Nouriel Roubini - © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org – em Jornal de Negócios
O panorama para a economia mundial em 2012 é claro, mas não é bonito: recessão na Europa; crescimento anémico nos EUA, no melhor dos cenários; e uma forte desaceleração na China e na maioria das economias dos mercados emergentes.
As economias asiáticas estão expostas à influência da China. A América Latina está exposta à descida das cotações das matérias-primas (à medida que a China e as economias avançadas abrandam). A Europa Central e a Europa de Leste estão expostas à Zona Euro. E os tumultos no Médio Oriente estão a provocar sérios riscos económicos – tanto naquela região como em todas as outras – numa altura em que o risco geopolítico continua a ser elevado e em que, por isso, os elevados preços do petróleo continuarão a penalizar o crescimento global.
Neste momento, a recessão na Zona Euro é certa. Se bem que não se possa prever a profundidade e duração dessa recessão, um contínuo aperto do crédito, os problemas da dívida soberana, a falta de competitividade e a austeridade orçamental implicam uma séria contracção.
Os Estados Unidos – que estão a crescer a passo de caracol desde 2010 – deparam-se com consideráveis riscos de contracção devido à crise na Zona Euro. Além disso, têm também de fazer face a um significativo agravamento orçamental, ao contínuo desendividamento das famílias (num contexto de fraca criação de empregos, rendimentos estagnados e persistente pressão baixista sobre a riqueza imobiliária e financeira), ao aumento das desigualdades e ao impasse político.
Entre as demais grandes economias avançadas, o Reino Unido mergulha numa nova recessão, enquanto a consolidação orçamental e a exposição à Zona Euro minam o crescimento. No Japão, a recuperação pós-terramoto irá diluir-se enquanto os débeis governos se forem revelando incapazes de implementar reformas estruturais.
Enquanto isso, as deficiências no modelo de crescimento da China estão a tornar-se óbvias. A queda dos preços das propriedades está a gerar uma reacção em cadeia que terá um efeito negativo sobre os promotores imobiliários, sobre o investimento e sobre as receitas governamentais. O movimento de forte expansão da construção está a começar a estagnar, numa altura em que as exportações líquidas começam a pesar sobre o crescimento, devido à diminuição da procura por parte dos Estados Unidos e especialmente por parte da Zona Euro. Depois de terem tratado de acalmar o mercado imobiliário ao travarem a subida descontrolada dos preços, os líderes chineses vão ter dificuldades em retomar a via do crescimento.
Eles não são um caso único. No que diz respeito a políticas, os EUA, a Europa e o Japão têm vindo também a adiar as importantes reformas económicas, orçamentais e financeiras necessárias para restabelecer o crescimento sustentável e equilibrado.
A desalavancagem dos sectores público e privado nas economias avançadas ainda mal começou, com os balanços ainda tensos junto das famílias, dos bancos e das instituições financeiras, bem como dos governos locais e centrais. Apenas o sector das empresas de ponta é que revelou melhorias. No entanto, com tantos riscos de cauda tão persistentes e com as incertezas a nível mundial a pesarem na procura final, e com a capacidade excedentária a manter-se elevada, devido ao sobreinvestimento excessivo do passado no mercado imobiliário em muitos países e ao aumento do investimento da China no sector da transformação nos últimos anos, os gastos de capital e a contratação por parte destas empresas mantiveram-se fracos.
A crescente desigualdade – que se deve, em parte, do corte de empregos decorrente das reestruturações das empresas – está a reduzir ainda mais a procura agregada, uma vez que as famílias, os indivíduos mais pobres e as pessoas dependentes dos rendimentos do seu trabalho têm uma maior propensão marginal para gastar do que as empresas, as famílias ricas e as pessoas que dependem dos rendimentos de capital. Além disso, à medida que as desigualdades geram protestos em todo o mundo, a instabilidade social e política poderá colocar um risco adicional sobre o desempenho económico.
Ao mesmo tempo, os principais desequilíbrios das contas correntes – entre os EUA e a China (e outras economias de mercados emergentes) e entre o núcleo e a periferia da Zona Euro – continuam a ser grandes. O ajustamento ordenado exige uma menor procura interna nos países com gastos excessivos que apresentam avultados défices das contas correntes e exige também menores excedentes comerciais nos países que poupam excessivamente, através da apreciação da moeda real e nominal. Para se manter o crescimento, os países de gastam em demasia precisam de uma depreciação nominal e real para melhorarem as suas balanças comerciais, ao passo que os países com superavit precisam de impulsionar a procura interna, especialmente o consumo.
