Maria Luísa Vasconcelos, Professora da Universidade Fernando Pessoa – Expresso, opinião, em Blogues
Dizem-nos que a crise da dívida soberana é um problema dos países periféricos impreparados para o euro. Que é um problema das finanças públicas, incumpridoras. Que é uma crise que tem como primeira saída viável as políticas de austeridade, essas sim, capazes de garantir a consolidação, condição prévia para um crescimento económico sustentável. Esconde-se assim o problema maior do endividamento privado, múltiplo do endividamento público, e dizem-nos: Incumpriram, têm que pagar. É o mercado.
Mas poderia em alternativa dizer-se que estas são políticas de austeridade que garantem prioritariamente o pagamento do serviço de dívida a credores, que atiram para a frente os incumprimentos, que não resolvem o problema do crescimento da dívida ou do serviço da dívida; que são insuficientes e exercem efeitos recessivos nas economias; enfim, que são políticas que sugam o devedor antes de o largar, possivelmente retirando-o do euro, atirando-o para a desvalorização, para uma competitividade breve e mentirosa, para a inflação e para instabilidade.
Poderiam também dizer-nos que a Europa e o BCE têm alternativas, que a preocupação com a inflação poderia ser secundarizada no curto prazo, que um financiamento de larga escala dos sistemas bancários poderia ser realizado, que a escalada dos juros poderia ser regulamentada, que os Eurobonds poderiam ser exequíveis (cada vez menos), que uma reestruturação ordenada das dívidas (em maturidade e em juros) poderia ser solidariamente pensada. Mas sobretudo, poderiam dizer-nos que a saída de algumas economias da zona euro é indesejada, porque beneficiará apenas o core da zona euro, enquanto abandona uma imensidão de cidadãos europeus à degradação económica e social.
O pensamento único que nos vêm anunciando é o da depressão económica. Resulta de uma concepção do mercado como a ordem natural das coisas, em que os resultados não são justos nem injustos, mas apenas resultados. Desenganem-se.
O neoliberalismo não é uma mera questão técnica-económica. É uma opção política e, como qualquer outra, está sujeita a alteração. Quando? Dependerá do interesse económico do centro. Como veremos, quanto mais próxima estiver a crise da Alemanha, com contracção de crescimento já esperada para o quarto trimestre e uma crescente possibilidade da sua dívida passar apresentar yields em alta, maior flexibilidade passará a haver para uma actuação do banco central europeu como lender of last resort, opção, até à data, absolutamente rejeitada. Vale a pena pensar porquê.
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