FERNANDO SANTOS – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião
Caxinas. Infelizmente, aquela zona de Vila do Conde está talhada para a mediatização, a maioria das vezes pelas piores razões: tragédia e luto.
O caxineiro típico é marcado por dois genes: o das estrelas do futebol, de André a Paulinho Santos, tendo no zénite o impacto internacional de Fábio Coentrão, e o dos pescadores. Ora, neste dúplice estado de alma, sabe a pouco o gozo provocado nas gentes da terra pelos seus futebolistas, tantos são os corações apertados e marcados pela tragédia na comunidade piscatória. A angústia pelo desaparecimento, ontem, de mais um barco de pesca não traz nada de novo; é um repositório.
A dor do povo das Caxinas referencia, no entanto, apenas um pequeníssimo segmento do risco e do sofrimento de uma das mais difíceis e incompreendidas profissões em Portugal. De Viana do Castelo a Vila Real de Santo António, passando por Aveiro, Nazaré, Figueira da Foz ou Peniche, ser pescador é sinónimo de dificuldade, desemprego, aventura, naufrágio, morte.
Certo: não há como fugir aos perigos dos oceanos. Mas impressiona como, dispondo da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia - e uma das maiores do Mundo -, foi nas últimas décadas o país capaz de desmantelar o potencial económico derivado das actividades marítimas. Terminado o período ultramarino, o até então país das Descobertas e dos marinheiros virou-se para dentro, priorizou a adesão à União Europeia e, aprofundando-a, por essa via fez o característico de comerciantes de meia-tijela: desmantelou frotas, trocou quotas de pesca por subsídios e algo incompreensível - o pagamento de subsídios a pescadores para se manterem em terra.
Claro, os dramas vivenciados nas Caxinas e em muitos outras localidades piscatórias do país não desaparecerão nunca; mas o investimento no Mar permitiria a disposição de outros meios, eventualmente mais sofisticados e seguros; já agora, um nível de vida uns furos acima da mera sobrevivência. De resto, impressiona como os pescadores são desrespeitados em Portugal, sujeitados a algo completamente sanguessuga: os intermediários. Um quilo de sardinhas é vendido em lota ao preço da uva mijona e chega a inflacionar-se na ordem dos 600% numa banca de mercado! (E nem vale a pena recordar como as batatas ou as laranjas passam por igual processo na depauperada agricultura nacional).
Nos últimos meses, muitos dos protagonistas colaborantes no desmantelamento do aparelho produtivo português, a começar pelo presidente da República, retomaram o discurso do redireccionamento do país para o Mar. Despertaram. Tarde, por falta de capacidade do país para investir em tempo útil. Ainda assim, a emenda de mão é sempre positiva.
Seria bom que desaparecessem as desgraças (não só naufrágios) que atingem as várias Caxinas de Portugal.
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