No entanto, este ajustamento de preços relativos através de movimentos cambiais está estagnado, pois os países excedentários estão a resistir a uma apreciação da taxa de câmbio, preferindo impôr uma deflação recessiva nos países deficitários. As resultantes batalhas cambiais estão a ser travadas em várias frentes: intervenção no mercado de divisas, flexibilixação quantitiva e controlo das entradas de capital. E com o crescimento mundial a enfraquecer ainda mais em 2012, essas batalhas poderão escalar e transformar-se em guerras comerciais.
Em conclusão, os decisores políticos estão a ficar sem opções. A desvalorização cambial é um jogo de soma zero, porque nem todos os países pode proceder a uma depreciação da moeda e melhorar ao mesmo tempo as exportações líquidas. A política monetária será flexibilizada à medida que a inflação se for tornando um tema ausente nas economias avançadas (e um problema menor nos mercados emergentes). Contudo, a política monetária é cada vez mais ineficiente nas economias avançadas, onde os problemas derivam mais da insolvência – e, por conseguinte, da capacidade creditícia – do que da falta de liquidez.
Entretanto, a política orçamental é condicionada pelo aumento dos défices e do endividamento, pelos “vigilantes” das obrigações e pelas novas regras orçamentais na Europa. Apoiar e resgatar instituições financeiras é politicamente impopular, uma vez que os governos quase-insolventes não têm dinheito para o fazer. E, politicamente, a promessa do G-20 deu lugar à realidade do G-0: os governos mais débeis têm cada vez maiores dificuldades em implementar uma coordenação política internacional, à medida que as visões do mundo, as metas e os interesses das economias avançadas e dos mercados emergentes entram em conflito.
Consequentemente, lidar com os desequilíbrios – as enormes dívidas das famílias, das instituições financeiras e dos governos – tapando os problemas de solvência com financiamento e liquidez poderá acabar por dar lugar a reestruturações penosas e possivelmente desordenadas. Da mesma forma, lidar com a fraca competitividade e com os desequilíbrios das contas correntes requer ajustamentos cambiais que poderão acabar por levar alguns membros a saírem da Zona Euro.
Restaurar a vida de um crescimento robusto já é suficientemente difícil sem o fantasma sempre presente da desalavancagem e da grave escassez de munições políticas. Mas é esse o desafio que a economia global, frágil e desequilibrada, enfrenta em 2012. Parafraseando Bette Davis em "All About Eve", "apertem os cintos de segurança, vai ser um ano cheio de solavancos!"
*Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é “chairman” da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics. O seu "outlook" detalhado para o crescimento mundial em 2012 está disponível em www.roubini.com
Direitos de autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
© Project Syndicate, 2011.
Neste momento, a recessão na Zona Euro é certa. Se bem que não se possa prever a profundidade e duração dessa recessão, um contínuo aperto do crédito, os problemas da dívida soberana, a falta de competitividade e a austeridade orçamental implicam uma séria contracção.
Os Estados Unidos – que estão a crescer a passo de caracol desde 2010 – deparam-se com consideráveis riscos de contracção devido à crise na Zona Euro. Além disso, têm também de fazer face a um significativo agravamento orçamental, ao contínuo desendividamento das famílias (num contexto de fraca criação de empregos, rendimentos estagnados e persistente pressão baixista sobre a riqueza imobiliária e financeira), ao aumento das desigualdades e ao impasse político.
Entre as demais grandes economias avançadas, o Reino Unido mergulha numa nova recessão, enquanto a consolidação orçamental e a exposição à Zona Euro minam o crescimento. No Japão, a recuperação pós-terramoto irá diluir-se enquanto os débeis governos se forem revelando incapazes de implementar reformas estruturais.
Enquanto isso, as deficiências no modelo de crescimento da China estão a tornar-se óbvias. A queda dos preços das propriedades está a gerar uma reacção em cadeia que terá um efeito negativo sobre os promotores imobiliários, sobre o investimento e sobre as receitas governamentais. O movimento de forte expansão da construção está a começar a estagnar, numa altura em que as exportações líquidas começam a pesar sobre o crescimento, devido à diminuição da procura por parte dos Estados Unidos e especialmente por parte da Zona Euro. Depois de terem tratado de acalmar o mercado imobiliário ao travarem a subida descontrolada dos preços, os líderes chineses vão ter dificuldades em retomar a via do crescimento.
Eles não são um caso único. No que diz respeito a políticas, os EUA, a Europa e o Japão têm vindo também a adiar as importantes reformas económicas, orçamentais e financeiras necessárias para restabelecer o crescimento sustentável e equilibrado.
