ADELSON RAFAEL – O PAÍS (mz), opinião
Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011, “Sustentabilidade e Equidade: Um Futuro Melhor para Todos”, realça que a distribuição de renda piorou na maior parte do mundo, e que os países que ocupam as 10 últimas posições no IDH de 2011 são todos da África Sub-sahariana.
Consta que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem sido publicado anualmente desde o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano, em 1990, como uma medida alternativa do desenvolvimento nacional, desafiando as avaliações do progresso puramente económicas, como o Produto Interno Bruto (PIB). As classificações do IDH são recalculadas anualmente usando os mais recentes dados internacionalmente comparáveis para a saúde, a educação e o rendimento.
“O objectivo básico do desenvolvimento”, escreveu Mahbub ul Haq no primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano em 1990, “é criar um ambiente favorável em que as pessoas possam gozar vidas longas, saudáveis e criativas”. Vinte e um anos depois, essa visão continua a ter uma forte repercussão. Por isso, “As pessoas são a verdadeira riqueza das nações. Por vezes, esquecemos essa verdade simples. Impressionados pelas subidas e descidas dos rendimentos nacionais (medidas pelo PIB), temos tendência para pôr no mesmo prato o bem-estar humano e a riqueza material. Não se deve subvalorizar a importância da estabilidade e do crescimento do PIB: são ambos essenciais para o progresso humano sustentado, como se torna óbvio nos vários países que sofrem com a sua ausência. Mas o último parâmetro para medir o progresso é a qualidade de vida das pessoas”.
Acompanhando a dinâmica da questão social, o conceito de pobreza foi-se transformando desde o século XIX para o século XX e XXI de mera privação das condições de subsistência a tema central da própria questão social, daí que nos últimos anos estabeleceu-se um consenso em relação ao carácter multidimensional da pobreza. A “Oxford Poverty & Human Development Initiative” em colaboração com as Nações Unidas desenvolveram uma ferramenta de mensuração da pobreza, ao qual fizeram pela primeira vez uso no estudo publicado no mês de Julho de 2010, liderado pelas pesquisadoras Sabina Alkire e Maria Emma Santo, sob título “Acute Multidimensional Poverty: A New Index for Developing Countries”, que retrata o índice de pobreza multidimensional (IPM) em 104 países.
A nova ferramenta, que mudou a percepção que nos habituámos a ter sobre a pobreza, pois substituiu o Índice de Pobreza Humana que era usado desde 1997 e em termos metodológico, o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apresentou três medidas inovadoras que complementam o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tradicional do relatório: o IDH Ajustado à Desigualdade, o Índice de Desigualdade de Género e o Índice de Pobreza Multidimensional, complementado pelo IDH original, o qual, como medida composta de médias nacionais, não reflectia as desigualdades internas.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011, “Sustentabilidade e Equidade: Um Futuro Melhor para Todos”, realça que a distribuição de renda piorou na maior parte do mundo, e que os países que ocupam as 10 últimas posições no IDH de 2011 são todos da África Sub-sahariana: Guiné, República Centro - Africana, Serra Leoa, Burquina Faso, Libéria, Chade, Moçambique, Burundi, Níger e República Democrática do Congo. Apesar dos progressos recentes, estas nações com IDH baixo ainda padecem de rendimentos inadequados, oportunidades de escolarização limitadas e esperanças de vida muito abaixo das médias mundiais devido, em grande parte, a doenças evitáveis e tratáveis, como a malária e a Sida.
Moçambique é o quarto pior do mundo no índice de desenvolvimento Humano de 2011 das Nações Unidas. Está na posição 184 de um total de 187 países analisados. No ano passado, o país ocupou o lugar 165 de um universo de 169 Estados classificados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A publicação refere que a esperança de vida dos moçambicanos ronda os 50.2 anos, que a população tem somente 1.2 anos de escolaridade média e USD 898 de rendimento per capita para além de ter a pior classificação entre os oito países de língua portuguesa.
Ainda que haja discordância em qual seria a forma mais adequada de mensuração da pobreza, há pouco desacordo acerca da necessidade de se conceber a pobreza como algo além dos rendimentos, além da dimensão monetária, pelo que o índice de pobreza multidimensional aguda, reflecte as privações em termos de serviços essenciais básicos. Tendo em consideração certos pronunciamentos vinculados ao Instituto Nacional de Estatísticas (INE) após a divulgação do relatório, embora profundamente constrangido por limitações de dados ou desactualizados (e não significativos, diga-se em abono da verdade), há que reconhecer que o relatório providencia um arcabouço de informação útil para quem pretende efectuar análise de diferentes privações. Facto que não merece contestação se termos em consideração os últimos estudos nacionais de referência sobre a temática de pobreza.
Não devemos ter a estatística como referência somente quando nos é favorável. A desculpa de “dados desactualizados” não pega e quem o defende ainda não sentiu na pele as consequências de tal aceitação. Pelos vistos, estar privado do progresso humano e ser-se pobre tornou-se aceite desde que sejam “os outros”. É um vírus silencioso caracterizado pelo medo de se ser o próximo numa situação de desespero. Mas será que já não chegámos a esse ponto? Assistir-se à decadência humana nos outros e aceitar-se tal separação é a decadência da humanidade. Ou será preciso irmos todos ao fundo do precipício para se perceber que há necessidade de melhorar a liberdade humana, a dignidade e a intervenção humana, isto é, o papel das pessoas no desenvolvimento?
Diante de um precipício é mais prudente um passo atrás que um em frente. Não que seja um céptico, mas, em qualquer país, a estatística é ferramenta fundamental para que se possa traçar planos sociais e económicos e projectar metas para o futuro. Em face da imensa quantidade de dados e indicadores socioeconómicos e demográficos actualmente recolhidos e analisados pelos diferentes institutos de pesquisa (públicos ou privados), tornou-se inquestionável a importância da ciência estatística nos últimos dois séculos.
Mas que críticas aos dados e metodologia de elaboração do Relatório do Desenvolvimento Humano (que são usados sem discriminação para todos 187 países analisados), há que fazer uso da informação e, duma vez por todas, reconhecer que estatísticas levam à definição de políticas bem sucedidas e possibilitam uma análise pormenorizada de problemas sociais e económicos, por mais complexos que sejam, contribuindo para que as autoridades governamentais seleccionem as melhores medidas e acompanhem os seus efeitos. Moçambique ainda não “bateu no fundo do poço”, embora esteja à beira do precipício, pois continua um país próspero, onde cada dia que passa existe a ténue esperança de se nascer com a certeza de se bem viver. E o resto, o tempo cá estará para comprovar o contrário...
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