezuela está batendo à porta do Mercosul, seria uma estupidez de nossa parte não abri-la.

Entrevista: Evan Romero-Castillo (av) - Revisão: Alexandre Schossler

Na foto DW: Mujica durante a visita de Estado na Alemanha

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