A desalavancagem dos sectores público e privado nas economias avançadas ainda mal começou, com os balanços ainda tensos junto das famílias, dos bancos e das instituições financeiras, bem como dos governos locais e centrais. Apenas o sector das empresas de ponta é que revelou melhorias. No entanto, com tantos riscos de cauda tão persistentes e com as incertezas a nível mundial a pesarem na procura final, e com a capacidade excedentária a manter-se elevada, devido ao sobreinvestimento excessivo do passado no mercado imobiliário em muitos países e ao aumento do investimento da China no sector da transformação nos últimos anos, os gastos de capital e a contratação por parte destas empresas mantiveram-se fracos.
A crescente desigualdade – que se deve, em parte, do corte de empregos decorrente das reestruturações das empresas – está a reduzir ainda mais a procura agregada, uma vez que as famílias, os indivíduos mais pobres e as pessoas dependentes dos rendimentos do seu trabalho têm uma maior propensão marginal para gastar do que as empresas, as famílias ricas e as pessoas que dependem dos rendimentos de capital. Além disso, à medida que as desigualdades geram protestos em todo o mundo, a instabilidade social e política poderá colocar um risco adicional sobre o desempenho económico.
Ao mesmo tempo, os principais desequilíbrios das contas correntes – entre os EUA e a China (e outras economias de mercados emergentes) e entre o núcleo e a periferia da Zona Euro – continuam a ser grandes. O ajustamento ordenado exige uma menor procura interna nos países com gastos excessivos que apresentam avultados défices das contas correntes e exige também menores excedentes comerciais nos países que poupam excessivamente, através da apreciação da moeda real e nominal. Para se manter o crescimento, os países de gastam em demasia precisam de uma depreciação nominal e real para melhorarem as suas balanças comerciais, ao passo que os países com superavit precisam de impulsionar a procura interna, especialmente o consumo.
No entanto, este ajustamento de preços relativos através de movimentos cambiais está estagnado, pois os países excedentários estão a resistir a uma apreciação da taxa de câmbio, preferindo impôr uma deflação recessiva nos países deficitários. As resultantes batalhas cambiais estão a ser travadas em várias frentes: intervenção no mercado de divisas, flexibilixação quantitiva e controlo das entradas de capital. E com o crescimento mundial a enfraquecer ainda mais em 2012, essas batalhas poderão escalar e transformar-se em guerras comerciais.
Em conclusão, os decisores políticos estão a ficar sem opções. A desvalorização cambial é um jogo de soma zero, porque nem todos os países pode proceder a uma depreciação da moeda e melhorar ao mesmo tempo as exportações líquidas. A política monetária será flexibilizada à medida que a inflação se for tornando um tema ausente nas economias avançadas (e um problema menor nos mercados emergentes). Contudo, a política monetária é cada vez mais ineficiente nas economias avançadas, onde os problemas derivam mais da insolvência – e, por conseguinte, da capacidade creditícia – do que da falta de liquidez.
Entretanto, a política orçamental é condicionada pelo aumento dos défices e do endividamento, pelos “vigilantes” das obrigações e pelas novas regras orçamentais na Europa. Apoiar e resgatar instituições financeiras é politicamente impopular, uma vez que os governos quase-insolventes não têm dinheito para o fazer. E, politicamente, a promessa do G-20 deu lugar à realidade do G-0: os governos mais débeis têm cada vez maiores dificuldades em implementar uma coordenação política internacional, à medida que as visões do mundo, as metas e os interesses das economias avançadas e dos mercados emergentes entram em conflito.
Consequentemente, lidar com os desequilíbrios – as enormes dívidas das famílias, das instituições financeiras e dos governos – tapando os problemas de solvência com financiamento e liquidez poderá acabar por dar lugar a reestruturações penosas e possivelmente desordenadas. Da mesma forma, lidar com a fraca competitividade e com os desequilíbrios das contas correntes requer ajustamentos cambiais que poderão acabar por levar alguns membros a saírem da Zona Euro.
Restaurar a vida de um crescimento robusto já é suficientemente difícil sem o fantasma sempre presente da desalavancagem e da grave escassez de munições políticas. Mas é esse o desafio que a economia global, frágil e desequilibrada, enfrenta em 2012. Parafraseando Bette Davis em "All About Eve", "apertem os cintos de segurança, vai ser um ano cheio de solavancos!"
*Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é “chairman” da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics. O seu "outlook" detalhado para o crescimento mundial em 2012 está disponível em www.roubini.com
Direitos de autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
© Project Syndicate, 2011.
Tradução: Carla Pedro
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