sábado, 31 de dezembro de 2011

2012: DEMOCRACIA OU OLIGARQUIA?




JOSÉ MANUEL PUREZA – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

O que do ano que agora finda ficará para a memória da humanidade serão dois factos. O primeiro é a irrupção das lutas das massas árabes pela democracia. O segundo é a crise do euro e a implosão do modelo social europeu. O declínio americano, a turbulência russa e a afirmação de poder chinês não são factos, são tendências de fundo que 2011 apenas confirmou.

A simultaneidade das revoltas árabes e da crise do euro pôs no centro do debate público a democracia. E, ao mostrar-nos a democracia como um processo social mais do que um cerimonial político, fez de 2011 um ano muito rico. A marca das lições aprendidas dos dois lados do Mediterrâneo em 2011 sobre a democracia foi a da simetria.

O que as gentes árabes nos ensinam é que um orçamento cheio não chega para os anseios mais fundos das pessoas. É a sua distribuição que conta, mais que a sua dimensão. Os de baixo, aqueles que os rendimentos do petróleo, dos fosfatos ou da conveniência geopolítica nunca bafejaram, esses foram os que em 2011 vieram para as ruas clamar que nada tinham a perder a não ser a sua vida nua e denunciar que as oligarquias acabam sempre por jogar à defesa contra a grande maioria condenada a subviver. Na força bruta, as oligarquias mostram afinal a sua confrangedora fragilidade. A grande lição dos insubmissos de Tahrir, de Tunis ou de Damasco é a de que a liberdade é o avesso da oligarquia. E que, por ser assim, ela ou vai de mão dada com a redistribuição da riqueza ou pura e simplesmente sufoca às mãos de velhas e novas elites. Ficámos em 2011 a dever às massas árabes esse contributo essencial para a aprendizagem das condições da democracia.

Na sua simetria face às ruas e praças árabes, o 2011 europeu reforçou paradoxalmente esse contributo para a centralidade da democracia no ano que termina. Que a edição de ontem de aniversário do DN tenha escolhido uma belíssima gravura de Nadir Afonso sobre o rapto de Europa para seu rosto foi um sinal de grande clarividência sobre o legado que este lado do mundo deixa em 2011. E que este sinal nos seja dado escassos dias depois da entrada em força do desabrido capitalismo chinês no núcleo estratégico da economia portuguesa é mais do que uma curiosa coincidência - é uma chave de leitura do nosso tempo. A Europa raptada em 2011 é a da construção de uma democracia que para ser política tem de ser social e económica. Essa Europa, que lucidamente deu corpo à noção de que os direitos sociais e os serviços públicos não são um luxo de ricos mas sim uma condição de liberdade de todos, foi raptada pelos mentores de outras visões do mundo para os quais o contrato social que tem prevalecido na Eu-ropa constitui uma ameaça aos seus desígnios. Como todos os raptores, os que sequestraram a Europa em 2011 movem-se pelo apetite do resgate. Já o anunciaram: apropriação de monopólios naturais e de unidades prestadoras de serviços básicos, alimentação do negócio bolsista com os fundos de segurança social e, mais que tudo, transferência de rendimentos devidos ao trabalho para a propriedade e para o capital. Como sempre em histórias de raptos, foi decisiva a cumplicidade de guarda-costas que, entre juras mecânicas de fidelidade à Europa, adoptaram o programa dos raptores.

Pelas mãos da obsessão da austeridade, a Europa está a perder a democracia e a substituí-la por novas oligarquias. A asiatização do capitalismo europeu é um processo em aceleração rápida. E desenganem-se os que acham que isso se confinará à propriedade de empresas (EDP, BCP, ...): muito mais que isso, será (está a ser) uma mudança profunda de modos de vida.

Vem aí um ano aliciante, feito de escolhas fundas. Saibamos fazê-las com coragem.

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