terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Brasil: COM ALTA TAXA DE MORTES POR AIDS, RIO GASTA MENOS EM PREVENÇÃO


Voluntário José Luiz distribui camisinha DOMINGOS PEIXOTO / O GLOBO
REDE VIH/SIDA

BRASÍLIA – O Rio é o estado com os piores indicadores relacionados à Aids no Sudeste, que concentra 56% dos casos. No ano passado, a incidência da doença foi de 28,2 para cada 100 mil habitantes, a quinta maior do país e a mais elevada da região. A taxa de mortalidade também é a mais alta do Sudeste e destoa da registrada no Brasil como um todo. Enquanto no Rio a taxa de mortos por Aids é de 10,3 para cada 100 mil, no Brasil é de 6,3. O número de cariocas infectados pelo vírus HIV também aumentou em relação a 1998, passando de 4.204 para 4.504.

Para o Ministério da Saúde, que divulgou o último Boletim Epidemiológico da Aids esta semana, o problema é o diagnóstico tardio e, consequentemente, o início do tratamento quando o estado do paciente já é grave.

— Os números do Rio nos preocupam. Hoje, no estado, a questão é identificar as pessoas oportunamente e oferecer o tratamento — diz Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do Departamento de DST e Aids do ministério.

Nos últimos 12 anos, os indicadores do Rio flutuaram bastante, melhorando no fim da década de 90, mas voltando a piorar a partir de 2007. Para o representante da Organização das Nações Unidas para a Aids no Brasil, Pedro Chequer, isso sinaliza inconsistência na política de prevenção e tratamento à Aids.

— O problema é a porta de entrada para o diagnóstico. O Rio tem rede hospitalar, mas não rede ambulatorial. Com frequência, os diagnósticos são feitos na emergência do Hospital Municipal Miguel Couto, com o paciente já em situação gravíssima.

Diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chaga, da Fundação Oswaldo Cruz, Valdiléia Veloso chama atenção para a incidência de Aids em menores de 5 anos, que, em 1998, era praticamente igual em São Paulo e no Rio. Hoje, sem levar em conta dados de 2011, São Paulo registra dois casos e o Rio, 5,8 casos, em cada cem mil habitantes.

— Isso tem relação com os cuidados no pré-natal. Há mulheres que são diagnosticadas com HIV na gestação e recebem medicamentos para evitar a transmissão para o bebê. Dois anos depois, a mesma mulher retorna grávida e conta que não se tratou. Vimos essas histórias em pesquisas — diz. — Hoje, há um maior investimento no Rio em programas de Saúde da Família, mas isso não significa melhora na prevenção, no diagnóstico e no tratamento da Aids.

O estado é o que menos executa recursos de incentivo que o governo federal repassa para ações de prevenção à Aids. Desde 2003, quando o Programa de Ações e Metas (PAM) começou, o Rio executou 75% da verba que recebeu. São Paulo gastou 88% da verba; Minas Gerais, 82%; e Espírito Santo, 76%. Em maio deste ano, última atualização do sistema, R$ 20,4 milhões estavam parados nas contas do governo do Rio, que, por sua vez, passa o dinheiro para as cidades investirem em testes rápidos e capacitação de equipes de atendimento a pacientes aidéticos. Em Mesquita, apenas 14% do total enviado foi gasto. Na capital, onde, segundo o Fórum de ONGs Aids do Rio, estão 60% dos casos de Aids, pouco mais da metade dos recursos recebidos foram aplicados: 52%.

— Quando a pessoa consegue realizar o teste, demora até ter a primeira consulta e começar a tomar os medicamentos. Isso é rotina no Rio. Nos postos e hospitais que poderiam estar fazendo o teste anti-HIV, há pouca oferta. A política de Aids não funciona — reclama Willian Amaral, do Fórum de ONGs do RJ.

Superintendente de Vigilância Epidemiológica do estado, Alexandre Chieppe admite que o acesso precisa ser ampliado.

— Temos problemas em alguns locais. Sabemos que o teste é crucial para a resposta à Aids, por isso, estamos em processo de aquisição de unidades móveis de testagem.

‘Falta assistência’

O relato de José Luis Santos da Silva, 46 anos, sobre a descoberta da contaminação por HIV impressiona pelos detalhes. A notícia veio logo após uma doação de sangue, em agosto de 2007, e o deixou estarrecido. Separou-se da mulher, passou quase dois meses “morando” na Rodoviária Novo Rio, e entrou em desespero. Apenas seis meses depois, conseguiu iniciar o tratamento para a doença com o coquetel antiretroviral.

— As pessoas pensam que basta tomar uns comprimidinhos e tudo vai ficar bem. Mas não é assim: eles causam reações muito desagradáveis — conta ele, que diz saber a razão pela qual o Rio lidera a incidência e a taxa de mortalidade por Aids no Sudeste: — Isso acontece porque a política de Aids do estado é a da desassistência. Faltam leitos, testes anti-HIV e medicamentos para doenças oportunistas.

Além disso, segundo José Luis, o estigma contra a doença permanece, embora já esteja mais do que provado que a infecção não acomete apenas homossexuais.

— Quando eu digo que tenho Aids, dizem logo: nossa, você é gay? — relata ele, que é heterossexual.

Verbas para ação de prevenção à Aids caiu 50%

Com cerca de 34 mil novos casos de Aids registrados só no ano passado, o Brasil deixou de aplicar mais de R$140,3 milhões em ações de prevenção e tratamento da doença, segundo denúncia feita em Recife por 29 entidades que integram a Articulação Aids em Pernambuco. A verba, proveniente da Política de Incentivo para Estados e Municípios na área de DST/Aids do Ministério da Saúde, deveria ter sido utilizada por prefeituras e governos estaduais ao longo dos últimos três anos.

De acordo com a secretária regional do Conselho Latino Americano e Caribenho de ONG/Aids, Alessandra Nilo, o combate à infecção deixou de ser prioridade no Brasil em todas as esferas de governo, e as verbas destinadas a prevenir o contágio pelo HIV vêm diminuindo de forma gradativa.

— Em 2008, 14% dos recursos para a Aids no Brasil eram destinados a ações preventivas. Mas, em 2009, esse percentual foi reduzido a 7%, conforme relatório encaminhado pelo governo brasileiro à Unaids em 2010 — afirmou, referindo-se ao programa das Nações Unidas para o combate à doença.

Fonte: Globo.com, 5.12.11

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